A arbitragem esportiva favorece os poderosos?

Pesquisando para o livro Vinte (júri) histórias que Mudaram o Esporte, que estou finalizando, cheguei no artigo “Can’t buy me arbitrator love? How party-appointed arbitrators help ‘haves’ come out ahead in sports arbitration”, de Johan Linhon. O texto foi publicado na Arbitration International e explora o papel controverso dos árbitros nomeados pelas partes na arbitragem, usando a arbitragem esportiva como foco de análise.

O autor investiga como a nomeação de árbitros pode beneficiar partes com maior capacidade (os “haves”) em detrimento de partes menos experientes ou com menos recursos (os “have-nots”). Em resumo, o texto reflete sobra  a possibilidade da arbitragem esportiva favorecer os poderosos.

O problema

Claro que a nomeação de árbitros pelas partes é uma prática comum no mundo, mesmo assim é frequentemente criticada por alguns pesquisadores do direito por potencialmente comprometer a imparcialidade do processo arbitral. E, sabemos, como é um direito de todos o acesso a um julgamento independente e imparcial em qualquer processo de resolução de litígio, cabe a arbitragem esportiva aperfeiçoar processos.

Lindholm destaca no artigo que “os árbitros nomeados pelas partes são uma característica comum, porém controversa, de muitos sistemas arbitrais”, e que o principal ponto de discórdia é se tal poder é usado de forma a “minar a imparcialidade, a igualdade e a justiça da arbitragem”. Em particular, a capacidade de selecionar um árbitro pode ser manipulada estrategicamente para favorecer determinados interesses, configurando uma vantagem substancial para litigantes mais experientes ou melhor assessorados.

A teoria da capacidade das partes (“party capability”), amplamente explorada por Lindholm, reforça essa visão. De acordo com o autor, “partes com certos atributos, como experiência prévia em litígios e recursos financeiros substanciais, possuem vantagens significativas frente a litigantes menos capazes”

Em função disso, a escolha estratégica de árbitros é central nesse processo: “um litigante racional tentará selecionar um árbitro que tenha consistentemente demonstrado a filosofia jurídica apropriada em relação às questões relevantes para seus objetivos”. Assim, federações esportivas internacionais e grandes clubes, dotados de recursos e expertise, dominam o processo de seleção, enquanto atletas individuais ou organizações menores encontram-se em situação de desvantagem.

O pesquisador decidiu ter o  Tribunal Arbitral do Esporte (TAS) como um estudo de caso privilegiado para essa análise, dado seu histórico de decisões e por ter mais divulgação de painéis do que outras arbitragens. Um dos principais propósitos do Tribunal esportivo, que também se reflete em seu grau comparativamente alto de transparência, é contribuir para a aplicação uniforme do direito esportivo, estabelecendo interpretações oficiais e princípios gerais por meio de sua jurisprudência.

As entidades esportivas são, portanto, geralmente a favor da publicação das decisões do Tribunal e, portanto, pode-se esperar que sejam relutantes em concordar com a confidencialidade, exceto quando as circunstâncias particulares exigirem discrição, por exemplo, em casos envolvendo menores. Por isso, o autor consegue pesquisar grande número de decisões.

Ele analisou 1471 decisões do Tribunal, de 1986 a 2022. Entre as observações destacadas, ele mostra que embora a lista de árbitros ultrapasse 300 nomes, um pequeno grupo de pessoas segue recebendo a maioria das nomeações. Segu o texto, esses “Superárbitros”, como ele os chama, seriam acessíveis para aqueles mais fortes dentro do movimento esportivo.

A pesquisa empírica conduzida demonstra que árbitros experientes (“super-arbitrators”) exercem influência significativa nos painéis, aumentando as chances de vitória das partes que os nomearam. Como revela o estudo, “nomear um árbitro experiente aumenta a probabilidade de que (i) o árbitro vote conforme o interesse da parte que o nomeou e (ii) influencie outros membros do painel a fazer o mesmo” .

O que fazer?  

A conclusão do artigo é clara: embora o sistema de nomeação de árbitros pelas partes possa ser aceitável em litígios entre partes de capacidade equivalente, ele compromete gravemente a equidade quando há disparidade de recursos. Embora árbitros nomeados pelas partes possam ser menos problemáticos em disputas entre partes de capacidade semelhante, essa prática coloca em dúvida a justiça e a legitimidade da arbitragem quando há disparidade de capacidade entre as partes.

Diante do exposto, ele apresenta caminhos, propondo que reformas estruturais sejam consideradas, como a nomeação institucional dos árbitros ou métodos aleatórios de seleção, visando restaurar a confiança e garantir um processo verdadeiramente justo.  O que me parece ser também um caminho possível, tornar o quadro de árbitros mais plural e criar outros métodos de escolha, como sorteio ou lista tríplice para aprovação da outra parte.

O fato é que os argumentos de Johan são baseados em uma pesquisa sólida e devem provocar reflexões. Assim como já falamos da necessidade da arbitragem esportiva ter mais árbitros com olhar para direitos humanos em função das demandas atuais do esporte, também acredito que essa crítica deva ser pensada e provocar uma reflexão que leve a avanços no movimento jurídico privado do esporte.

Afinal, é um debate sobre a legitimidade da arbitragem esportiva que fornece subsídios importantes para pesquisadores e profissionais do direito desportivo e da arbitragem internacional. E transformar esse sistema privado o mais legítimo e justo possível é o desafio para preservar a autonomia do esporte até em questões que envolvam disputas jurídicas.

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Referências

LINDHOLM, Johan. Can’t buy me arbitrator love? How party-appointed arbitrators help ‘haves’ come out ahead in sports arbitration. Arbitration International, 2025. Disponível em: https://doi.org/10.1093/arbint/aiae054. Acesso em: 28 abr. 2025.

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