Por André Feher Jr. e Plínio Higasi
Nos últimos anos, o mercado de esports vem passando por uma transformação acelerada em prol da profissionalização. Essa evolução não diz respeito apenas ao aumento de investimentos ou à popularização dos jogos competitivos, mas também à estruturação jurídica e contratual que sustenta relações fundamentais, como a entre jogadores e agentes.
O recente guia[1] publicado pela Riot Games sobre relacionamento com agentes no ecossistema EMEA (Europa, Oriente Médio e África) oferece um panorama claro de boas práticas e pode servir como modelo para a realidade brasileira nos próximos anos.
Apesar de o guia deixar claro que não há uma regulação formal de agentes dentro do ecossistema da Riot na EMEA, e levando em consideração a descentralização do mercado, a própria existência do documento já demonstra uma preocupação com a segurança jurídica, ética e transparência. A criação de manuais como esse supre, parcialmente, a ausência de normas específicas, mas, ao mesmo tempo, reforça a urgência de marcos regulatórios mais robustos e adaptados às necessidades desse mercado.
Embora o mercado brasileiro esteja em franco crescimento há alguns anos, a demanda para a construção de diretrizes oficiais que regulem a atuação de agentes é necessária, até mesmo, considerando a quantidade de transações de atletas entre clubes, nas mais diversas modalidades dos jogos eletrônicos, principalmente no League of Legends, Valorant, Free Fire e CS2.
Em um olhar mais atento, o guia da Riot destaca que, embora a contratação de agentes não seja obrigatória, ela é muitas vezes essencial para garantir que os jogadores tenham suporte especializado em negociação de contratos, gestão de imagem, compliance tributário, relocação internacional e construção de carreira. O documento vai além do aspecto técnico e jurídico, ressaltando que o agente deve atuar também como facilitador do bem-estar do atleta – ajudando na rotina, equilíbrio emocional e metas de longo prazo.
Tal abordagem reforça um ponto crucial: a atuação do agente deve ser multidisciplinar, ética e centrada no interesse do jogador. Para isso, é fundamental que a relação seja transparente, que os contratos sejam bem estruturados e que os profissionais envolvidos tenham preparo técnico e reputação no mercado.
O guia apresenta uma série de orientações práticas e alertas que merecem destaque:
- Escolha do agente: não existe processo formal de licenciamento; qualquer pessoa pode atuar como agente, inclusive familiares;
- Poder de decisão: o agente não pode tomar decisões sem o consentimento do jogador, e é possível incluir cláusulas contratuais para limitar sua atuação;
- Remuneração: a comissão varia entre 5% e 10%, mas há também possibilidade de pagamento por mensalidade fixa. O ideal é que o jogador pague diretamente ao agente, evitando intermediários e garantindo controle financeiro;
- Proteção de menores: jogadores com menos de 18 anos devem ter os pais ou responsáveis envolvidos nas negociações, e o contrato precisa seguir a legislação local;
- Riscos frequentes: o documento cita exemplos reais como conflitos de interesse, cobrança de taxas não informadas, pressão para renovação contratual e agentes que favorecem clientes de maior retorno financeiro.
- Compliance e regulamentações específicas: agentes devem seguir as regras de “Team Continuity Protection”, o que inclui não negociar com outros times durante a temporada sem autorização do time atual do jogador.
Logo, identifica-se que a profissionalização dos esports não depende apenas de investimentos e crescimento de audiência, mas da construção de relações contratuais justas e transparentes.
A adoção de boas práticas internacionais, como as sugeridas no guia da Riot, pode auxiliar o mercado brasileiro a evoluir de forma segura e sustentável. Mais do que um modelo, o documento representa um ponto de partida para um debate regulatório mais amplo, que envolva clubes, agentes, atletas, advogados e entidades públicas.
Por fim, e apesar de não ter sido abordado no guia da Riot, tanto atletas quanto agentes devem observar a aplicação do Direito e tecnologia aos esports. Áreas como o direito digital, a proteção de dados, a propriedade intelectual e o compliance, aquecidas no Brasil, possuem suma importância nas relações comerciais envolvendo ambos no respectivo mercado, conforme destacado abaixo:
- Direito Digital e Proteção de Dados: A Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) é fundamental para garantir a privacidade e a proteção dos dados pessoais dos jogadores e agentes. A conformidade com a LGPD, assim como na Europa por conta da GDPR, é essencial para evitar sanções e garantir a confiança dos stakeholders no mercado de esports.
- Propriedade Intelectual: A proteção das marcas, softwares, patentes e direitos autorais é crucial no mercado de esports. A utilização de personagens, cenários e outros elementos dos jogos deve respeitar os direitos de propriedade intelectual dos desenvolvedores e publishers.
- Compliance e Governança Corporativa: A implementação de programas de compliance é vital para assegurar que as práticas dos agentes e clubes estejam em conformidade com as leis e regulamentos aplicáveis. Isso inclui a prevenção de fraudes, a transparência nas negociações e a adoção de políticas de integridade.
- Contratos e Relações de Trabalho: A formalização das relações contratuais entre jogadores, agentes e clubes deve seguir as diretrizes do direito do trabalho brasileiro. Isso inclui a definição clara dos direitos e deveres de cada parte, a remuneração justa e a proteção dos direitos trabalhistas dos jogadores.
- Responsabilidade Civil e Penal: A responsabilidade civil e penal dos agentes e clubes deve ser considerada em casos de violação de direitos, como a divulgação não autorizada de dados pessoais ou a prática de atos ilícitos. A legislação brasileira prevê sanções para esses casos, garantindo a proteção dos direitos dos envolvidos.
Assim, para cada caso é importante a análise aprofundada de profissionais qualificados em Direito Digital (Direito aplicado à tecnologia), para que designem as normas e possíveis formas de mitigação de riscos para cada situação específica, e contribuir de forma efetiva para a segurança jurídica das relações comerciais estabelecidas no mercado de esports.
Crédito imagem: Banco de Imagens
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André Feher Jr.: Sócio da Feher Consultoria Jurídica, mestre em direito desportivo internacional pelo ISDE em Madri – ESP, graduado pela PUC-SP, especializações em contratos típicos e atípicos pela FGV-SP, Direito e Futebol na CBF, e Direito de propriedade intelectual, Entretenimento, Mídias Digitais e Moda na ESA-OAB.
Plínio Higasi: Sócio-fundador da HSLG Advogados, mestre em Inteligência Artificial aplicada ao Direito na Faculdade de Tecnologia da Inteligência e Design Digital – PUC/SP, LLM em Direito e Tecnologia pela Escola Politécnica da USP, especializações pela FGV e PUC/SP em técnicas alternativas de resolução de conflito, além de extensões em Mediação e Arbitragem, e na técnica Harvard (Harvard Method) de mediação pela Fundação Getúlio Vargas/SP.
[1] https://cdn.sanity.io/files/dsfx7636/news/8cb461e0e3cc6d35950410e11bd587ebf9508709.pdf