Por Higor Maffei Bellini
O presente texto analisa a evolução da jurisprudência trabalhista no contexto desportivo, especialmente quanto à valorização jurídica do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) dentro dos contratos de atletas profissionais, trazendo uma nova e importante e perspectiva protetiva para os atletas, que não ficam mais presos aos seus empregadores, que depositam o FGTS de forma irregular, mês, sim, mês não, apenas para não deixar ficar dois meses seguidos sem o depósito.
A evolução é representada por uma recente decisão proferida pelo Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (TRT-4), bem como no brilhante parecer do Ministério Público do Trabalho (MPT), que configuram uma evolução na interpretação das normas que reforçam a proteção ao trabalhador atleta diante de práticas reiteradas de inadimplência fundiária, por parte dos clubes que depositavam o FGTS a seu livre entendimento, sem respeitar a obrigação de efetuar mensalmente esses depósitos.
Mais do que um simples direito futuro, que o atleta apenas poderia ter a possibilidade de exercer ao final do seu contrato de trabalho, o valor depositado nas contas do FGTS passou a assumir uma função de amparo contínuo e presente ao longo da vigência do contrato, especialmente após a criação de modalidades de saque como o saque-aniversário e a possibilidade de liberação para a utilização dos recursos por situações emergenciais, criando a possibilidade deste ser utilizado mesmo com o contrato em vigor.
Que a ausência de deposito era causa para a apresentação de pedido de rescisão indireta do contrato de trabalho, por culpa do empregado, era conhecida há muito dos que militam na justiça do trabalho, em causas ligadas ao esporte, não existem dúvidas, Contudo essa decisão deixa claro que não existe a necessidade da falha no deposito ser imediata, a propositura da ação, podendo ter acontecido ao longo do vinculo de emprego
O que joga por terra a antiga argumentação de que o atleta não poderia se utilizar do FGTS, com o contrato de trabalho em curso, o que não traria prejuízo a este o não depósito ou o depósito irregular durante a vigência do contrato. Pois agora o FGTS pode ser utilizado mesmo com o contrato de trabalho ativo.
A vulnerabilidade contratual dos atletas — muitas vezes sujeitos à instabilidade e à dependência econômica dos clubes — que deixavam de fazer os depósitos do FGTS sob essa antiga justificativa, de que não existia prejuízo ao atleta, que infelizmente acabava sendo aceita por alguns juízes trabalhistas, exige desde a publicação desta decisão da justiça gaúcha, um novo olhar jurídico sobre a regularidade desses depósitos. Pois se não efetuado corretamente, pode permitir ao atleta deixar o clube, mediante ação de rescisão antecipada do contrato de trabalho, com pedido de liminar.
A assimetria nas relações laborais entre os clubes e as atletas impõe a necessidade de uma camada adicional de proteção, com o objetivo de reduzir a vulnerabilidade a que estão sujeitas.
O não cumprimento regular das obrigações fundiárias por parte dos empregadores compromete a previsibilidade e a segurança econômica das atletas, uma vez que o FGTS tem como finalidade garantir um respaldo financeiro ao trabalhador quando deixa de ter vínculo empregatício.
No caso das atletas, esse desligamento é previsível, pois o contrato é, geralmente, firmado por prazo determinado. Além disso, de acordo com as normas recentemente instituídas, o FGTS também serve como recurso de emergência, passível de saque em situações excepcionais. A falha nos depósitos, portanto, inviabiliza o acesso ao fundo justamente em momentos críticos.
A prática de inadimplência alternada foi claramente reconhecida como falta grave, apta a ensejar a rescisão indireta do contrato de trabalho, por justa causa do empregador. Vejamos a posição, vinda do TST que constou na fundamentação da manifestação do MPT, que serviu de fio condutor para esse pensamento, aqui trazido no texto:
“REPRESENTATIVO PARA REAFIRMAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA. INCIDENTE DE RECURSO REPETITIVO. AUSÊNCIA OU IRREGULARIDADE DOS DEPÓSITOS DE FGTS. RESCISÃO INDIRETA DO CONTRATO DE TRABALHO. CARACTERIZAÇÃO. DESNECESSIDADE DO REQUISITO DA IMEDIATIDADE. Diante da manifestação de todas as Turmas do Tribunal Superior do Trabalho e da C. SBDI-1 indica-se a matéria a ter a jurisprudência reafirmada, em face da seguinte questão jurídica: Definir se o descumprimento da obrigação contratual de recolhimento dos depósitos de FGTS constitui justo motivo para a rescisão indireta do contrato de trabalho, nos termos do art. 483, “d”, da CLT? Para o fim de consolidar a jurisprudência pacificada no Tribunal Superior do Trabalho, deve ser acolhido o Incidente de Recurso de Revista para o fim de fixar a seguinte tese vinculante: A ausência ou irregularidade no recolhimento dos depósitos de FGTS caracteriza descumprimento de obrigação contratual, nos termos do art. 483, “d”, da CLT, suficiente para configurar a rescisão indireta do contrato de trabalho, sendo desnecessário o requisito da imediatidade” (RRAg-1000063-90.2024.5.02.0032, Tribunal Pleno, null, DEJT 14/03/2025).
