Estou finalizando um livro sobre decisões que mudaram o esporte. Algumas impulsionadas por direitos humanos; outras, por proteção institucional. Em várias delas, a mão do Estado foi decisiva.
O Caso Fifagate talvez seja o mais emblemático – e é justamente sobre ele que dedico um capítulo. Nele, a ausência de mecanismos internos eficientes fez com que o Estado interviesse como um terremoto na maior organização esportiva do mundo, resultando em prisões, processos e uma reformulação radical na governança do futebol.
A alta cúpula do futebol mundial foi acusada de corrupção privada, a partir de uma investigação liderada pelo FBI e pelo Departamento de Justiça dos Estados Unidos.
O caso estourou no dia 27 de maio de 2015, com a prisão de dirigentes em Zurique, e rapidamente ganhou o nome de Fifagate. As denúncias revelaram um esquema sistêmico de corrupção envolvendo venda de direitos de transmissão, favorecimentos comerciais e pagamento de propina. A FIFA, então, precisou se reinventar.
O escândalo mostrou que o esporte, apesar de seu gigantismo e influência global, não estava protegido. Faltavam mecanismos internos capazes de identificar, analisar e punir maus gestores. Foi preciso derrubar o sistema — para então reconstruí-lo
O esporte não estava protegido de si mesmo.
Faltavam ferramentas para identificar, investigar e punir más gestões.
Pressionado por escândalos, opinião pública e patrocinadores, o futebol investiu em governança, transparência e direitos humanos. Código de Ética foi reformulado, comitês ganharam mais autonomia e o discurso institucional passou a incluir direitos humanos universais.
Os avanços existem, mas são lentos. E mesmo após dez anos, uma lição crucial ainda não foi totalmente absorvida: autonomia não se confunde com independência.
Autonomia sim, independência não
Entidades esportivas precisam ser autônomas. Essa liberdade é essencial para gerir calendários, regras esportivas e estruturas internas – garantindo que o esporte funcione de forma coerente em qualquer lugar do mundo.
Afinal. Ele é transnacional.
Mas autonomia não significa imunidade. Nenhuma federação, confederação ou clube está acima da lei. Quando há crimes, o Estado deve agir.
Por anos, parte do mundo esportivo viveu sob a ilusão de que a autorregulação bastava. Que os problemas poderiam ser resolvidos “em casa”. O Fifagate mostrou o preço dessa mentalidade: corrupção sistêmica, gestões temerárias e dirigentes banidos ou atrás das grades.
Novos tempos?
A boa notícia é que o esporte está reagindo.
Regras como o Fair Play Financeiro e o Licenciamento de Clubes trouxeram mais transparência. É preciso que o FPF chegue no futebol brasileiro.
No Brasil, a nova Lei Geral do Esporte (2023) tipificou a corrupção privada como crime, com penas de prisão.
A autorregulação evoluiu, mas só funciona quando integrada a um ecossistema maior – que inclui Ministério Público, Justiça e sociedade.
Uma década depois do Fifagate, a lição permanece: não há mais espaço para a cultura da impunidade. Nem dentro, nem fora de campo.
(O livro chega em breve.)
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