Da “maldição do bode” ao telhado do vizinho

A MLB volta à coluna esta semana com curiosos e pitorescos episódios que têm como “personagem” principal o Chicago Cubs. São “estórias” com as quais alguns torcedores do futebol brasileiro podem, inclusive, se identificar.

Uma das franquias mais antigas e icônicas da MLB, o Cubs foi fundado em 1876, tendo recebido inicialmente o nome de Chicago White Stockings (não confunda com o Chicago White Sox, a outra equipe de beisebol da cidade de Chicago, em que Michael Jordan pretendia atuar em sua incursão pelo beisebol).

Ao longo das décadas, o Cubs e sua torcida passaram a ser vistos como sinônimo de perseverança e fidelidade no esporte norte-americano. O porquê? Nada mais nada menos do que 108 anos de jejum…

Essa “interminável” seca ganhou destaque até no cinema, quando o protagonista Marty McFly, no filme De Volta para o Futuro II, de 1989, viaja para o ano 2015 e lá se depara com uma manchete que anunciava o título do Cubs na World Series.

Na vida real, embora a “profecia” quase tenha se realizado em 2015 (a equipe esteve a um passo de avançar para a grande decisão), a façanha demorou um ano a mais: após os títulos de 1907 e 1908, o Cubs só voltou à glória máxima da MLB em 2016.

Naquele ano, em uma das finais mais dramáticas de todos os tempos, a equipe derrotou o Cleveland Guardians (então Cleveland Indians) em 7 jogos, com direito a uma prorrogação no último deles.

A vitória foi catártica para os fãs, que finalmente exorcizaram um dos “fantasmas” que perseguia o time: a “maldição do bode” (à qual alguns se referem como a “maldição da cabra”).

O ano era 1945 e o Cubs enfrentava o Detroit Tigers na World Series. Billy Sianis, um imigrante grego apaixonado pela equipe, comprou dois ingressos para o jogo 4, a ser disputado em Chicago. Uma das entradas era para o próprio Billy. A outra era para o inusitado companheiro dele: um bode chamado Murphy, considerado um amuleto da sorte.

Apesar de inicialmente terem permitido a entrada do animal no lendário estádio Wrigley Field, os seguranças e parte da diretoria do Cubs decidiram expulsar Murphy pouco antes do início da partida, alegando que o bicho exalava mau cheiro e incomodava os outros presentes.

Indignado, Sianis teria amaldiçoado o time em um telegrama enviado à direção da franquia, no qual afirmava que o Cubs nunca mais ganharia uma World Series.

A partir daquele momento, o Cubs não só perdeu a série para o Tigers como também passou a conviver com anos e anos de fracassos, eliminações inexplicáveis e um azar que, mesmo em temporadas promissoras, acabava por prevalecer.

O longo período de insucessos teve um de seus mais dolorosos e simbólicos capítulos no infame “incidente Bartman”, ocorrido em 14 de outubro de 2003.

Durante o jogo 6 da National League Championship Series contra o Florida Marlins, o Cubs esteve bem próximo de garantir o retorno à World Series depois de 48 anos.

A euforia e a ansiedade no Wrigley Field pareciam palpáveis. Foi então que aconteceu o lance que mudaria a vida da franquia e a vida de um torcedor.

Depois de uma rebatida de Luis Castillo, do Marlins, o outfielder do Cubs, Moisés Alou, correu até o muro que separava o campo da torcida e saltou com o braço esticado para pegar a bola. Porém, Steve Bartman, um jovem torcedor trajado com fones de ouvido e um boné do Cubs, tocou a bola e impediu que o lance se concretizasse.

Os árbitros não consideraram o ato como uma interferência indevida. A atmosfera no estádio mudou completamente, Moisés Alou não escondeu sua irritação e Bartman passou a ser intensamente vaiado.

