O dia em que uma norma de direitos humanos devolveu medalha à corredora

O esporte não se dissocia dos direitos humanos, assim como o movimento jurídico privado do esporte não se separa do Direito. O caso da atleta russa que teve sua medalha no Mundial restituída é um exemplo emblemático dessa conexão.

O caso da atleta Tatyana Andrianova

Em agosto de 2015, a Federação Internacional de Atletismo (IAAF) decidiu reanalisar uma amostra de urina coletada da atleta russa Tatyana Andrianova durante o Campeonato Mundial de 2005. Com base nos novos resultados, a IAAF acusou-a de violação das regras antidoping.

O tribunal da IAAF impôs uma suspensão de dois anos (de setembro de 2015 a setembro de 2017) e determinou a perda da medalha de bronze conquistada por Andrianova em 2005.

O julgamento do TAS e a questão da prescrição

Inconformada, Andrianova recorreu ao Tribunal Arbitral do Esporte (TAS). Sua defesa contestou tanto a validade dos resultados analíticos quanto o fato de a ação disciplinar ter sido iniciada após o prazo prescricional aplicável à época – que era de oito anos.

Em abril de 2016, o TAS decidiu que a IAAF não poderia processar Andrianova, pois o prazo de prescrição já havia expirado (10 anos). O tribunal acolheu o argumento da atleta de que a nova legislação antidoping, que ampliou o prazo para dez anos, só teria validade a partir de 2013. Portanto, para as amostras coletadas em 2005, aplicava-se o regulamento vigente à época, que previa um limite de oito anos.

A decisão destacou que “os legítimos interesses processuais do ‘devedor’/’réu’ seriam violados se uma associação pudesse permitir retroativamente a perseguição de uma infração disciplinar já prescrita”. O painel arbitral entendeu que “o prazo de prescrição de 10 anos da Regra 47 do ADR de 2015 só pode ser aplicado aos casos que ainda não estavam prescritos em 1º de janeiro de 2015, ou seja, no momento da entrada em vigor do ADR 2015”.

Dessa forma, o processo contra Andrianova carecia de fundamento legal, e a punição foi anulada. A atleta teve seus resultados reconhecidos novamente e sua medalha de bronze no Mundial de 2005 restituída.

A compatibilidade com a CEDH e a aplicação retroativa de regras disciplinares

Esse caso representa uma das raras situações em que uma atleta contestou com sucesso as regras disciplinares de uma entidade esportiva com base na Convenção Europeia de Direitos Humanos (CEDH). O ponto central foi a tentativa de aplicação retroativa de um prazo prescricional mais longo a um caso já prescrito quando da entrada em vigor da nova regra.

Vale destacar que a proibição de retroação não se aplica a normas mais favoráveis, conforme reiterado pelos painéis do TAS com base no princípio da lex mitior, reconhecido pelo Tribunal Europeu de Direitos Humanos (TEDH).

Nesse aspecto, a CEDH e sua interpretação pelo TEDH têm sido consideradas pelo TAS em suas decisões. O esporte e o Direito caminham juntos, e ambos devem estar alinhados com a proteção dos direitos humanos.

Crédito imagem: Pavel1964 | Getty Images

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