As infrações em espécie no CBJD (parte final – VI.2): das infrações contra a ética esportiva

Finalmente, é chegada a hora de encerrarmos a série de colunas tratando das infrações em espécie na Justiça Desportiva. Nesta oitava e última resenha, teremos o desfecho da segunda parte do capítulo relativo às infrações contra a ética esportiva, desta vez tratando das principais infrações previstas entre os arts. 241 e 243-G do CBJD.

Nesta parte, o capítulo apresenta como objeto central a desafiadora e delicada questão envolvendo a manipulação de resultados, a qual vem despertando a atenção e preocupação do movimento privado do esporte, especialmente porque compromete o mérito esportivo, a imagem das competições e o postulado da imprevisibilidade do resultado, ainda mais quando o tema é associado ao mercado das bets (apostas online). Recentemente, foram inúmeros os casos envolvendo relações escusas entre atletas e apostadores, muito deles renomados, no Brasil e no exterior, os quais ensejaram punições severas. As considerações aqui expostas focam na responsabilização esportiva. Naturalmente, muitas das condutas constituem crimes e terão consequências também na espera penal.

O art. 241 trata de dar ou prometer vantagem para que a equipe de arbitragem influencie o resultado de partida. É preciso que o agente seja jurisdicionado da Justiça Desportiva para ser objeto de denúncia. Pela gravidade da conduta, além de multa, a pena é de imediato banimento. Nas mesmas penas incorrem o intermediário e os membros da equipe de arbitragem que aceitarem a vantagem oferecida. Na sequência, o art. 242 envolve infração correlata e também pune com multa e eliminação aquele que der ou prometer vantagem indevida a membro de entidade desportiva (clubes ou federações), dirigentes, técnicos, atletas, médicos ou membros de comissão técnica para que influenciem resultado de partida. Como exemplo, poderíamos citar o agente que oferece vantagem para o médico vetar um atleta importante, para o técnico deixar de escalá-lo ou para o atleta “entregar” um gol ao adversário ou levar um cartão de determinada cor.

O art. 243 prevê como infração disciplinar o ato de atuar, deliberadamente, de modo prejudicial à equipe que defende e representa perfeita ilustração daquilo que o esporte não pretende ser ou cultuar. A pena é de multa e suspensão. Caso a infração tenha sido cometida por conta de pagamento ou promessa de vantagem, o período de suspensão é aumentado e, em hipótese de reincidência, haverá o banimento. O autor da promessa também sofrerá pena de eliminação, mas tal punição não se aplica ao apostador, por exemplo, pois este é não é jurisdicionado da Justiça Desportiva.

A FIFA vem paulatinamente ampliando o cerco ao match fixing. No sentido de dar maior efetividade às sanções, passa a prever, no art. 70 do seu Código Disciplinar que, após aplicada a punição pelo tribunal desportivo local, a entidade nacional de administração do desporto (no nosso caso, a CBF) pode acionar a FIFA para estender a punição a nível mundial, já que, a princípio, a pena aplicada só teria eficácia territorial no Brasil. Tudo para evitar que os atletas punidos busquem transferências internacionais como forma de escapar da aplicação concreta da sanção.

O art. 243-A fecha as previsões sobre o tema punindo com multa e suspensão aquele que atuar, de forma contrária à ética desportiva, com o intuito de influenciar o resultado de partida. Em caso de reincidência, o infrator será banido. Caso após a prática da conduta o resultado pretendido seja alcançado, a partida poderá ser anulada e a pena de suspensão ampliada. Um gandula, por exemplo, representando o time da casa, que some com as bolas nos minutos finais como forma de time wasting para preservar a vitória parcial de sua equipe, poderia ser denunciado com base neste tipo infracional.

No art. 243-D, o CBJD avança para prever como infração o ato de incitar publicamente o ódio ou a violência. O sujeito ativo fica sujeito à multa e suspensão. Caso a incitação seja praticada pela imprensa, por meios eletrônicos ou dentro de campo, por conta do potencial para atingir mais pessoas, o valor da multa é elevado. O referido tipo infracional reflete a crescente cautela com a provocação a multidões, o que pode resultar em consequências muitas vezes impensáveis. Imaginem um atleta numa competição de mata-mata, em jogo nervoso, pegado, disputado, que pega o microfone ao final do jogo ou se utiliza de suas redes sociais para conclamar sua torcida para transformar o jogo de volta em verdadeiro “inferno”. Muitos alegam, sem razão, que dispositivos nesses moldes tornam o esporte atual mais chato e monótono. Aqui, é preciso, mais uma vez, separar os legítimos mind games ou trash talks que fazem parte do entretenimento, dos atos irresponsáveis. Apenas estes últimos são punidos, embora seja forçoso reconhecer que a fronteira entre eles é tênue.

