O Senado Federal aprovou recentemente o Projeto de Lei nº 2.985/2023, que estabelece um novo marco regulatório para a publicidade de apostas no Brasil. A proposta visa enfrentar problemas associados à ludopatia e proteger o consumidor, impondo duras restrições aos canais, horários, formatos e conteúdos autorizados para campanhas de operadores de apostas esportivas e jogos online. No entanto, à luz da experiência internacional, em especial a italiana, as medidas adotadas podem não apenas falhar em seus propósitos, como também gerar externalidades negativas significativas para o setor, o consumidor e o Estado.
As medidas aprovadas no Senado
O texto do projeto impõe restrições severas. Entre os principais pontos:
- Horário restrito de veiculação: a publicidade só é permitida na televisão, plataformas digitais e redes sociais entre 19h30 e meia-noite, além de 15 minutos antes e depois de eventos esportivos ao vivo. No rádio, os horários permitidos vão das 9h às 11h e das 17h às 19h30. A publicidade em mídia impressa é completamente proibida.
- Durante eventos esportivos ao vivo, a propaganda é vedada, mesmo se ocorrer dentro da faixa horária permitida. Também é proibida a exibição de cotações em tempo real e preços dinâmicos, exceto nos canais oficiais da operadora licenciada.
- Conteúdo permitido fora do horário: apenas publicações orgânicas e não impulsionadas, acessadas de forma voluntária pelo usuário nas plataformas oficiais do operador.
- Conteúdos proibidos: está vedado o uso de figuras públicas como atletas, técnicos, celebridades ou influenciadores. Também são proibidas mensagens que associem apostas a riqueza, renda extra ou sucesso financeiro, além de qualquer conteúdo voltado ao público infantil ou com conotação discriminatória ou sexualizada.
- Aviso obrigatório: todas as propagandas devem exibir, de forma destacada, o aviso “Apostas causam dependência e prejuízos a você e à sua família”.
- Menções em programação e visibilidade de marca: permitidas apenas se não incluírem incentivos ou referência a ganhos com apostas, devendo respeitar a faixa etária do público-alvo.
- Regras para publicidade digital: apenas para usuários autenticados maiores de 18 anos, com obrigação de disponibilização de mecanismos de bloqueio. As plataformas respondem solidariamente se não removerem anúncios indevidos após notificação.
- Proibição em arenas esportivas, exceto quando o operador detém naming rights ou patrocina oficialmente a competição ou os uniformes dos times em campo.
- Comunicações promocionais: proibidas sem consentimento livre, expresso e informado do destinatário.
- Patrocínios: são permitidos, mas com limitações — por exemplo, é vedada a exibição de marcas de apostas em uniformes infantis ou em árbitros.
A experiência italiana: um alerta relevante
Medidas semelhantes foram adotadas na Itália em 2018 com o chamado Decreto Dignità, que proibiu a publicidade de apostas em todos os canais e formatos, incluindo patrocínios esportivos. A intenção era combater o vício em jogos. No entanto, o resultado foi a migração de apostadores para plataformas ilegais, menos transparentes e fora do alcance da regulação estatal. Estimativas apontam que o mercado ilegal cresceu significativamente, ao passo que operadores licenciados viram suas receitas encolherem.
Clubes de futebol perderam contratos milionários de patrocínio, afetando diretamente a sustentabilidade financeira do esporte, sobretudo nas divisões inferiores. Além disso, sem publicidade legal, campanhas de conscientização e promoção do jogo responsável ficaram restritas, gerando o efeito oposto ao pretendido.
Hoje, a Itália discute revogar parte das restrições. O próprio ministro dos Esportes, Andrea Abodi, afirmou recentemente que as medidas falharam em proteger os consumidores e que o retorno da publicidade, com regras claras, pode ser mais eficaz.
Riscos para o Brasil
Ao replicar as medidas italianas, o Brasil se arrisca a repetir os mesmos erros. A imposição de janelas restritas, proibição do uso de personalidades e limitações severas à comunicação institucional dificultam a diferenciação entre operadores legais e ilegais. Também comprometem o financiamento do esporte e reduzem o espaço para campanhas educativas.
Além disso, a proibição de publicidade em meios amplos limita o alcance de mensagens de prevenção e de boas práticas, facilitando a expansão de plataformas clandestinas, que operam sem qualquer controle sobre público-alvo ou limites de gasto.
Conclusão
Diante da experiência internacional — especialmente do fracasso observado na Itália — é preciso que o Brasil evite repetir medidas que, embora bem-intencionadas, resultaram na expansão do mercado ilegal, na perda de receitas para o esporte e na redução da capacidade do Estado de educar e proteger o consumidor. A versão atual do PL 2.985/2023, ao adotar restrições excessivas e de difícil execução, caminha nessa direção.
O Congresso Nacional tem, agora, a responsabilidade de revisar profundamente esse texto. É necessário promover um debate mais técnico, com base em evidências e experiências concretas, ouvindo o setor regulado, especialistas em saúde pública, autoridades de fiscalização e representantes da sociedade civil. A solução não está na proibição pura e simples, mas na construção de um modelo de comunicação responsável, transparente e eficaz.
É importante que o Legislativo adote uma postura proativa e corajosa, abandonando o simbolismo político em favor de uma regulação equilibrada. Só assim será possível proteger os consumidores, conter a ilegalidade e garantir um mercado de apostas saudável, sustentável e em consonância com os princípios democráticos e econômicos do país. O momento exige ajustes — e não a aprovação de um modelo que, comprovadamente, já fracassou em outras jurisdições.
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