As infrações em espécie no CBJD (parte III): das infrações relativas à disputa das partidas e equivalentes

Chegamos à terceira da série de colunas tratando as infrações em espécie na Justiça Desportiva, quais sejam, aquelas reguladas no Código Brasileiro de Justiça Desportiva (CBJD). Nesse momento, nos ocuparemos das principais infrações previstas no capítulo abraçado entre os arts. 250 e 258 daquele diploma. Trata-se de capítulo que protege os valores da disciplina e da moral esportiva, a emoção do jogo sob o prisma do torcedor-apreciador e a integridade física das pessoas e da própria competição. Vamos a eles.

O art. 250 trata de praticar ato desleal ou hostil durante a partida, que seria algo equivalente a uma “traição”, algo que fere a confiança e sujeita o infrator à pena de suspensão. É sabido que, em certos esportes, como o futebol, o contato físico e “jogar duro” é permitido, mas tudo deve acontecer dentro de limites e no contexto das jogadas. O ato hostil ou desleal seria consubstanciado, por exemplo, em puxar o adversário pelo cabelo, pelo calção ou pela gola da camisa, empurrá-lo para fora de campo contra as placas de publicidade fora do lance ou impedir grosseiramente uma chance de gol. Tudo isto equivale a uma traição no sentido que o adversário não pôde previamente se preparar para a disputa ou posicionar adequadamente o corpo antevendo que seu adversário iria “apelar” para um atalho totalmente alheio à disputa, o que é diferente de quando há um corpo a corpo legítimo, uma disputa por espaço no ombro a ombro ou um simples carrinho na disputa de bola. Como aqui temos um tipo infracional aberto, o parágrafo primeiro, a título exemplificativo, enumera situações que podem ser consideradas (sem prejuízo de outras) como ato desleal ou hostil, coincidindo com algumas das situações acima sugeridas.

O art. 254, a seu turno, trata de praticar jogada violenta, sujeitando o infrator a suspensão de 1 a 6 partidas. Neste caso, o sujeito ativo da infração fica restrito aos jogadores em disputa, posto que os demais jurisdicionados do CBJD podem até praticar agressão física, mas nunca “jogada” violenta. O Código também enumera alguns exemplos de jogada violenta, que seria aquela que ultrapassa os limites de força impostos nas regras técnicas de cada modalidade e, vale frisar, independem de dolo para sua consumação. Um carrinho com força desproporcional, muitas vezes imprudente que, em campo molhado, coloca em e aumenta o risco de lesão no adversário, pode ser um exemplo bem ilustrativo da referida infração.

Como é preciso que a conduta seja praticada na disputa, tal infração inexiste nos esportes sem contato, como no voleibol ou no tênis, por exemplo. Caso o adversário fique impossibilitado de atuar por conta da jogada violenta, o punido também ficará suspenso até que aquele esteja apto a retornar aos treinamentos (não é preciso que volte a jogar, efetivamente), respeitado o prazo máximo de 180 dias. O clube fica responsável por informar ao tribunal a data de retorno do atleta agredido aos treinos.

Em seguida, o art. 254-A prevê uma infração que, em uma primeira mirada, poderia ser confundida com a anterior. Trata-se de praticar agressão física durante a partida, que seria aquela que ocorre fora da disputa ou da jogada, normalmente associada a uma “agressão gratuita”, como desferir cabeçadas, cotoveladas, socos e pontapés no adversário, nos próprios colegas de equipe ou nos membros da equipe de arbitragem ou de comissões técnicas.

 Para sua configuração é necessário o dolo, seja na modalidade direta ou eventual (quando se assume o risco de lesionar alguém gravemente). E, como ocorre fora da disputa, pode ser praticada não só por atletas, mas também pelos demais jurisdicionados, como membros de comissão técnica, dirigentes, árbitros, médicos, gandulas, etc. Como circunstâncias agravantes a justificar eventual majoração da pena de suspensão, o Código prevê a lesão corporal grave (atestada por laudo médico) como resultado da ação e a agressão cometida contra a equipe de arbitragem, que é a autoridade máxima no recinto esportivo. No mais, assim como na infração anterior, caso o adversário fique impossibilitado de atuar por conta da jogada violenta, o punido também ficará suspenso até que aquele esteja apto a retornar aos treinamentos, respeitado o prazo máximo de 180 dias, sendo que o clube fica responsável por informar ao tribunal a data de retorno do atleta agredido aos treinos.

Em seguida, o art. 258-B tipifica o ato de cuspir em outrem. Trata-se de ato repugnante, humilhante, absolutamente fora do contexto de qualquer disputa e que também poderia ser enquadrado como ato desleal ou hostil (art. 250), no sentido de traição, ou como ato contrário à ética ou à disciplina esportiva (art. 258) não houvesse esta previsão específica no CBJD. A referida conduta, consubstanciada em lançar secreção salivar em outra pessoa, exige dolo para a configuração da infração, o que seria diferente, por exemplo, de quando o atleta cospe no gramado (é comum os atletas cuspirem como mecanismo de defesa do corpo para aumentar a produção de saliva e combater a secura na boca durante atividades físicas intensas) e acidentalmente acerta alguém.

