Afastamento do presidente da CBF

Notícias se espraiam por todo globo a respeito da decisão judicial do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) que afastou o atual presidente da Confederação Brasileira de Futebol (CBF) na última quinta-feira (dia 15 de maio de 2025).

Esta não é uma concessão de medida judicial qualquer, pois invoca palpitantes temas jurídicos, muito desenvolvidos por juristas italianos e franceses, reproduzido em Portugal, vários países europeus e também americanos, está-se a referir sobre as teorias do institucionalismo, do pluralismo de ordenamentos, da lex sportiva de relação estreita com a lex mercatoria, do desafio da regulática (a internormatividade) do lusitano José Joaquim Gomes Canotilho, até chegar na simbiótica jurídica, atualmente estudada por inúmeros cientistas da Filosofia do Direito pelo mundo.

Esta coluna não detém o intento de explicar, tampouco debater as teorias jurídicas descritas acima, tendo em vista que o propósito aqui é outro, qual seja, a informação jurídica com simplicidade e síntese. Menciona-se os títulos da matéria de Direito acima, em início, para o leitor observar que o tema não é, não pode ser reduzido à simplicidade, algumas escritas em seguida apenas reportarão ideias para a expressão de opinião acerca do caso, ainda em tramitação, passível de revisão pelo Excelso Supremo Tribunal Federal (STF).

Em uma ideia simplista, o que as teorias acima revelam são: a existência da produção de direito fora de entidades estatais; a possibilidade de ordenamentos jurídicos que não os provenientes dos Estados; a coexistência de ordens jurídicas que não se reconhecem formalmente, porém se toleram e até se influenciam na evolução de suas normas. No Brasil, um exemplo dessa confluência é a constitucionalização da Autonomia e Justiça Desportivas, previstas no art. 217 da CF/88, bem como a integração da ética desportiva como instituto no ordenamento jurídico brasileiro (arts. 35, III, da Lei n. 9.615/98-Lei Pelé; arts. 74, III, 187 e 188, da Lei n. 14.597/23-Lei Geral do Esporte-LGE). Por outra dimensão, a entidade máxima do futebol (Fédération Internationale de Football Association-FIFA) passou a adotar normas de corporate governance, como o compliance em sua organização.

O movimento associativo do futebol constitui a sua própria ordenação jurídica com suas normas, leis do jogo (lex futebolistica/lex sportiva). O estatuto da FIFA, equivalente à constituição da ordem normativa do futebol, preconiza em seus arts. 14 e 19 que nenhuma entidade terceira, não pertencente ao seu sistema de normas, pode intervir em sua estrutura de organização e funcionamento de maneira indevida, sob pena de punição da instituição desportiva filiada que sofreu a intervenção, seja por culpa desta ou não.

A prescrição no art. 19 do estatuto da FIFA do termo “intervenção indenvida” significa uma evolução normativa do sistema futebolista, que acolhe cada vez mais a penetração da esfera jurídica estatal, portanto, a melhor hermenêutica de “terceiro indevidamente interventor” é aquela que age de forma injustificada, antidemocrática, com excesso de competência ou na base da força violenta ao arrepio das normas do movimento associativo do futebol. Um exemplo de interventor indevido é o caso recente do Paquistão, em que um dos grupos disputantes da gestão federativa do país, invade a estrutura federativa na base da força violenta para tomar a sua gestão.

Ante essas exposições primárias, não se entende que haja uma intervenção indevida do Poder Judiciário brasileiro no afastamento liminar do presidente da CBF. Ao contrário, a medida mais democrática foi tomada a partir de supostas comprovações de antijuridicidade. Ademais, o manifesto assinado por dezenove (19) federações estaduais de futebol, afiliadas à CBF, só demonstra que os seus mecanimos de manutenção da democracia associativa não estão a funcionar a respeito, pelo menos no momento.

Nesse plano, seria uma estapafúrdia incoerência, a FIFA que hoje acentua o fair play, a corporate governance e o compliance em sua estrutura normativa, simplesmente aferir e apenar a CBF com suspensão, evitando que a seleção brasileira participe de uma Copa do Mundo porque entende uma decisão da Justiça Comum do Brasil uma intervenção indevida (injustificada, antidemocrática). O Judiciário não atua de ofício (princípio da inércia de jurisdição), este foi provocado a atuar sobre um conflito não democraticamente e eticamente solucionado pelos próprios organismos do sistema federado do futebol.

A vacância do cargo de presidente por decisão judicial proporciona a atuação da vice-presidência, natural pelo estatuto. Mesmo que o Poder Judiciário tivesse designado um interventor, ainda que fora das normas do movimento associativo do futebol seria válido, pois recorde-se que o ordenamento jurídico brasileiro recepeciona a autonomia desportiva (art. 217, I, da CF/88), desde que outras bases de princípios do Estado Democrático de Direito não sejam violadas, nenhuma norma constitucional pode ser absoluta.

Enfim, respeitado o próprio sistema jurídico brasileiro pelo Poder Judiciário, não há o menor cabimento de ameaça ou efetiva punição da FIFA à CBF que reflexivamente impeça a selação brasileira de futebol atuar na próxima Copa do Mundo. Diversamente, procede-se a um ajuste sistemático estrutural que tarda e pelo qual deve passar o futebol federado do Brasil.

Crédito imagem: CBF/Divulgação

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