Crise política no Corinthians: clube pode ser punido por recorrentes decisões da Justiça Comum?

A crise política do Corinthians atingiu seu ápice no último sábado, 31 de maio. Torcedores invadiram a sala presidencial, no Parque São Jorge, após uma aliada do presidente afastado Augusto Melo ter dito que havia assumido o controle do Conselho Deliberativo e devolvido o cargo máximo ao dirigente.

Augusto Melo estava no local no momento da confusão e tentou reassumir a cadeira por meio de um ofício, mas o documento não foi reconhecido pelo presidente interino, Osmar Stabile. A Polícia Militar precisou ser acionada para controlar a situação.

Guerra de versões

Atualmente, duas pessoas reivindicam a presidência do Corinthians: Augusto Melo, eleito no fim de 2023 e afastado pelo Conselho Deliberativo há uma semana, e Osmar Stabile, primeiro vice-presidente, que assumiu como presidente interino no último dia 26, até a realização de uma assembleia de sócios para referendar ou não o impeachment de Augusto Melo.

Versão de Augusto Melo

Augusto Melo se considera presidente, pois se apoia em decisões administrativas e disciplinares internas do Conselho Deliberativo do Corinthians.

No último sábado, circulou nas redes sociais a informação de que Augusto Melo teria conseguido uma liminar na Justiça Comum para reassumir o cargo, mas isso não aconteceu.

Essas medidas internas começaram com o suposto afastamento de Romeu Tuma Júnior, então presidente do Conselho Deliberativo, determinado pela Comissão de Ética do clube em 9 de abril. No entanto, essa decisão só foi formalizada e registrada 51 dias depois.

Durante esse intervalo, Tuma continuou exercendo normalmente suas funções, sendo tratado como presidente por todos, inclusive por Augusto Melo e seus advogados. Nenhum questionamento formal foi feito quanto à sua legitimidade, nem em entrevistas, nem em processos internos, incluindo a votação que resultou no impeachment provisório do presidente afastado.

Foi apenas na última sexta-feira (30) que um ofício oficializando a decisão da Comissão de Ética foi protocolado na secretaria do Conselho. Com isso, a conselheira Maria Angela de Souza Ocampos se declarou presidente interina do Conselho Deliberativo.

Em seguida, Maria Angela anulou todos os atos assinados por Romeu Tuma desde 9 de abril, entre eles, a decisão que afastava Augusto Melo da presidência do clube. Essa decisão, tomada em plenário, teve 176 votos favoráveis e 57 contrários.

Versão de Osmar Stabile

Osmar Stabile também se declara presidente, pois não reconhece nem o afastamento de Romeu Tuma, nem a posse de Maria Angela no Conselho, tampouco a anulação da decisão que suspendeu Augusto Melo. Segundo o vice-presidente, o estatuto do Corinthians não permite que o presidente do Conselho Deliberativo seja afastado sem que isso seja aprovado em plenário. Ou seja, na visão dele, um simples ofício da Comissão de Ética não tem poder para efetivar esse tipo de punição.

Para Stabile, a Comissão de Ética só pode emitir pareceres. Para que qualquer punição seja válida, é necessário que o plenário do Conselho, composto por cerca de 300 conselheiros, delibere e aprove a decisão.

Esse também é o entendimento do próprio Romeu Tuma Júnior e de Armando Mendonça, vice-presidente do clube. Ambos se baseiam no artigo 89 do estatuto do Corinthians, que define as competências da Comissão de Ética e Disciplina.

De acordo com esse artigo, cabe à Comissão “conhecer, instruir e relatar” processos disciplinares contra membros do Conselho Deliberativo, do CORI, da diretoria e do Conselho Fiscal. O parágrafo segundo do artigo deixa claro: “O parecer final da Comissão Disciplinar será submetido à deliberação do Conselho Deliberativo”, ou seja, não tem poder executivo por si só.

Corinthians pode ser punido desportivamente por decisões da Justiça Comum?

Apesar das recorrentes decisões judiciais, especialistas ouvidos pelo Lei em Campo não creem em punição desportiva ao Corinthians em razão disso.

