Gregg Popovich e um legado de consciência social, liderança e excelência no esporte

A última sexta-feira, dia 02 de maio de 2025, ficará marcada para o basquete como a data da aposentadoria do treinador Gregg Popovich.

Afastado desde 02 de novembro do ano passado após sofrer um acidente vascular cerebral, o lendário técnico do San Antonio Spurs passará a ser, em tempo integral, presidente do departamento de operações de basquete da franquia.

Trata-se do fim de uma era na NBA. Popovich construiu uma das carreiras mais respeitadas de todos os tempos, não apenas por virtudes técnicas e táticas, mas especialmente pela postura humanitária de alguém que provou ser um grande líder também fora das quadras.

Nas quase três décadas em que comandou o Spurs, de 1996 até agora, foram 5 títulos (1999, 2003, 2005, 2007 e 2014) e mais de 1.300 vitórias em temporada regular, o maior número já registrado entre treinadores que dirigiram uma única equipe.

Apesar de ter sido eleito treinador do ano “somente” em 2003, 2012 e 2014, Popovich detinha, quase unanimemente, o reconhecimento como o principal técnico em atividade na liga.

E muito merecidamente: durante as primeiras 22 temporadas completas em que foi treinado pelo “Coach Pop”, o Spurs teve campanhas positivas (um recorde). Durante a passagem do treinador, a franquia do Texas ostentou mais vitórias do que derrotas contra todas as outras equipes da NBA.

Único técnico a conquistar títulos em três décadas diferentes, Gregg Popovich também comandou a seleção norte-americana de basquete masculino entre 2017 e 2021, tendo conquistado a medalha de ouro nos Jogos Olímpicos de Tóquio (ele foi assistente técnico do Team USA em outras oportunidades).

Sob sua firme direção, o San Antonio Spurs passou a ser sinônimo de consistência, cultura organizacional e jogo coletivo, valores que o treinador incorporava e promovia diretamente.

A atuação de Popovich como presidente do departamento de operações de basquete do Spurs talvez se mostre, na prática, algo meramente simbólico (ele brincou com a situação dizendo que passará a ser El Jefe, “O Chefe”). Seja como for, a influência dele no jogo certamente estará presente por muito tempo.

Depois de serem assistentes em San Antonio, muitos profissionais moldados por “Coach Pop” se tornaram treinadores relevantes na própria NBA, na WNBA ou na G-League. Estamos falando de nomes conhecidos, como Mike Budenholzer (campeão com o Milwaukee Bucks em 2021), Quin Snyder, Brett Brown, Mike Brown, Ime Udoka, Monty Williams, Taylor Jenkins, Jacque Vaughn, James Borrego, Jim Boylen, Will Hardy e Mitch Johnson.

O melhor exemplo da visão privilegiada de Popovich, no entanto, é Becky Hammon. Contratada por ele em 2014, ela foi a primeira mulher na história da liga a atuar como assistente técnica em tempo integral. A decisão, vista como arriscada na época, foi definida pelo treinador como uma escolha baseada unicamente em mérito e capacidade técnica.

Em 2020, depois de anos ao longo dos quais conquistou o respeito do vestiário e dos colegas de profissão, Becky Hammon entrou para a história da NBA como a primeira mulher a comandar uma equipe durante uma partida oficial (após expulsão de Popovich por discussão com os árbitros).

Inegavelmente, a visibilidade e a confiança recebidas por ela foram cruciais para que outras mulheres assumissem posições de destaque no basquete masculino profissional.

Nas palavras de Becky Hammon, Gregg Popovich “abriu a porta, nunca me tratou diferente, sempre me cobrou, me desafiou e me respeitou, sendo essencial para eu acreditar que poderia treinar qualquer time, em qualquer liga”.

Exímio na identificação de talentos, “Coach Pop” deve ser visto como um dos catalisadores da globalização na NBA, tendo sido pioneiro em colocar, de forma sistemática, atletas estrangeiros em posições de protagonismo.

Popovich via (e vê) o basquete como uma linguagem universal, incentivando jogadores vindos de outras escolas a manterem suas raízes e sua identidade. Isso fez do Spurs uma equipe única, cuja maneira de jogar era, ao mesmo tempo, global e coesa, baseada em altruísmo, inteligência tática e trabalho coletivo.

