As infrações em espécie no CBJD (parte II): das infrações relativas à arbitragem

Na coluna da última semana, a partir do enfrentamento de algumas premissas e considerações introdutórias, demos o pontapé inicial a uma série de reflexões envolvendo a previsão das infrações disciplinares em espécie no Código Brasileiro de Justiça Desportiva (CBJD). Nesta oportunidade, aproveitando a tumultuada segunda rodada do Campeonato Brasileiro, que já começou cercada de polêmicas envolvendo o apito, trataremos das principais infrações relativas à arbitragem.

Os árbitros são jurisdicionados da justiça desportiva, nos termos art. 1º, §1º do CBJD. Isto quer dizer que os integrantes da equipe de arbitragem como um todo, embora alguns tipos infracionais sejam dirigidos exclusivamente ao árbitro central, podem ser denunciados pelas procuradorias e responder a processos disciplinares perante a justiça desportiva. Daí que as infrações relativas à arbitragem ganham um capítulo específico no CBJD (arts. 259 e seguintes), o qual visa a proteger, a partir de suas previsões, a lisura do certame, preservando suas regras e punindo quem deveria aplicá-las. Vale notar que, não em todas, mas em muitas das infrações, a sanção disciplinar inicialmente cominada poderá ser substituída pelo julgador por advertência caso a infração seja considerada como de pequena gravidade.

Comecemos, então, pelo art.  art. 259, o qual trata de “deixar de observar as regras da modalidade”. Não é preciso maior esforço argumentativo para ratificar o fato de que a principal atribuição dos árbitros é a de garantir a plena incidência e aplicação das regras do jogo. Em caso de falha nesse sentido, é natural que haja a tipificação da respectiva conduta comissiva ou omissiva. O sujeito ativo da infração é o árbitro central ou os demais membros da equipe de arbitragem, que são aqueles que devem zelar pela observância, incidência e plena aplicação das regras, ficando sujeitos à pena de suspensão por tempo determinado e multa.            

Obviamente que “deixar de observar as regras” resultará em um erro de arbitragem, mas não é qualquer erro que pode ser enquadrado neste tipo. No mais, eventual manipulação de resultado ensejará denúncia com base em outra infração, conforme veremos nas próximas colunas. Cumpre aqui, então, reprisar a velha distinção entre o erro de fato e o erro de direito. O erro de fato é o clássico equívoco interpretativo: o árbitro interpreta de modo equivocado um lance ou evento (falta, pênalti, mão intencional ou acidental, jogada violenta, etc.) e, por conta disso, acaba aplicando de modo equivocado ou deixando de observar as regras do jogo, mas estas não são ignoradas. Trata-se do erro humano, que faz parte da dinâmica do esporte e do ambiente cercado de pressões e que pode ser minimizado pelo uso do VAR, por investimento em treinamento dos árbitros, tecnologia, etc., mas que não pode resultar em intervenção dos tribunais desportivos. O princípio da pró-competição protege o resultado validamente protegido dentro de campo e não permite que a Justiça Desportiva apite novamente as partidas, especialmente diante de lances interpretativos em esportes de contato, onde a subjetividade na aplicação das regras é maior.

A incidência do art. 259 fica, então, adstrita ao chamado erro de direito, o qual diz respeito às situações mais graves nas quais o árbitro ignora ou demonstra desconhecimento da regra como, por exemplo, quando permite a uma equipe de futebol atuar com 12 jogadores, admite substituições ou cobranças de pênaltis em número superior ao permitido ou realiza a revisão de um lance após o jogo já ter sido reiniciado, ofendendo o protocolo do VAR. Nestes casos, inclusive, além da sanção individual ao árbitro, o parágrafo único do mesmo artigo permite uma eventual anulação de partida caso o erro de direito (e apenas ele!) tenha sido relevante o suficiente para alterar o seu resultado.

Mais adiante, o art. 260 trata da omissão no dever de prevenir ou coibir a violência ou a animosidade entre os atletas no curso da competição, também sujeitando o árbitro à pena de suspensão por tempo determinado e multa. Como base no referido dispositivo, fica claro que o árbitro deve atuar ativamente na manutenção da disciplina e da ordem durante as disputas, zelando pela incolumidade física dos atletas, não podendo se omitir nesse sentido, deixando o “pau quebrar” livremente para somente depois punir os infratores, como se lavando as mãos. É exatamente nesse sentido que é comum aos árbitros a conduta de separar brigas, se colocar fisicamente entre os atletas mais exaltados exatamente para evitar que um pequeno desentendimento se transforme em verdadeira rixa coletiva.