O que viria a seguir parecia inevitável: os jogadores do Cubs cometeram uma sequência de erros e o time simplesmente colapsou defensivamente. O placar final foi de 8 a 3 e, dois dias depois, a derrota no jogo 7 selou o destino da série em favor do Marlins. Nova eliminação dos “amaldiçoados” de Chicago…

Depois te ter sua identidade revelada, Steve Bartman foi transformado, da noite para o dia, no principal vilão de Chicago. Com o perdão do trocadilho em relação à “maldição” iniciada em 1945, ele passou a ser o “bode expiatório” de mais uma das infindáveis frustrações na trajetória do Cubs.

Visto como um pária na sociedade local, Bartman recebeu ameaças de morte e precisou se esconder com o apoio da polícia, tendo desaparecido da vida pública por um extenso período.

Em 2011, como parte da excelente série 30 for 30, o “incidente Bartman” foi retratado pela ESPN no documentário Catching Hell.

Após o título e a “cura” da maldição em 2016, o Cubs publicou uma carta oficial de perdão e convidou Steve Bartman a visitar o Wrigley Field. No gramado, ele até recebeu, simbolicamente, um anel de campeão da World Series.

No centro de tudo isso, da “maldição do bode” à redenção na World Series, está o Wrigley Field, localizado no norte de Chicago.

Com sua fachada de tijolos vermelhos e um icônico letreiro, o estádio é um emblema de resistência e tradição no beisebol. Mais do que um equipamento esportivo, ele é visto como um santuário para os fãs do Cubs, que mantiveram uma devoção inabalável à equipe mesmo nos piores dias.

Sem um telão moderno e ainda com placar manual, o Wrigley Field resgata memórias que estão intimamente ligadas à “alma” de Chicago. E é sobre ele que uma controvérsia jurídica está instaurada.

Conforme reportado pelo Sportico, uma juíza federal negou recentemente um pedido para remeter a uma corte arbitral o processo movido pelo Cubs contra a vizinha Wrigley View Rooftop, empresa que comercializa 200 assentos com vista privilegiada para o campo.

Sim, é possível comprar ingressos para ver, do telhado de um prédio vizinho, tudo o que acontece dentro do estádio, com direito a comes e bebes e a outras amenidades.

O litígio teve início em 2024, quando a franquia da MLB acionou a Wrigley View Rooftop e o respectivo proprietário, Aidan Dunican, em razão da ilicitude da conduta, seja em relação à comercialização de ingressos em dias de jogos do Cubs, seja em relação a shows e a outras experiências que acontecem no Wrigley Field.

As alegações giram em torno dos conceitos de apropriação indébita, enriquecimento sem causa, concorrência desleal e uso não autorizado de marcas registradas.

Não é a primeira vez que uma disputa dessa natureza ocorre. Em 2004, o Cubs fez acordos com a Wrigley View Rooftop e com outros vizinhos cujos telhados permitem visualizar a parte interna do Wrigley Field. À época, as partes chegaram a um consenso quanto ao repasse de um percentual das receitas auferidas pelos “confinantes”.

A Wrigley View Rooftop, porém, entende que o acordo expirou e que ela teria uma espécie de “direito adquirido” à exploração comercial da vista para o estádio. Sob o slogan “o último telhado do Wrigley a ser de propriedade e operação independentes!”, ela desafiou o Cubs e tem vendido ingressos normalmente.

Se o caso for levado a um júri civil, será retomado o antigo debate sobre a possibilidade de empresas vizinhas a estádios poderem comercializar ingressos para jogos e shows, como faz a Wrigley View Rooftop.

Vemos, em alguns estádios no Brasil, torcedores amontados em muros, árvores e residências para assistir, sem pagar, jogos de futebol. Vê-se, no entanto, que essa não é uma exclusividade tupiniquim.

Em meio a todo o glamour, tecnologia e modernidade das ligas esportivas norte-americanas, o Cubs nos permite contar anedotas que até se parecem com os “causos” que contamos por aqui…

Crédito imagem: Getty Images

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