Noite de segunda-feira, 12 de maio de 2025. No centro de Chicago, o McCormick Place West Convention Center recebia o sorteio que definiu a ordem das escolhas das equipes no próximo Draft da NBA, marcado para os dias 25 e 26 de junho.
A probabilidade de a primeira escolha ser do Dallas Mavericks era de 1,8%. Ínfima. Do ponto de vista estatístico, um evento altamente improvável. Pois foi exatamente isso o que aconteceu…
Primeiro, silêncio. Depois, o burburinho de uma absoluta e generalizada descrença. As reações dos presentes sinalizavam que aquele não era um episódio qualquer.
Sorte? Um capricho dos “Deuses do Basquete”? Resultado manipulado conforme os interesses comerciais da liga?
Poucos minutos após o sorteio, popularmente conhecido como “loteria do Draft”, as redes sociais já estavam inundadas por teorias da conspiração e por críticas à eficácia do sistema utilizado pela NBA, reformulado em 2019 para desincentivar o tanking, prática sobre a qual escrevemos em um de nossos primeiros textos no Lei em Campo.
Anteriormente, o time de pior campanha em uma temporada era recompensado com o direito de fazer a primeira escolha no recrutamento para a temporada seguinte. Um esforço em prol do equilíbrio competitivo a longo prazo. Porém, as constatações eram de que tal mecanismo vinha incentivando a estratégia de “perder agora para ganhar depois”.
Com a nova estrutura do sorteio, as três equipes com as piores campanhas têm probabilidades iguais, de 14%, de obter o privilégio de selecionar primeiro e poder escolher qualquer um dos atletas disponíveis no Draft.
A mudança do sistema não foi algo simples. No livro Tanking to the Top: The Philadelphia 76ers and the Most Audacious Process in the History of Professional Sports, o jornalista Yaron Weitzman detalha como, especialmente em meados da década de 2010, a cultura de “perder de propósito” foi se disseminando pela liga, defendida por alguns como o melhor (ou o único) meio para (re)construir elencos capazes de competir em alto nível por mais tempo.
Em 2018, o comissário Adam Silver precisou endereçar diretamente a questão em um memorando enviado às franquias, no qual o recado foi claro: “o tanking não tem lugar no nosso jogo”.
Por ironia do destino, um dos catalisadores para a modificação das regras foi o ex-proprietário do mesmo Dallas Mavericks, Mark Cuban. Em entrevista a um podcast, ele revelara ter dito aos seus comandado algo como “perder é nossa melhor opção”, conduta que rendeu a Cuban uma multa de US$ 600.000,00 em virtude de “declarações públicas prejudiciais à NBA”.
Não, o Mavericks não “perdeu de propósito” na atual temporada para aumentar as chances de conseguir uma boa posição na loteria do Draft. A boa fortuna do time do Texas não passou de um golpe de sorte depois de uma desastrada decisão. Certo?
Há quem diga que não…
Nas últimas horas do dia 01 de fevereiro deste ano, o Dallas Mavericks chocou o mundo ao trocar, para o Los Angeles Lakers, Luka Dončić, um dos maiores talentos que o basquete já viu e o ídolo máximo da franquia desde a aposentadoria do lendário Dirk Nowitzki.
Os meses que se seguiram foram de duras e generalizadas críticas a Nico Harrison, dirigente responsável por enviar, para um rival de conferência, um jogador excepcional que, ainda jovem, acabara de carregar o time às finais da NBA.
A torcida de Dallas passou a viver um martírio. Anthony Davis, que veio do Lakers na troca por Luka, machucou-se no primeiro jogo com a nova equipe. O outro astro da franquia, Kyrie Irving, rompeu o ligamento cruzado anterior. Fulminado por essas e por outras lesões, o elenco do Mavericks não foi forte o suficiente para avançar além do Play-In, a repescagem que define os últimos classificados para os playoffs.
Tal desempenho resultou somente na 11ª posição no ranking de maiores probabilidades de obter o posto mais nobre na loteria.
Eis que, pouco tempo depois, Dallas poderá ter um novo talento geracional em Cooper Flagg, favoritíssimo a ser a primeira escolha do Draft e aclamado como o melhor jogador do basquete masculino universitário dos Estados Unidos. Tudo graças à aleatoriedade de um sorteio. Ou não?
Vamos à fascinante teoria da conspiração mais difundida entre a comunidade da NBA…
Com a iminente aposentadoria de LeBron James, a liga precisava garantir que Los Angeles, um de seus maiores mercados, tivesse um atleta de muito destaque no futuro. Assim, um acordo foi selado com os novos proprietários do Mavericks, magnatas da indústria dos cassinos que pretendem levar a franquia para Las Vegas, onde as receitas, em uma nova arena, serão maiores. O acordo? Luka vai para o Lakers e, em troca, Dallas será premiado com a primeira escolha no Draft.
