A democracia, no futebol brasileiro, parece não passar de uma formalidade estatutária. Na Confederação Brasileira de Futebol (CBF), um sistema de cláusulas de barreira praticamente inviabiliza a pluralidade de candidaturas. Exige-se apoios concentrados em federações dependentes financeiramente da própria entidade, tempo de atuação prévia em cargos que só são acessíveis a quem já faz parte do “clube”, e outros filtros que, na prática, impedem o surgimento de vozes dissonantes.
Em vez de um processo eleitoral, o que temos é um ritual de recondução. Reeleição sem competição. Continuidade travestida de escolha.
Um modelo fechado e autorreferente
A CBF justifica essas exigências como garantias de estabilidade institucional. Contudo, na prática, elas operam como um sistema de blindagem. O jogo está armado para impedir qualquer possibilidade de alternância real de poder.
Isso tem implicações sérias não só para a governança do futebol brasileiro, mas também para o próprio conceito de entidade de administração do desporto. Afinal, a CBF não é um clube privado qualquer: é a responsável por gerir um patrimônio imaterial do país, organizando campeonatos, convocando seleções e distribuindo recursos oriundos de contratos com impacto nacional e internacional.
O que dizem o direito e a Constituição?
A autonomia das entidades esportivas é garantida pelo artigo 217 da Constituição Federal. Mas essa autonomia não é absoluta. Ela deve se conciliar com os princípios da transparência, moralidade, finalidade pública e gestão democrática.
Há um evidente conflito entre essa função social e as cláusulas restritivas de candidatura. Elas violam, ainda que indiretamente, direitos de terceira geração – os chamados direitos difusos, que dizem respeito a toda a coletividade esportiva: atletas, clubes, treinadores, torcedores, gestores, jornalistas e cidadãos.
A perpetuação de dirigentes por meio de filtros artificiais constitui ofensa à ética na gestão e ao próprio princípio republicano.
Judicializar é possível?
Sim. Já há precedentes de ações questionando processos eleitorais em entidades esportivas, inclusive com decisões favoráveis. O caminho pode passar por ações civis públicas, representações ao Ministério Público e até ações diretas de inconstitucionalidade de normas que ofendam os princípios constitucionais da gestão democrática e da moralidade.
Mas mais do que isso: é preciso coragem institucional e pressão pública. A reforma da CBF não será feita nos gabinetes da própria entidade.
Conclusão: ou o futebol se abre, ou se afasta da sociedade
Enquanto países discutem modelos de governança, o Brasil assiste calado à concentração de poder em estruturas que se reproduzem há décadas. A consequência disso não é apenas política — é esportiva. Sem diversidade de ideias, sem disputa real, sem renovação institucional, o futebol perde sua capacidade de se reinventar.
Se democracia é jogo aberto, por que a CBF ainda insiste em jogar com as regras que só beneficiam quem já está no campo?
Crédito imagem: CBF/Divulgação
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