No último dia 28 de maio, o Senado Federal aprovou o projeto de Lei n. 2.985/2023, que trata de (novas) restrições às propagandas das casas de apostas (bets). O projeto foi justificado pela necessidade de proteger o consumidor e de combater a ludopatia (doença causada pelo vício ou impulso do jogo).
A propaganda não foi totalmente proibida, mas limitações importantes foram implementadas. Permanecem permitidas, em geral, a veiculação de publicidade nos diferentes canais entre 19.30 e 24h (o que reduziria a exposição de menores de idade), a veiculação em rádio em dois períodos específicos (das 9 às 11h e das 17 às 19.30h), a exibição de publicidade nos canais das próprias operadoras (sites e apps) em qualquer horário (já que lá o acesso do usuário é voluntário) ou em quaisquer plataformas de redes sociais que exijam autenticação para que os usuários comprovem a maioridade, a veiculação de propaganda nos eventos esportivos ao vivo nos 15 minutos anteriores e posteriores às partidas ou equivalentes e a exibição das marcas dos operadores de apostas nas chamadas voltadas a anunciar a transmissão de eventos esportivos ocorridas das 21h às 6h, desde que não contenham convites, incentivos, odds ou promessas de ganhos.
Por outro lado, foram proibidas, em síntese, a veiculação de publicidade durante o evento esportivo transmitido ao vivo, assim como a divulgação das odds atualizadas em tempo real, o impulsionamento de conteúdo fora dos horários permitidos, o patrocínio direto a membros de equipe de arbitragem, a apresentação de publicidade que denotem as apostas como mecanismos de ascensão social, fonte de renda ou alternativa ao trabalho, o uso de recursos de publicidade destinados ao público infanto-juvenil, o envio de notificações por aplicativos sem o consentimento prévio do destinatário (opt in), a utilização, em publicidade, da imagem de atletas, ex-atletas artistas, comunicadores, influencers ou membros de comissão técnica, com exceção de ex-atletas (“não-artistas”) após 5 anos de encerrada a carreira (espécie de quarentena) e a proibição de publicidade estática ou eletrônica nos estádios ou praças esportivas equivalentes, com exceção do operador que seja patrocinador do evento, das equipes ou detentor de naming rights do estádio.
Nos parece que, em sua apreciação, o Senado Federal aprovou tais restrições mais apoiado em moralismos do que na efetiva necessidade de uma regulação equilibrada deste setor da economia. A velha cultura brasileira de que tudo se resolve com proibição, como que no sentido de “se não vamos proibir, vamos inviabilizar de vez este mercado”. O problema é que esta cultura sempre desagua no desencontro entre o ser e o dever ser.
É mais que salutar que haja preocupações com a questão da ludopatia, que já quase se tornando uma questão de saúde pública nos últimos tempos. Entretanto, nos parece que o caminho para o enfrentamento da questão não é do a via fácil do proibicionismo. A solução é cultural, de longo prazo e, especialmente, de conscientização social. Mas não gostamos do longo prazo, sempre optamos pelo imediatismo que não funciona!
É sabido que o setor de apostas no Brasil é autorizado, tributado e regulamentado. Na regulamentação que vigora atualmente, já há uma série de limitações à veiculação de publicidade, a preocupação com a exposição de menores à propaganda também é patente, além da existência de uma série de imposições aos operadores em relação à necessidade de veiculação de advertências em relação ao jogo responsável.
Sendo este mercado legalizado, beira a inconstitucionalidade um projeto que, na prática, quase inviabiliza o setor, fragiliza a noção de segurança jurídica e fere a livre iniciativa. É natural que os operadores que investiram no país, cumpriram as exigências legais e regulamentares, pagaram 30 milhões de reais pelas outorgas, agora busquem legitimamente o retorno do investimento e a alavancagem do negócio via publicidade, como ocorre em qualquer outro setor em um sistema capitalista. Além do mais, os agentes confiam que as regras do jogo, minimamente, serão mantidas.
A grande questão que mereceria ser investigada (e não decidida como base em sensações, impressões pessoais ou no senso comum) é a seguinte: as pessoas, especialmente os mais jovens, estão apostando mais por conta da publicidade? Ou por conta de uma cultura do ganho fácil que vai se espalhando pela sociedade e que já fazia as pessoas apostarem no mercado ilegal muito antes da regulamentação? Pois se o problema, de fato, for a publicidade, bastará a aprovação da lei e no dia seguinte este mercado se reduzirá pela metade. Sabemos muito bem que não é o caso.
Isto não quer dizer que a regulamentação atual das bets seja perfeita e não mereça eventual calibragem em relação às regras de publicidade. Mas, do ponto de vista da saúde pública em si, que representa o escopo das novas normas, não vemos a restrição à publicidade como o caminho para avanços. Nos termos que o projeto foi aprovado no Senado Federal, o mercado das apostas, repita-se, que é legal e autorizado, restará quase inviabilizado. Vale, a título ilustrativo, visualizar a vedação da veiculação da imagem de artistas, comunicadores e influencers nas peças publicitárias. Ora bolas, o uso da imagem de pessoas públicas é essencial para o mercado publicitário! A nosso ver, o Estado, que acabou de empreender a regulamentação do setor de apostas, é que deveria assumir o papel de conscientização da sociedade. É dele este papel, o que também já é, pode e deve ser apoiado pela tributação, na qualidade de atividade supérflua. Mesmo assim, com parcimônia, precisamente para evitar que os apostadores migrem para o mercado ilegal, sem qualquer tipo de controle ou supervisão estatal.
Além do mais, o projeto, a nosso sentir, é bastante contraditório. Em outro trecho, fica vedada a publicidade estática e eletrônica das bets nos estádios, mas a propaganda dos operadores que sejam patrocinadores ou detentores de naming rights fica excepcionada. Se a publicidade é nociva, a dos patrocinadores oficiais também deveria ser considerada como tal! Ou os recursos daí advindos valida tornar menos relevante a questão da saúde pública?! Se as casas de apostas patrocinam as principais competições nacionais (lhes emprestando nome, inclusive) e também quase todos os clubes da séria A, a publicidade estará nos estádios, permitida pela própria lei que pretendia o oposto! Os senadores acabaram tentando um equilíbrio de difícil obtenção e traindo seu escopo original. A Câmara dos Deputados, casa revisora, precisará se debruçar sobre o tema com mais cautela.
Para o futuro e, isto já restou esboçado em algumas das previsões do projeto, o que é elogiável, será preciso enfrentar com coragem a questão da publicidade, mas sob o viés do conflito de interesses e da imagem das competições. Algumas ligas europeias já avançaram nesse sentido. Por exemplo, queremos que as bets deem nome às competições e, ao mesmo tempo, patrocinem parte dos clubes participantes?
Enfim, o tema é complexo e efetivamente demanda atenção do parlamento brasileiro. A boa notícia é que os debates democráticos estão sendo travados em torno do tema. Por outro lado, reprisamos, o enfrentamento dos desafios envolvendo o mercado de apostas não deve ser inspirado em moralismos. Como sempre, aplicar soluções simples a problemas complexos nunca será a solução.
Crédito imagem: Banco de Imagens
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