O art. 257 trata de participar de rixa, conflito ou tumulto durante a disputa, o que, infelizmente, é relativamente comum no ambiente esportivo tão apaixonado e competitivo. Aqui o CBJD pretende tutelar a paz e a ordem desportiva, evitando desordens e pancadarias generalizadas. Requer a participação ativa do agente, o que não pode ser confundido com a situação na qual o sujeito adentra no tumulto na tentativa de separar os brigões e/ou apaziguar os ânimos. A pena é de suspensão do infrator. O clube fica sujeito à multa caso não seja possível identificar todos os contentores.

O art. 258 é representa o tipo infracional mais aberto do CBJD, o que deveria ser evitado porque pode representar fonte de insegurança jurídica. Mas é compreensível a sua existência pelo fato de o Código não ser onipresente, fazendo com que eventualmente alguma conduta escape dos tipos infracionais clássicos. Este será o espaço de aplicação do referido dispositivo, que trata de do ato de praticar ou assumir qualquer conduta contrária à ética ou à disciplina esportiva não tipificada no CBJD. Aqui, pune-se o ato de indisciplina e as atitudes antiéticas que ferem o espírito cooperativo (embora competitivo) que deve permear o ambiente esportivo, como o gandula que deixa de fazer a reposição de bola para beneficiar sua equipe, o jogador que empurra os profissionais de imprensa à beira do campo ou desrespeita e reclama acintosamente das decisões da equipe de arbitragem.

O art. 258-A pune o ato de provocar o público durante as partidas. Em relação à referida infração, é notório que toda vez que ocorre uma denúncia com base no referido artigo, surgem afirmações no sentido que o “futebol ficou chato” e que “a provocação está na base no jogo”, etc. São ilações compreensíveis sob o ponto de vista do apreciador do esporte, mas a recente menor tolerância em relação a determinados comportamentos ocorre como medida preventiva precisamente para evitar incitações ou instigações que podem gerar reações violentas e incontroláveis das multidões. Vale a velha máxima de que é melhor prevenir do que remediar.

O esporte mudou ao longo dos anos. O público fica muito mais perto do gramado nas novas arenas (não há mais o velho fosso que separava o campo das arquibancadas) e é preciso compreender que “não se brinca” com multidão. Uma provocação mal compreendida pode resultar, por exemplo, em invasão de campo generalizada e redundar em uma batalha campal num ambiente tão já exaltado e emotivo. Daí que determinadas condutas passam a ser puníveis, como apontar o dedo médio para a torcida, imitar símbolos ou mascotes do adversário ou chutar a bandeirinha de escanteio que contenha a flâmula do adversário. De qualquer sorte, vale o bom senso dos operadores da justiça desportiva, que devem se eximir de denunciar e/ou punir certos comportamentos que fazem parte dos mind games do esporte, desde que praticados com respeito e moderação, como o atleta que ao fazer o gol faz um gesto de silêncio para a torcida adversária, mas junto a seus companheiros e sem se aproximar demasiadamente das arquibancadas. Vale frisar, ainda, que a infração de provocar o público não se confunde com aquela prevista no art. 243-D, qual seja, a de incitar publicamente o ódio ou a violência, embora guardem certa afinidade. Esta última é muito mais grave.

Visando a proteger a ordem, evitar interferência externa e a resguardar a privacidade dos árbitros e seus auxiliares, preservando sua autoridade e liberdade, o art. 258-B prevê como infração o ato de invadir o local destinado à equipe de arbitragem durante as partidas, inclusive ao longo do intervalo regulamentar, quando aplicável. É mais que sabido que árbitros acuados, direta ou indiretamente, não tomam suas decisões com a necessária independência, pois ficam receosos de sofrer represálias. Garantir a inviolabilidade da sala destinada aos árbitros é o primeiro passo, sendo que a referida infração normalmente é fruto de complacência das autoridades de segurança. Tem sido comum a conduta dos árbitros, já em caráter preventivo, de tomar posse das chaves do local e só devolver ao final das partidas. Em caso de invasão do referido espaço, é fundamental que o árbitro central relate o ocorrido na súmula da partida para que a Procuradoria, devida informada, possa apurar os fatos e formular a denúncia, conforme o caso.

Por derradeiro, o art. 258-C pune os técnicos com suspensão de 1 a 3 partidas caso desrespeitem o local permitido para passar instruções aos atletas durante as partidas. Inicialmente, quando tais espaços foram delimitados, os técnicos deveriam dar as instruções pertinentes e imediatamente retornar ao banco de reservas. Atualmente, para possibilitar uma melhor visão do jogo, há maior tolerância e os treinadores podem permanecer naquele retângulo delineado junto ao banco de reservas durante as partidas, desde que respeitem aquele espaço. Isto previne invasão de campo pelos técnicos e evita que os mesmos fiquem transitando livremente pela lateral do campo causando tumulto ou pressionando os assistentes e o quarto árbitro.

Seguiremos na mesma toada tratando das demais infrações em espécie nas próximas semanas, agora avançando rumo a um novo capítulo protegendo outros valores.

Nos siga nas redes sociais: @leiemcampo

Compartilhe

Você pode gostar

Assine nossa newsletter

Toda sexta você receberá no seu e-mail os destaques da semana e as novidades do mundo do direito esportivo.