Essa decisão judicial, bem como o parecer ministerial, deve servir de alerta para os clubes, que precisam urgentemente mudar a forma como tratam a obrigação de recolher o FGTS. Deixando de ser algo secundário — a ser efetuado apenas ao final do contrato de trabalho ou utilizado como recurso para pagamento de outras despesas ordinárias —, o recolhimento do FGTS deve se tornar prioridade. Ou de o fazer quando o clube disponha valores sobrando no seu caixa.
Trata-se de uma obrigação essencial, cujo descumprimento pode levar ao desligamento do atleta a qualquer momento, em razão da existência de falhas nos depósitos ao longo do período contratual.
Atualmente, existe a possibilidade de o trabalhador optar pelo saque-aniversário do FGTS, o qual permite a movimentação da conta vinculada no mês de seu aniversário, conforme os valores estabelecidos no anexo da Lei nº 8.036/90, observando-se o disposto no artigo 20-D (inciso XX do artigo 20 da Lei nº 8.036/90, incluído pela Lei nº 13.932/19).
A validade da opção pelo saque-aniversário do FGTS pressupõe, evidentemente, que o empregador realize os depósitos na conta vinculada do trabalhador de forma regular durante toda a vigência contratual. A ausência desses depósitos prejudica o exercício da faculdade conferida ao empregado de aderir à nova sistemática de saque, impedindo-lhe o pleno exercício de um direito. Isso porque, inexistindo saldo disponível — ou estando ele abaixo do previsto — a atleta não poderá usufruir integralmente desse benefício.
O descumprimento fundiário não é mais tolerado como uma prática administrativa secundária. Trata-se, portanto, de uma infração contratual grave, com potencial de ensejar rescisão indireta, reparações financeiras e impacto na reputação institucional do clube. Até mesmo porque com a confirmação de que o atraso no recolhimento, não precisa se dar imediatamente a propositura da ação, falhas de deposito, no passado, darão a possibilidade de fazer o pedido de rescisão antecipada, por culpa do empregado, seja julgado como procedente
É recomendável, portanto, que os clubes esportivos revisem com urgência suas políticas de compliance trabalhista, adotem mecanismos preventivos de controle dos depósitos fundiários e orientem seus departamentos jurídicos sobre os riscos decorrentes da nova orientação que está moldando a jurisprudência.
Conclusão
A partir da análise desta decisão vinda do Tribunal Regional do Trabalho gaúcho, que como sempre traz a marca do seu pioneirismo e zelo com os direitos trabalhistas dos empregados, sejam eles atletas ou trabalhadores administrativos dos clubes, evidencia-se uma reconfiguração do papel jurídico do FGTS nos contratos de atletas profissionais.
O fundo de garantia por tempo de serviço deixa de ser um direito futuro, que é inacessível no transcorrer da relação trabalhista. Passando a ser um instrumento de garantia ativa, essencial à proteção da pessoa do trabalhador, que pode se utilizar destes valores ainda durante a vigência do vínculo contratual em tempo real.
Diante da vulnerabilidade do atleta, que é apenas mais um empregado, do clube como qualquer outro, o Judiciário Trabalhista adota corretamente uma postura protetiva, exigindo do empregador não apenas o pagamento pontual de salários, mas a absoluta regularidade no cumprimento de todas as obrigações legais, especialmente aquelas que asseguram o bem-estar financeiro e social do trabalhador desportivo.
O novo valor jurídico dado ao deposito do FGTS, portanto, é mais do que uma interpretação de uma garantia legal, que poderia ser efetuado a qualquer tempo, ou seja, até mesmo no ato da rescisão do contrato de trabalho, como muitos clubes ainda fazem, deixando para recolher tudo ao final, para ser um imperativo de justiça e equidade nas relações de trabalho no esporte, pois se o atleta é obrigado a treinar e a jogar o clube é obrigado a depositar mês a mês o FGTS.
Crédito imagem: Depositphotos
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