Atletas multicampeões pelo Spurs, Manu Ginóbili (Argentina) e Tony Parker (França) ilustram, com palavras, essa postura.

Em entrevista para o The Athletic em 2018, Ginóbili ressaltou:

“[Popovich] me deu liberdade, me ensinou o valor da tomada de decisão correta e me fez crescer não só como jogador, mas como homem. Ele me acolheu como eu era, sem pedir que eu deixasse de ser argentino”.

Já Parker, em autobiografia publicada em 2016, fez questão de dizer que Popovich foi um mentor “dentro e fora da quadra”, que confiou nele desde os 19 anos, o desafiou e fez com que acreditasse que “um garoto francês podia comandar um time na NBA”.

Ainda sobre a contribuição de Gregg Popovich na consolidação da NBA como uma liga verdadeiramente internacional, Patty Mills (Austrália) certa vez declarou, a um jornal de San Antonio, que o treinador sempre “incentivou [os atletas] a levarem [o] orgulho nacional para a quadra, [fazendo-os] sentir que o time era um mosaico de culturas, o que era muito bonito”.

Aqueles que foram comandados por Popovich, dentre os quais os brasileiros Alex Garcia e Tiago Splitter (campeão com o Spurs em 2014 e que vem tendo sucesso como treinador), invariavelmente o descrevem como um “educador para a vida”, alguém que se preocupa com as pessoas antes do desempenho esportivo, exigindo excelência em quadra, mas também motivando seus atletas a serem pensadores críticos e cidadãos mais conscientes.

Com forte personalidade, “Coach Pop” jamais se omitiu em relação a temas políticos e sociais e foi uma das vozes mais importantes das últimas décadas nas críticas à desigualdade social e ao racismo estrutural nos Estados Unidos.

Eis algumas de suas frases mais marcantes:

Entrevista à ESPN em junho de 2020, após o assassinato de George Floyd – “O racismo está enraizado. Está acontecendo em todo lugar, e se você negar isso, está apenas mentindo para si mesmo”.

Discurso em edição do jantar beneficente anual Champions Against Hunger (“Campeões contra a Fome”), promovido por ele e pelo San Antonio Spurs – “Se você for uma pessoa honesta e ética, deve ser contra a desigualdade, seja racial, de gênero ou econômica”.

Pronunciamento no Jay-Z’s Social Justice Summit, em julho de 2022 – “Este é o país em que vivemos. Não tenho as respostas, mas isso me irrita. Me magoa. Me confunde. E me pergunto: onde diabos vou viver? Moro em um país que eu não sabia que existia. Eu sabia que havia racistas, eu entendo isso. Contudo, não fazia ideia de que chegava a esse nível. E que a injustiça e a busca por poder eram tão desenfreadas que estamos na posição em que estamos agora”.

Durante sua carreira, Gregg Popovich investiu tempo e dinheiro consideráveis ​​trabalhando com diversas instituições de caridade e organizações sem fins lucrativos, como o Banco de Alimentos de San Antonio e o Projeto Inocência.

Ademais, ele participou da Shoes That Fit, uma organização que doou calçados a alunos afetados pelos furacões Irma e Maria, e se envolveu na arrecadação de fundos para o J/P HRO, um programa de assistência a desastres que opera no Haiti.

Popovich engajou-se, ainda, em diversas ações de socorro a vítimas de tragédias naturais na América do Norte e no Caribe.

No discurso de introdução ao Hall da Fama do Basquete em 2020, o discreto Tim Duncan (nascido nas Ilhas Virgens Americanas), que, assim como Popovich, é amplamente reconhecido como um dos maiores da história do esporte, resumiu assim o sentimento pelo eterno treinador:

Você apareceu depois que fui draftado. Veio até a minha ilha. Sentou-se com meus amigos, minha família. Conversou com meu pai. Achei que isso fosse normal. Não é. Você é uma pessoa excepcional. Agradeço por me ensinar sobre basquete, mas, além disso, por me ensinar que não se trata apenas de basquete. Trata-se do que está acontecendo no mundo; trata-se da sua família. Por tudo, obrigado!”.

Não é preciso dizer muito mais. Fica aqui a nossa homenagem a Gregg Popovich e ao seu legado de consciência social, liderança e excelência no esporte.

Crédito imagem: @spurs via X

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