As infrações em espécie no CBJD (parte V.1): das infrações relativas à administração desportiva, às competições e à Justiça Desportiva

Chegamos à quinta da série de colunas tratando das infrações em espécie na Justiça Desportiva, quais sejam, aquelas reguladas no Código Brasileiro de Justiça Desportiva (CBJD). Agora, nosso foco ficará centrado no capítulo compreendido entre os arts. 191 e 219 daquele diploma, o qual abraça um amplo escopo de proteção, de modo que vários valores são tutelados ou protegidos conforme cada infração é tipificada. Dado o elevado número de infrações disciplinares ali previstas, optamos por segmentar o seu enfrentamento em duas colunas. Neste momento, comentaremos as principais infrações reguladas no referido capítulo até o art. 206.

O art. 191 prevê como infração disciplinar o fato de deixar de cumprir ou dificultar o cumprimento de obrigação legal, exigência ou determinação do CNE ou de  federação a que estiver vinculado ou de regulamento de competição. O dispositivo visa a proteger o sistema normativo desportivo como um todo, já que nem todas as questões relativas ao desporto são reguladas no CBJD. Daí a subsistência da Lei Geral do Esporte, dos dispositivos da Lei Pelé ainda em vigor e dos regulamentos gerais de competição editados pelas entidades de administração do desporte. Como exemplos, pode-se mencionar o fato de o clube mandante deixar de manter médicos junto ao banco de reservas ou ambulâncias no entorno do campo, não tomar providências para evitar a utilização de sinalizadores por parte das torcidas, não manter um corpo de gandulas ou não respeitar a antecedência mínima exigida para a venda de ingressos. A pena é de multa e de fixação de prazo para cumprimento da obrigação, sendo que, caso o infrator seja pessoa jurídica, as pessoas naturais responsáveis ficam sujeitas à suspensão automática enquanto subsistir o descumprimento, como seria o caso do presidente de um clube, a título ilustrativo.

O art. 201 tem com sujeito ativo o clube mandante, que dentre suas responsabilidades, deve franquear um espaço na praça de desporto ou no estádio, normalmente alguns assentos na tribuna de honra, para abrigar os procuradores e auditores da justiça desportiva sempre que estes entenderem necessária sua presença no local de competição, nos termos do art. 20. O tipo infracional do art. 201 é omissivo, dirigido ao clube mandate que deixar de disponibilizar o referido acesso. A nosso ver, a previsão é especialmente relevante para o caso das modalidades esportivas de menor expressão que não contam com tribunais fixos. Em muitas situações, as federações compõem tribunais ad hoc de forma esporádica, sendo que os auditores e procuradores comparecem presencialmente ao local de competição e ficam de plantão para que, em caso de eventos disciplinares, façam os julgamentos de imediato. Nestas hipóteses, naturalmente, admitir o acesso dos profissionais da justiça desportiva é de absoluta importância.

Vale ressaltar que a prerrogativa de acesso não se aplica ao local da disputa propriamente dito, como o gramado ou a quadra. Além do mais, o clube mandante só fica impelido a abrigar os auditores e procuradores daquela modalidade esportiva em específico, dado que, com exceção do doping, os tribunais desportivos não são multiesportivos.  A pena é de multa e ainda existe a possibilidade extrema de ser determinada a interdição do local do evento enquanto perdurar o descumprimento.

O art. 203, a seu turno, condena a prática do famoso W.O., o qual diz respeito à situação na qual o clube deixa de comparecer à competição sem justo motivo, se abstendo de disputar determinada partida ou dando causa à sua não realização ou à sua suspensão, o que sujeitará o clube infrator, a princípio, à pena de multa e à perda dos pontos em disputa em desfavor do adversário. O escopo da previsão da infração é evitar uma eventual postura comodista dos clubes, no sentido de deixar de disputar partidas quando imaginar o que jogo é “perdido” diante de uma equipe muito mais forte ou quando em um determinado estágio da competição, seus objetivos já tenham sido alcançados, o que pode acabar por prejudicar terceiros. Fica claro o propósito de proteger a lisura do certame e o respeito às normas regulamentares, de evitar prejuízos desportivos e de assegurar a proteção de interesses comerciais indiretos envolvidos nas competições.

O clube também fica sujeito às penas do referido dispositivo caso a suspensão da partida tenha sido causada por ato de sua torcida, corroborando a noção de que os clubes respondem objetivamente pelos atos de seus torcedores. Não obstante, caso haja prejuízos a terceiros, como em campeonatos por pontos corridos, nos quais uma equipe pode depender de resultados de outras para efeito de classificação ou rebaixamento, o clube responsabilizado pode ser excluído da competição, o que necessariamente ocorrerá em caso de reincidência (caso esta ocorra na mesma modalidade esportiva e em campeonato de igual categoria).

Em seguida, o CBJD prevê, no art. 204, uma conduta mais ampla que a anterior. Trata-se do abandono do campeonato (e não de uma partida) após o seu início, preservando-se os mesmos escopos do tipo anterior. Para fins de consumação, basta que uma partida deixe de ser disputada. A pena é de multa e o CBJD remete aos regulamentos de competições para efeito de previsão das demais consequências desportivas, o quais podem prever, por exemplo, o rebaixamento da equipe infratora, quando for o caso.

Em nome de preservar o fair play e a boa-fé entre os competidores, o art. 205 pune com multa e perda de pontos em desfavor do adversário o clube que impedir o prosseguimento de partida por conta de insuficiência numérica intencional de seus atletas ou por outro motivo (atos de torcedores, por exemplo). Note-se que o dolo é necessário para fins de consumação, o que dependerá de prova. A regra 3 do futebol prevê que cada equipe precisa ter, no mínimo, 7 jogadores em campo. Não raro ocorrem eventos nos quais uma equipe inicia um movimento de “cai cai” para tentar abreviar o jogo. No mais, valem as mesmas considerações formuladas sobre o art. 203 quanto à hipótese de ocorrer prejuízo a terceiros ou de reincidência.

Por derradeiro, o art. 206 pune, a princípio, com pena de multa, a equipe que der causa ao atraso de início de partida ou deixar de se apresentar em campo na hora marcada para sua realização. A pontualidade é questão que interfere na credibilidade, na seriedade e na imagem da competição, além de prejudicar, especialmente, as emissoras detentoras de direitos televisivos no gerenciamento de suas grades de programação. A infração se agrava quando jogos simultâneos são disputados nas últimas rodadas de competições por pontos corridos (é comum que algumas equipes atrasem suas partidas para conhecer previamente outros resultados), hipótese na qual ocorrerá a majoração da multa. A arbitragem, inclusive, em caráter preventivo, tem adotado a prática de dar início a todas as partidas de forma simultânea nas rodadas finais para evitar a prática de tais artifícios.  Caso o atraso ultrapasse o tempo máximo permitido em regulamento, o infrator poderá responder por W.O. (art. 203). Não se exige dolo para efeito de consumação da infração.

Na próxima semana, seguiremos tratando das demais infrações constantes do atual capítulo do CBJD. Até lá!

Crédito imagem: Getty Images

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