As infrações em espécie no CBJD (parte VI.1): das infrações contra a ética esportiva

Chegamos à sétima da série de colunas tratando das infrações em espécie na Justiça Desportiva, quais sejam, aquelas reguladas no Código Brasileiro de Justiça Desportiva (CBJD). Desta vez, enfrentaremos o capítulo relativo às infrações contra a ética esportiva, compreendido entre os arts. 234 e 243, o qual caminha ao lado do fair play e do espírito esportivo. Protege-se a noção do jogo limpo e a de que não se admite que a vitória seja buscada a todo custo, em prejuízo de valores que estão na essência e são tão caros ao esporte. Dividimos o estudo em duas colunas, assim como fizemos no capítulo anterior. Desta vez, trataremos das principais infrações previstas até o art. 240.

Os arts. 234, 235 e 236 poderiam ser unidos sob o manto das falsidades. Em geral, versam sobre a falsificação de documentos ou a utilização de provas falsas, o que fere a igualdade entre os competidores. Os referidos tipos infracionais exigem dolo. Vale frisar que as eventuais punições esportivas ocorrerão sem prejuízo de outras repercussões criminais, posto que as esferas de responsabilidade não se confundem. De qualquer sorte, o CBJD prevê que, após o trânsito em julgado da decisão que reconhecer a falsidade de documento (desde que público) na esfera desportiva, o Presidente do tribunal encaminhará as informações ao Ministério Público para efeito de apuração da responsabilidade criminal. Para todos estes dispositivos e, como de tradição por força de incidência dos direitos fundamentais, a aplicação da pena de banimento fica adstrita às hipóteses de reincidência.

O art. 234 trata de falsificar documento público ou particular (ou declaração que nele deveria constar) com fins de utilizá-lo perante as federações ou a justiça desportiva, ou de fazer uso do documento conhecendo previamente a falsidade. Para todos os efeitos, áudios, vídeos e fotos são equiparados a “documento”. A pena é de multa e de suspensão por tempo determinado (a depender daquele que praticar a infração, já que não apenas os atletas podem figurar como sujeitos ativos da infração). Com exemplos, poderiam ser citadas hipóteses de adulteração de prova de vídeo em julgamentos da justiça desportiva ou de adulteração de certidão de nascimento para fins de redução de idade de atletas no desiderato de obtenção de vantagens contratuais e enquadramento em categorias ou seleções de base, casos que popularmente ficaram conhecidos como “gatos”.

O art. 235 pune com multa e suspensão aquele que atestar ou certificar falsamente, em razão da função, fato ou circunstância que habilite o atleta a obter registro, inscrição, condição de jogo, transferência ou qualquer outra vantagem indevida. Trata-se do equivalente do crime de falsidade ideológica, assim como o tipo infracional anterior. Caso clássico seria o cometimento da infração pelo funcionário da federação que atua perante a respectiva divisão de registro.

O art. 236, com as mesmas penas da infração anterior, consiste na utilização da carteira de identidade de outrem como própria ou na cessão a outrem do documento para que utilize como próprio. Neste caso, temos o equivalente do crime do uso de documento falso.

Na sequência, os arts. 237, 238 e 239 preveem infrações que possuem o escopo de proteção da qualidade e da dignidade do desporto, punindo condutas indignificantes ou repugnantes, de modo que, em casos extremos, o praticante poderá ser subtraído do meio esportivo. Os sujeitos ativos da infração seriam os funcionários das entidades de administração do desporto ou da justiça desportiva.

O art. 237 trata do equivalente do crime de corrupção ativa (dar ou prometer vantagem indevida) e o art. 238 de infração correspondente ao crime de corrupção passiva (solicitar ou receber vantagem indevida) ou de concussão (caso a vantagem seja exigida), sendo que, conforme a hipótese, podem ser objeto de denúncia em concurso com a do art. 235, por exemplo. Em conjunto, os dispositivos punem os atos de dar, prometer, receber ou solicitar para si vantagem indevida a quem exerça função em entidade desportiva ou órgão da justiça desportiva, para efeito de praticar, omitir ou retardar ato de ofício ou para fazê-lo contra disposição de lei. O art. 239, por sua vez, prevê infração equivalente ao crime de prevaricação, consistente em deixar de praticar ato de ofício, por interesse pessoal ou para atingir terceiros, ou praticá-lo com abuso de poder ou excesso de autoridade. Vale ressaltar que a Lei Geral do Esporte criminalizou a corrupção privada no esporte, nos termos do art. 165. Os artigos 237, 238 e 239 do CBJD não preveem crimes (posto que aqui não temos a figura do funcionário público), mas infrações disciplinares assemelhadas a eles.

Por derradeiro, o art. 240 pune o aliciamento de atleta com multa e suspensão por até 180 dias. A figura do aliciamento diz respeito ao velho modus operandi, mas indesejado sob o ponto de vista das entidades de administração do desporto, consubstanciado na tentativa de clubes e/ou intermediários que fazem propostas diretamente a atletas com contratos em curso (sem a ciência do clube empregador) na tentativa de seduzi-los a adotar determinado comportamento, normalmente um rompimento contratual.

Em busca de conferir estabilidade contratual ao sistema associativo que comanda e de proteção à boa-fé, a FIFA exige que as negociações sejam feitas diretamente entre as agremiações, devendo o clube interessado externar suas intenções e pedir autorização para negociar com o atleta, exceto nos últimos 6 meses de contrato.  A mesma previsão consta no RNRTAF da CBF. Tudo para garantir transparência nas negociações e evitar que o clube interessado induza a uma quebra contratual. Em caso de denúncia, o Tribunal da FIFA pode impor multas e o transfer ban ao aliciador, na hipótese de transferência internacional. Caso o aliciamento envolva uma negociação nacional, aplica-se a presente previsão do CBJD.

Vale frisar que, com certa frequência, os representantes dos clubes entram em contato com intermediários dos atletas objeto de desejo com o intuito de fazer sondagens, consultar sobre o interesse em uma possível transferência ou sobre o valor da multa rescisória, para só depois se posicionar sobre a formulação de uma proposta concreta. A princípio, a nosso ver, tal conduta não caracteriza aliciamento, mas é forçoso reconhecer que há uma linha muito tênue entre a sondagem e a postura discreta de sedução ou de tentativa de “fazer a cabeça” do jogador. Tudo deverá ser analisado conforme as circunstâncias do ocorrido concretamente.

Na próxima semana, fecharemos a série de 8 colunas versando sobre as infrações disciplinares em espécie na Justiça Desportiva. Encontro marcado para repercutirmos a desafiadora questão da manipulação de resultados e dos atos relativos a preconceitos diversos. Até lá!

Crédito imagem: Depositphotos

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