O art. 261-A, por sua vez, é um tipo aberto e que, naturalmente, não engloba as condutas abarcadas nos artigos anteriores do CBJD por conta da especialidade. Fica sujeito à suspensão por tempo determinado e multa o membro da equipe de arbitragem que deixar de cumprir as obrigações relativas à sua função. Aqui a norma zela pelo cumprimento dos deveres da arbitragem, sendo que o §1º traz um elenco exemplificativo de condutas que podem ser enquadradas neste tipo infracional, tais como, não se apresentar uniformizado ou comparecer sem o material necessário para atuação (como por exemplo, os apetrechos tecnológicos que são fornecidos pelas Federações), não se apresentar no local do evento e/ou com a antecedência mínima necessária, permitir o início de partida ou deixar de paralisá-la quando houver pessoas não permitidas no local da disputa, deixar de entregar a súmula após a partida ou deixar de conferir os documentos de identificação das pessoas constantes da súmula.

Passemos ao art. 266, que trata de deveres relativos à súmula das partidas, punindo o árbitro que deixar de relatar ou deturpar as ocorrências disciplinares de modo a dificultar a punição e a identificação dos infratores. Trata-se, naturalmente, de infração que visa a tutelar a disciplina esportiva, cujo sujeito ativo é exclusivamente o árbitro central, que fica sujeito à suspensão por tempo determinado e multa. Como os relatos constantes da súmula gozam de presunção relativa de veracidade e servirão de base para eventuais denúncias por parte da procuradoria, é fundamental que haja descrição minuciosa dos eventos disciplinares (e de todos eles!) ocorridos nas partidas, seja para efeito de precisa identificação e punição dos infratores seja para fins do devido enquadramento legal de suas condutas. Por exemplo, faz total diferença deixar claro na descrição se um jogador que atinge o outro o fez no contexto da disputa de bola ou fora do lance, o que pode fazer conduta transitar entre as infrações de ato desleal/hostil ou jogada violenta, as quais possuem repercussões e penas diversas.

O art. 267 trata da infração omissiva do árbitro central no sentido de deixar de solicitar às autoridades competentes as providências necessárias para garantir a segurança dos atletas e suas auxiliares ou deixar de interromper a partida quando, de modo superveniente, faltar tais garantias. É fundamental que o árbitro vistorie as dependências da partida previamente à disputa e reporte às autoridades de segurança quaisquer inconsistências que possam demandar um reforço de policiamento, por exemplo, e que, em caso de ocorrências anormais durante os jogos (excesso de arremesso de objetos, clima hostil, etc.) atue preventivamente e paralise os jogos quando faltar garantias mínimas para prosseguir.

No art. 269, o CBJD também prevê que o árbitro central também ficará sujeito à pena de suspensão e multa em caso de recusa injustificada a iniciar a partida ou abandono antes do seu término. Aqui são tuteladas a continuidade e a permanência das competições, as quais são fundamentais pela dinâmica esportiva propriamente dita, mas também por conta dos demais interesses envolvidos nas disputas, como de patrocinadores e detentores de direitos televisivos. Isto que não quer dizer o árbitro não possa se recusar a, eventualmente, dar a início a uma partida, mas é imperioso que haja um justo impedimento devidamente configurado para tal, como um evento climático extremo ou um incidente de segurança, por exemplo.

Enfim, chegamos ao art. 273, que trata a punição ao árbitro em caso de excesso ou abuso de autoridade. Mais uma previsão aberta. É sabido que o árbitro é a autoridade máxima no recinto esportivo e que, nesta qualidade, exerce poder decisório e punitivo e suas decisões são irrecorríveis. Sua “caneta” é pesada. Assim sendo, o exercício de tais prerrogativas deve se dar com a devida moderação, posto que nenhum poder é ilimitado. Um árbitro que não permite nenhum tipo de diálogo respeitoso com os capitães das equipes, por exemplo, incorre claramente em abuso de autoridade.

Vale frisar, por derradeiro, que, em relação a todas as infrações relativas à arbitragem, as sanções disciplinares que determinam a suspensão dos membros da equipe de arbitragem são impostas pelos órgãos judicantes da justiça desportiva após denúncia das procuradorias no bojo de processo disciplinares com total respeito às garantias fundamentais do processo, especialmente o contraditório e a ampla defesa. Deste modo, não se confundem com os afastamentos ou ganchos que muitas vezes são impostos administrativamente aos árbitros pelas comissões de arbitragem vinculadas às federações, os quais possuem uma lógica própria e diferenciada.

Seguiremos tratando das demais infrações em espécie nas próximas colunas. Na próxima semana, abordaremos aquelas relativas à administração desportiva, às competições e à justiça desportiva.

Encontro marcado!

Crédito imagem: Banco de Imagens

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