Master de Miami e uma ausência: tênis cedeu e esqueceu sumiço de tenista

O esporte tem um papel fundamental na defesa dos direitos humanos, mas frequentemente é encontrado em uma encruzilhada entre princípios éticos e interesses financeiros. Todo mundo se lembra de um caso. Eu, acompanhando o Miami Open e vendo Qinwen Zheng, lembrei de Peng Shuai. Afinal, será que todos esqueceram dela?

O caso da tenista chinesa Peng Shuai ilustra bem a tensão entre direitos humanos e interesses econômicos. Em 2021, Peng denunciou um caso de abuso sexual envolvendo um alto funcionário do governo chinês e, pouco depois, desapareceu dos olhos do público. Muitos temeram pelo pior.

A reação do esporte

O sumiço do tenista gerou uma mobilização global de preocupação, levando a Associação do Tênis Feminino (WTA) a suspender em 2021 torneios na China em protesto. No entanto, em 2023, dois anos depois, a entidade retirou a suspensão e retomou as suas atividades no país, sem que as questões levantadas inicialmente fossem devidamente esclarecidas. Esse oculto levanta dúvidas sobre o compromisso do esporte com a justiça e os direitos humanos.

A postura inicial da WTA foi considerada forte e sem precedentes no mundo esportivo. Enquanto grandes corporações globais continuam a fazer negócios na China, apesar de suas políticas repressivas, a WTA se destacou ao colocar princípios acima do lucro. A entidade tentou fazer uma investigação transparente sobre as alegações de Peng e insistiu em um encontro direto com a jogadora para garantir seu bem-estar.

Entidades de defesa de direitos humanos como a Human Rights Watch e a Anistia Internacional também se posicionaram de maneira firme visando a proteção da tenista.

A HRW sugeriu que o COI deveria ter feito mais para proteger o atleta olímpico chinês.

“É uma ordem de magnitude totalmente diferente ver Thomas Bach, em uma fotografia com uma mulher, Peng Shuai, sob intensa pressão, podemos razoavelmente supor a partir de outros casos, voltar atrás em suas alegações de agressão sexual, em vez de fazer tudo o que estiver ao seu alcance e ao da organização para denunciar isso e garantir que ela receba o apoio, a investigação e o processo que podem ser justificados”, disse a diretora Sophie Richardson à CNN em 2021..

Em resposta, o COI disse à CNN que os “Jogos Olímpicos são o único evento que reúne o mundo inteiro em uma competição pacífica”. “Eles são o símbolo mais poderoso de unidade em toda a nossa diversidade que o mundo conhece”. Em outro trecho da resposta diz que “Dada a participação diversificada nos Jogos Olímpicos, o COI deve permanecer neutro em todas as questões políticas globais.”

O esporte esquecendo compromisso universal que tem e os próprios documentos privados que elaborou.

O retrocesso do esporte

Em 2022, com dificuldades financeiras, a WTA não encontrou alternativas para compensar a perda de receitas da China. Isso gerou uma divisão estratégica entre seus executivos. Segundo a Sports Illustrate em outubro de 2024, alguns dirigentes defenderam que a volta do circuito para a era da China “crucial”.

Em maio de 2023, diante da falta de respostas concretas das autoridades chinesas e da crescente pressão financeira, a organização retirou e decidiu retomar os torneios no país, alegando ter recebido garantias informais de que Peng está seguro.

Esse retrocesso levanta questões preocupantes sobre a influência real do esporte na defesa dos direitos humanos. Se uma entidade como a WTA, que tomou uma posição firme contra a opressão, acabou cedendo, o que esperar de outras organizações esportivas que nunca assumiram um posicionamento semelhante?

O caso expõe a vulnerabilidade do esporte e reforça a ideia de que, muitas vezes, interesses econômicos acabam se sobrepondo às questões éticas. A falta de transparência no caso de Peng e a ausência de uma abordagem abrangente evidenciam as limitações das instituições econômicas na luta pelos direitos fundamentais.

Além disso, o retorno do circuito feminino à China sem esclarecimentos concretos sobre Peng Shuai pode ser interpretado como uma derrota para a causa dos direitos das mulheres. A WTA, antes celebrada por sua postura firme, passou a ser criticada por abandonar seus próprios princípios.

Vale lembrar que a entidade fragiliza a defesa dos direitos femininos também ao levar os finais da temporada de 2024 para a Arábia Saudita, um país com um histórico preocupante nessa área. Esse movimento contraditório sugere que o discurso sobre igualdade de gênero e direitos humanos pode ser facilmente moldado de acordo com os interesses comerciais do momento.

Quando o Estado silenciou o esporte

O caso também ressalta o poder da censura e do controle estatal sobre o esporte. O desaparecimento de Peng Shuai foi meticulosamente encoberto na China, onde referências ao seu nome foram removidas de redes sociais e mecanismos de busca.

Até hoje, há um enorme mistério sobre sua situação real, e seu paradeiro só é conhecido por meio de aparições esporádicas organizadas pelo governo chinês. Procure nas redes sociais, faça uma busca no Google. Eu fiz isso e não encontrei quase nada.

As raras aparições e entrevistas são acompanhadas de perto. Ela diz que esta bem, mas ” pode ou não estar dizendo o que realmente pensa — nós simplesmente não sabemos “, comenta Yaqiu Wang , pesquisador da China na Human Rights Watch.

Essa manipulação midiática evidencia os desafios enfrentados por atletas e instituições esportivas que tentam desafiar regimes autoritários, mostrando que o esporte, por si só, não tem força e resistência para garantir mudanças estruturais.

E agora?

A decisão da WTA de voltar à China sem obter respostas concretas sobre Peng Shuai deve servir como um alerta para o mundo esportivo. Se as entidades que regem o esporte querem se posicionar como defensoras dos direitos humanos, precisam estar dispostas defender seus princípios, mesmo quando isso implica perdas financeiras.

Lembrando que o esporte carrega em seus principais documentos a proteção de direitos humanos.

O caso de Peng não pode ser apenas uma nota de rodapé na história do tênis; ele deve ser um lembrete de que valores esportivos, como proteção da dignidade humana, não podem ser negociáveis.

No fim das contas, a pergunta que permanece é: onde está Peng Shuai? Essa incerteza por si só já é um sinal de que algo está errado.

Se o esporte deseja continuar sendo uma plataforma de mudança social e defesa dos direitos humanos, precisa aprender com esse episódio e entender que compromissos éticos não podem ser abandonados por conveniência econômica. Os princípios não podem ser negociados.

Enquanto isso, a bola vai de um lado para outro nas quadras de Miami.

Crédito imagem: Getty Images

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