A ilegalidade da invasão de campo por dirigentes e a necessária aplicação do CBJD

No futebol brasileiro, é prática comum que dirigentes, presidentes de clubes, membros da comissão técnica e outros representantes da entidade desportiva ingressem no campo de jogo após o término das partidas.

Em regra, afirmam que o fazem com o propósito de cumprimentar os atletas ou a equipe de arbitragem. No entanto, essa conduta, embora repetida com frequência, caracteriza infração disciplinar prevista de forma expressa no Código Brasileiro de Justiça Desportiva (CBJD), mais especificamente no artigo 258-B.

Nos termos do art. 258-B do CBJD, comete infração disciplinar quem “invadir o local destinado à equipe de arbitragem ou o local da partida, prova ou equivalente, durante sua realização ou no seu intervalo regulamentar.”

O tipo infracional é claro ao estabelecer a vedação de ingresso no campo de jogo, durante a partida ou no intervalo, sem qualquer ressalva quanto ao momento posterior ao seu encerramento.

Entretanto, a interpretação sistemática do dispositivo, em consonância com a lógica da disciplina desportiva, conduz à conclusão de que o comportamento também deve ser punido quando a invasão ocorre imediatamente após o término da partida, ainda sob responsabilidade do árbitro e com evidente potencial de gerar tumulto e desordem.

A conduta infracional prevista no art. 258-B do CBJD é objetiva e não exige do agente qualquer especial fim de agir. Não importa se o dirigente ingressou no gramado para parabenizar, reclamar ou simplesmente conversar com os árbitros ou atletas. O que se protege é a organização do espetáculo desportivo e o respeito aos espaços definidos pela arbitragem, responsáveis pelo controle da partida até a retirada dos envolvidos do local do jogo.

Mais grave ainda é que, além de violar o CBJD, essas invasões protagonizadas por dirigentes têm sido, não raras vezes, o estopim para a deflagração de confusões generalizadas, discussões acaloradas, ofensas verbais, agressões e até confrontos físicos.

O que inicialmente se apresenta como um gesto supostamente cordial ou amistoso rapidamente se transforma em situações de hostilidade e violência, criando um ambiente absolutamente incompatível com a ordem e o espírito desportivo que deve prevalecer ao final de qualquer partida.

Tenho observado essa situação de maneira muito clara no Tribunal de Justiça Desportiva do Espírito Santo (TJD/ES), onde atuo. É cada vez mais frequente o julgamento de casos em que dirigentes, ao invadirem o campo, acabam dando causa a tumultos, discussões e até agressões.

Nessas situações, temos aplicado punições rigorosas, inclusive com suspensão dos dirigentes envolvidos, exatamente para deixar claro que essa prática não é tolerada pelo Sistema de Justiça Desportiva, principalmente quando há desdobramentos em conflitos.

Para além da infração individual do dirigente que invade o campo, é necessário destacar que o CBJD também prevê a responsabilidade objetiva da entidade de prática desportiva pela desordem e pela invasão de pessoas não autorizadas.

O artigo 213 do CBJD dispõe que as entidades de prática desportiva devem tomar todas as providências necessárias para prevenir e reprimir desordens em sua praça de desporto e a entrada de pessoas não autorizadas no local da disputa do evento desportivo.

Embora o dispositivo tenha sido idealizado, originariamente, para conter a invasão de torcedores, nada impede sua aplicação para a entrada indevida de dirigentes, membros da comissão técnica ou qualquer outra pessoa vinculada à entidade de prática desportiva.

Isso porque a lógica do artigo 213 do CBJD é de proteção ao ambiente da partida, impondo à entidade a obrigação de organizar o evento de modo a evitar situações que comprometam sua segurança e regularidade. Assim, quando o dirigente invade o campo e, por consequência, dá causa a tumultos, discussões ou agressões, a agremiação também poderá ser punida, inclusive com multa ou perda do mando de campo, nos termos do referido dispositivo.

A responsabilidade, portanto, é tanto individual quanto institucional. O dirigente que invade o campo deve ser punido com suspensão, nos termos do art. 258-B do CBJD, e o clube mandante, responsável pela organização do evento e pelo controle do portão de acesso ao campo, pode ser responsabilizado nos moldes do art. 213 do mesmo Código, caso a invasão cause tumultos, desordem ou coloque em risco a segurança da partida.

Trata-se da aplicação do princípio da responsabilidade objetiva da entidade desportiva, típica do Direito Desportivo, que impõe ao clube mandante o dever de garantir a segurança e o controle efetivo dos envolvidos no espetáculo, preservando a disciplina e a integridade do ambiente esportivo.

É essencial que o Sistema de Justiça Desportiva brasileiro adote uma postura firme e coerente na repressão a essa prática. A invasão de campo por dirigentes não é um gesto inofensivo ou simbólico. Ao contrário, trata-se de conduta que viola o CBJD, desrespeita a arbitragem, fragiliza a segurança do evento e frequentemente serve de gatilho para confusões e episódios de violência, colocando em risco a integridade de todos os envolvidos.

A força do Direito Desportivo reside na autoridade de suas normas e na efetividade de sua aplicação. Práticas reiteradas em desconformidade com a lei devem ser combatidas com rigor, sob pena de se estimular um ambiente de desordem e impunidade no futebol brasileiro. Respeitar o campo de jogo, os seus limites e a sua disciplina não é apenas cumprir uma formalidade: é garantir a segurança, o respeito e a dignidade que o espetáculo esportivo merece.

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