Na última terça-feira, 27 de maio, o caso Fifagate completou 10 anos. Nessa mesma data, em 2015, o FBI (Federal Bureau of Investigation) deu início a uma das principais investigações da sua história ao realizar uma operação em um hotel onde importantes dirigentes da Fifa estavam hospedados e reunidos para o congresso anual da entidade máxima do futebol em Zurique, na Suíça.
A operação realizada pelo FBI, em conjunto com a procuradoria-geral dos Estados Unidos e pela polícia Suíça resultou na prisão de sete dirigentes no local. Ao todo, 34 réus foram indiciados em uma lista que incluiu empresas e pessoas físicas. Entre os nomes que constam na lista estão o de José Maria Marin, Marco Polo Del Nero e Ricardo Teixeira, ambos ex-presidentes da CBF (Confederação Brasileira de Futebol).
O episódio, considerado como o maior escândalo de corrupção da história do esporte, evidenciou a necessidade da implantação de medidas de governança e compliance, temas que até então eram restritos ao mundo corporativo.
“O Fifagate evidenciou, de modo decisivo, a necessidade de estruturas de controle e transparência nas entidades esportivas de modo geral, abrindo caminho para que outras instituições passassem a incluir o tema ética nas suas agendas de organização e estratégia. Tamanho foi o seu impacto, que todo o meio esportivo se tornou mais alerta e vigilante”, conta Rodrigo Carril, advogado especializado em gestão e compliance.
Gustavo Nadalin, advogado especializado em compliance esportivo, destaca as mudanças adotadas pela Fifa, como a criação de mecanismos e programas de transparência, além da implementação de um departamento de compliance. No entanto, o especialista ressalta que de nada adianta se não houver uma mudança cultural.
“Pode-se dizer que mudaram algumas coisas, mas a essência é a mesma. Alguns mecanismos foram criados após o Fifagate, como a criação da Câmara de Compensação da FIFA (Clearing House), que efetivamente veio dar mais transparência e centralizou a cobrança dos valores devidos a título de Mecanismo de Solidariedade e Training Compensation, e também a implementação de um departamento de compliance, com código de ética e conduta. Porém, compliance sem mudança de cultura não adianta”, diz o advogado.
Fifa relembra caso
A Fifa divulgou uma declaração sobre os 10 anos do Fifagate. Em nota, a entidade diz que o episódio “marcou um ponto de virada para a entidade” e elogiou a atuação das autoridades americanas no caso.
“O escândalo de 2015 estabeleceu um ponto de virada para a entidade, permitindo a evolução da Fifa. Graças à intervenção das autoridades americanas em 2015, nos tornamos capazes de mudar o ambiente tóxico da Fifa da época para uma respeitada e confiável entidade global que comanda o esporte com foco em seu mandato de resolver o futebol de todo o mundo”, diz um trecho do documento.
Presidente da Fifa desde 2016, Gianni Infantino foi importante para a implantação das mudanças que aconteceram nos últimos nove anos. Houveram reformas na governança e na gestão financeira, com ênfase na transparência. O novo modelo foi reconhecido por instituições internacionais, como a Associação das Federações Internacionais Olímpicas de Verão.
Além disso, a relação com o FBI mudou drasticamente. De investigada pelo órgão, a Fifa firmou uma parceria com o Departamento Federal de Investigação dos Estados Unidos e foi reconhecida pelo bom trabalho pelo órgão, que concedeu US$ 201 milhões à Fundação Fifa como compensação pelas perdas sofridas pela entidade, pela Concacaf (Confederação das Associações de Futebol da América do Norte, Central e Caribe) e pela Conmebol (Confederação Sul-Americana de Futebol) em decorrência de décadas de corrupção no futebol.
Com diversas investigações paralelas em vários países e fatos relacionados, não é possível, no entanto, estimar o tamanho exato do rombo financeiro causado pelo caso Fifagate.
Críticas à Fifa
Um grupo formado por acadêmicos, jornalistas e órgãos não governamentais do futebol aproveitaram a ‘celebração’ dos 10 anos do caso Fifagate para divulgar uma carta sobre as reformas promovidas pela entidade após o episódio. No documento, na qual o Lei em Campo teve acesso, eles afirmam que a entidade é pior governada hoje do que há 10 anos.
“Uma carta assinada por acadêmicos, jornalistas e órgãos não governamentais da comunidade futebolística apontam que a Fifa é pior governada hoje do que há 10 anos. No documento, argumentam que as reformas promovidas pela entidade não a colocaram numa nova era de governança responsável e muito menos abordaram as suas principais falhas estruturais, dentre elas, a relação e a dinâmica de poder entre sua cúpula executiva e as associações nacionais, principalmente nas escolhas das sedes para a Copa do Mundo”, cita o advogado Gustavo Nadalin.
Compliance e governança no futebol brasileiro
Em relação ao futebol brasileiro, o advogado Rodrigo Carril afirma que ainda há muito o que avançar quando falamos em governança e compliance.
“Exemplos recentes na gestão do futebol brasileiro mostram que ainda temos uma longa estrada a ser percorrida e, talvez, nem ao menos tenhamos tal estrada devidamente delineada e asfaltada. Que esta data importante reacenda o alerta nos gestores do esporte nacional para a necessidade de uma gestão transparente e livre de conflitos de interesses, para que os nossos atletas voltem a ser o único destaque”, finaliza.
“A adoção de práticas de compliance é imprescindível para os clubes de futebol que buscam atuar de forma ética, transparente e alinhada às exigências legais e regulatórias. Além de fortalecer a governança e a integridade institucional, o compliance mitiga riscos relacionados à corrupção, fraudes e lavagem de dinheiro, contribuindo para a preservação da reputação e da credibilidade do clube. Além de ser também uma ferramenta para propiciar mudança de cultura e promover um ambiente de trabalho sadio. Trata-se de um diferencial estratégico que amplia a confiança de patrocinadores, investidores e órgãos reguladores, além de assegurar sustentabilidade, profissionalização e desenvolvimento responsável no ambiente esportivo. Porém, infelizmente os Clubes brasileiros ainda não se atentaram – ou não fazem questão – de adotar estas práticas no seu dia a dia, salvo raríssimas exceções. Não tenho dúvidas de que a tal ‘profissionalização dos clubes’, tão entoada após a Lei das SAFs, só se concretizará para aqueles que entenderem que a simples mudança societária não fará milagres sem uma efetiva mudança de cultura, através do compliance”, acrescenta Gustavo Nadalin.
Crédito imagem: Philipp Schmidli/Getty Images
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