O art. 243-F pune aquele que ofender alguém em sua honra, desde que por fato relacionado diretamente ao desporto. Trata-se de infração equivalente ao crime de injúria. Mais uma vez a pena é de multa e suspensão. O mais comum é que a referida infração seja cometida em face dos membros da equipe de arbitragem, o que ocorre quando as palavras proferidas ultrapassam as reclamações tradicionais contra suas decisões (nos esportes de contato as polêmicas são maiores) e passam a ofender a pessoa, tal como chamar o juiz de “ladrão”, por exemplo. Tanto que o CBJD prevê a ampliação do tempo mínimo de suspensão nesta hipótese. Busca-se, dentro do possível, preservar um clima minimamente respeitoso entre aqueles que fazem parte, de alguma forma, do evento esportivo.

Por derradeiro, o 243-G trata de assunto delicado e relevantíssima ressonância e repercussão atual. A partir da tipificação, torna-se punível o ato de praticar ato discriminatório relacionado a preconceitos diversos, tais como em virtude de raça, origem étnica, sexo, cor, idade, condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência.

Temos presenciado sucessivos, insistentes e infelizes eventos recentes, notadamente de racismo e de homofobia, a partir dos quais os clubes vêm sendo denunciados por conta de atos preconceituosos de suas torcidas, tanto em competições nacionais quanto internacionais, especialmente sul-americanas. Atletas, dirigentes e membros de comissão técnica não raro também são objeto de denúncia.  Neste ponto, fica concretizada, mais uma vez, a previsão do Códigos Disciplinares da FIFA e da CONMEBOL e do RGC da CBF (art. 79), no sentido de que os clubes são objetivamente responsáveis (independentemente de culpa) por condutas impróprias do seu respectivo grupo de torcedores.

Os clubes, mais recentemente, têm investido na prevenção e em campanhas educativas que são projetadas nos telões durante as partidas. A FIFA também institucionalizou, em 2024, um protocolo antirracista que permite denúncia durante a própria partida, a paralisação temporária da disputa pela arbitragem e até a imposição de derrota por W.O. do clube responsável em caso de persistência dos atos.

Caso a infração seja praticada por pessoa natural jurisdicionada do CBJD, a pena é de multa e de suspensão por partidas ou tempo determinado. Na hipótese de ser perpetrada por um número elevado de pessoas vinculadas a determinado clube, este pode ser punido com a perda do número de pontos correspondentes a uma vitória no regulamento, independente do resultado da partida. Em caso de reincidência, perde-se o dobro do número de pontos. Para competições eliminatórias, haverá exclusão do campeonato. A pena de multa também pode ser aplicada ao clube cuja torcida praticar atos discriminatórios, e os torcedores porventura identificados ficarão proibidos de frequentar a praça esportiva por, no mínimo, 720 dias.

Por fim, o CBJD prevê que, quando o ocorrido ou a infração for considerada de elevada gravidade, poderá ser aplicada pena de perda de pontos, perda de mando de campo ou exclusão de competição. O reformado art. 135 do RGC da CBF sedimentou o caminho para a aplicação de sanções desportivas aos clubes, deixando consignado que “considera-se de extrema gravidade a infração de cunho discriminatório(…)”, mas os tribunais desportivos ainda têm se mostrando reticentes em aprofundar tais punições em preservação ao princípio da pró-competição.

Linha de chegada! Fechamos a longa sequência de oito colunas tratando das principais infrações disciplinares em espécie previstas no CBJD e objeto de julgamento perante a Justiça Desportiva. Esperamos ter oferecido uma bússola rápida e objetiva para aqueles que militam ou simplesmente são curiosos em relação às condutas puníveis no âmbito do esporte.

Na próxima semana, retomaremos o perfil tradicional da coluna tratando de atualidades do direito desportivo. Continuem acompanhando.

Crédito imagem: Getty Images

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