Carlos Ramalho, advogado desportivo, lembra que brigas políticas, acusações e guerras de liminares não é novidade no futebol brasileiro.

“Os estatutos das entidades esportivas trazem, de forma clara, que as controvérsias internas devem ser resolvidas por meio dos órgãos internos da entidade, afastando assim a intervenção da Justiça Comum. Ocorre que, quando se trata do aspecto político, os interesses acabam resvalando para a justiça, como é o caso do Corinthians que se vê numa guerra de versões sem precedentes. O pano de fundo, ao que tudo demonstra, é decorrente de descumprimento das regras estatutárias para a finalidade de afastamento de membros eleitos para ocupar cargos de direção”, explica.

“Neste aspecto há de se mencionar dois aspectos: o primeiro é a busca da Justiça Comum no tocante a tentativa de se discutir aspectos atinentes a questões de competições e infrações disciplinares, competência da Justiça Desportiva, que a depender do caso concreto poderia ensejar punição. O segundo é a garantia de qualquer interessado pela busca da transparência na entidade, o que a meu sentir não poderia ensejar punição a entidade, haja vista, o respaldo legal do parágrafo único do art. 2º da Lei nº 14.593/2023 (Lei Geral do Esporte) que considera o esporte como de alto interesse social prevendo que deve existir nas entidades, dentre outras previsões: transparência financeira e administrativa e conformidade com as leis e os regulamentos externos e internos (Inciso I) ; e moralidade na gestão esportiva (Inciso II)”, acrescenta o advogado.

A advogada Fernanda Soares ressalta que a disputa interna que ocorre no Corinthians neste momento é essencialmente uma administrativa e interna, regulada pelo estatuto do clube e, em alguns aspectos, pela Justiça Comum.

“A Justiça Desportiva, no entanto, tem jurisdição sobre assuntos relacionados à disciplina e às competições desportivas. No caso em questão, o conflito gira em torno de questões de gestão, como o impeachment de Augusto Melo, a suposta suspensão de Romeu Tuma Jr. e as alegações de irregularidades no contrato com a VaideBet, que levaram a indiciamentos por crimes como furto qualificado, associação criminosa e lavagem de dinheiro. Essas questões estão sendo investigadas pela Polícia Civil e podem ser objeto de processos na Justiça Comum, mas não há indícios claros de que envolvam infrações diretamente relacionadas às normas da justiça desportiva, como as previstas no Código Brasileiro de Justiça Desportiva (CBJD)”, avalia a especialista em direito desportivo.

“Por exemplo, o artigo 243-A do CBJD trata de tumultos em eventos esportivos, mas os incidentes relatados no Parque São Jorge, como a invasão da sala da presidência, não estão ligados a competições esportivas, sendo mais um conflito administrativo interno. Para que houvesse punição desportiva, seria necessário, por exemplo, que as irregularidades financeiras ou administrativas impactassem diretamente a integridade de competições, como suborno ou manipulação de resultados, o que não é mencionado na matéria. A resolução do caso deve se dar no âmbito do estatuto do clube, com a assembleia de sócios marcada para 9 de agosto de 2025, e, se necessário, na Justiça Comum, onde já há ações em curso relacionadas ao impeachment de Augusto Melo”, acrescenta Fernanda Soares.

Assembleia Geral tem data marcada

Na última sexta-feira, Romeu Tuma Jr., presidente do Conselho Deliberativo do Corinthians, marcou para o dia 9 de agosto a Assembleia Geral. A votação dos sócios definirá o afastamento ou recondução de Augusto Melo à presidência do clube.

As condições para participar da votação são as mesmas do pleito presidencial do clube:  ter mais de cinco anos de associação, ser o titular do plano e estar com as mensalidades em dia.

Caso os sócios ratifiquem a decisão do Conselho Deliberativo de destituir Augusto Melo, uma nova eleição presidencial irá acontecer para definir o mandatário até o fim de 2026. Porém, apenas os conselheiros do clube participarão.

Crédito imagem: Reprodução

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