Embora os procedimentos do sorteio sejam auditados pela Ernst & Young e sejam presenciados por representantes das franquias e por jornalistas, há quem jure que tudo não passa de uma enorme farsa. E isso não teria começado agora…
A teoria da conspiração inaugural sobre o Draft da NBA surgiu em 1985, ano em que o New York Knicks venceu a loteria e garantiu, com a primeira escolha, o pivô Patrick Ewing, a estrela universitária mais cobiçada da época.
Naquele período, o Knicks vivia um período de pouca relevância esportiva. Qual teria sido a manobra para mudar esse cenário e reavivar a equipe símbolo do maior mercado da liga?
Como o sorteio da ordem de escolhas no recrutamento utilizava envelopes, o envelope correspondente ao time de Nova Iorque teria sido resfriado para que, na hora da seleção, o comissário David Stern pudesse identificá-lo, assegurando que o Knicks ficasse com a primeira escolha e selecionasse Patrick Ewing, voltando aos holofotes.
Após conseguir Shaquille O’Neal com a primeira escolha do Draft em 1992, o Orlando Magic tinha apenas 1,5% de chance de vencer o sorteio em 1993. E venceu! Foi o suficiente para alimentar especulações de que a NBA fizera um arranjo para impulsionar o mercado da Flórida.
A probabilidade de o Chicago Bulls conseguir a primeira escolha no sorteio em 2008 era de 1,7%. O jogador mais cotado para ser selecionado naquela posição? Derrick Rose, nascido e criado em Chicago. Não deu outra: Bulls vencedor da loteria, tudo graças ao interesse da liga em revitalizar o mercado de uma grande cidade que vivia anos de ostracismo desde a saída de Michael Jordan.
A sequência de sorteios vencidos pelo Cleveland Cavaliers após a ida de LeBron James para o Miami Heat, em 2010, também figura no rol dos conspiracionistas. Entre 2011 e 2014, a franquia teve várias escolhas valiosas no Draft, inclusive a que permitiu selecionar Kyrie Irving, autor da cesta da vitória em 2016, quando LeBron, de volta ao Cavaliers, entregou a Cleveland o tão sonhado título.
O ano de 2019 marcou a vez do New Orleans Pelicans. Após trocar Anthony Davis, então sua maior estrela, para o Los Angeles Lakers, a equipe, que tinha 6% de chances, venceu a loteria e obteve a primeira escolha, usada para selecionar Zion Williamson, a sensação daquele momento no basquete da NCAA.
Teóricos da conspiração afirmam, com segurança, que esses acontecimentos provariam a existência de um esquema por meio do qual, por razões mercadológicas, grandes jogadores são enviados para destinos escolhidos pela NBA, tendo como contrapartida a “garantia” de escolhas de Draft para as equipes “prejudicadas”.
Instantes antes de Matt Riccardi, representante do Mavericks no sorteio de 2025, ficar estupefato ao ouvir o anúncio de que o seu time havia conseguido a primeira escolha, oito equipes tinham a oportunidade de vencer.
Faltava uma bolinha para sair da máquina. A combinação que representaria a vitória de Dallas, iniciada com os algarismos 10, 14 e 11, precisava terminar com um 7. Nenhum outro número serviria.
Quando, diante de todas as combinações possíveis, 7 foi exatamente o número sorteado, o combustível foi jogado na fogueira…
Em um ambiente movido por paixões, bilhões de dólares e uma história de inusitadas ocorrências estatísticas, qualquer coincidência pode parecer suspeita demais para ser apenas fruto do acaso.
Apesar de essas teorias terem o seu charme, permita-se usar a razão: é plausível que a NBA, uma das maiores entidades de entretenimento do planeta, coloque em xeque toda a sua credibilidade manipulando um sorteio de bolinhas que é fiscalizado por uma das grandes empresas de auditoria do planeta, sob os olhares de centenas de pessoas que também têm uma reputação a zelar?
É razoável acreditar que um estratagema dessa magnitude seja mantido em segredo por tantas e tantas pessoas envolvidas no Draft?
Para além da loteria, não existem inúmeras aberrações estatísticas ocorrendo todos os dias em todos os rincões do universo? Pergunte a um astrofísico!
Nossa mente nos prega peças e, muitas vezes, influencia e redireciona nossas crenças. Recebemos informações demais e, perdidos, somos facilmente sugestionáveis.
Passamos a aceitar como impossíveis coisas que, na verdade, são apenas improváveis.
Existe corrupção? Sabemos muito bem que sim. A própria NBA, aliás, já foi vítima dela.
Você é livre para acreditar no que quiser, desde que aquilo em que você acredita não cause mal a outras pessoas e à sociedade.
Na minha liberdade, eu escolho respeitar os limites que a racionalidade me impõe. Apesar disso, não deixo de ser um homem de fé. Nada mais humano do que esse paradoxo, concorda?
William Edwards Deming, brilhante estatístico, professor universitário e autor norte-americano, disse certa vez esta impactante frase: “Em Deus, eu confio. Todos os outros, tragam-me dados“.
Respeito as estatísticas e as probabilidades. E também acredito que os “Deuses do Basquete”, de vez em quando, querem se divertir um pouco à custa das nossas incredulidades.
Crédito imagem: David Dow NBAE / Getty Images
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