A recente decisão do Estado brasileiro de legalizar o mercado de apostas esportivas, formalizada pelas Leis nº 13.756/18 e nº 14.790/23, representa uma escolha estratégica para trazer uma atividade antes marginalizada para a esfera da regulamentação.
Essa opção se fundamenta na premissa de que a ausência de normas claras e de fiscalização efetiva gera um leque de consequências negativas superiores aos potenciais benefícios de manter o setor na informalidade. Um ambiente desregulado propicia a atuação de agentes sem escrúpulos, fragiliza a proteção dos consumidores, facilita a ocorrência de crimes como a manipulação de resultados e a lavagem de dinheiro, e priva o Estado de uma importante fonte de arrecadação tributária.
Nesse contexto, é crucial reconhecer que os operadores de apostas legalizados compartilham o interesse do Estado em combater o jogo patológico, compreendendo que a sustentabilidade do mercado depende de práticas responsáveis e da proteção dos jogadores.
Diante desse cenário de legalização, a publicidade assume um papel fundamental, atuando como elo de comunicação essencial entre o mercado regulamentado e o público. Ela se torna o principal instrumento para informar os consumidores sobre quais casas de apostas estão devidamente autorizadas e licenciadas pelo Estado, diferenciando-as das plataformas ilegais e potencialmente danosas. Além disso, a publicidade responsável tem o potencial de veicular informações cruciais aos apostadores, esclarecendo quem está legalmente apto a participar e alertando sobre os riscos inerentes à atividade.
Para que essa comunicação cumpra seu papel de forma eficaz, é imprescindível que a publicidade observe requisitos como a clara indicação da faixa etária permitida, a promoção do jogo como forma de lazer e com moderação, e a veiculação de mensagens que contribuam para o combate ao jogo patológico – um objetivo que, em última análise, interessa aos próprios operadores para garantir a longevidade e a saúde do mercado.
Contrariamente aos objetivos da legalização – fiscalizar, controlar e arrecadar –, a proibição ou a imposição de restrições severas à publicidade no mercado de apostas traria efeitos contraproducentes. Limitar excessivamente a capacidade dos operadores legais de se comunicarem com o público equivaleria, na prática, a proibir a própria atividade, tornando ineficazes os esforços de regulamentação. Tribunais administrativos, como o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF), têm reiteradamente reconhecido a essencialidade da publicidade para plataformas que operam no ambiente digital.
O Acórdão nº 3201-012.196, referente a marketplaces, ilustra bem essa compreensão. Em um mercado intrinsecamente eletrônico, onde o contato com os consumidores se dá exclusivamente por meio de plataformas online, a publicidade, a propaganda e o marketing representam a única forma de atrair novos clientes e gerar receita, dada a ausência de estabelecimentos físicos com capacidade de atração tradicional. Essa lógica se aplica diretamente às plataformas de apostas online legalizadas.
Assim, proibir a publicidade significaria, na prática, proibir a própria atividade legalizada, contrariando a vontade do legislador manifestada nas Leis nº 13.756/18 e nº 14.790/23. Essa medida impulsionaria o público para o mercado ilegal, que opera sem quaisquer barreiras físicas ou mecanismos de proteção ao consumidor. Diferentemente de setores como o de álcool e cigarros, o mercado digital de apostas não possui fronteiras geográficas, facilitando o acesso a operadores ilegais baseados em outros países. Mais perverso ainda, limitar a publicidade dos operadores legais reduziria a arrecadação governamental, diminuindo os recursos disponíveis para combater precisamente esses operadores ilegais.
As principais críticas direcionadas à publicidade de apostas, como o alegado excesso, a sugestão de sucesso fácil e enriquecimento, e o alcance a crianças e adolescentes, devem ser enfrentadas por meio de uma regulamentação inteligente e de uma fiscalização rigorosa, e não por uma proibição generalizada. A experiência internacional em mercados regulamentados demonstra que os operadores legais, por terem elevados encargos tributários, investem menos recursos em publicidade, do que se observa em mercados não regulados, nos quais os operadores atuam muitas vezes a partir de paraísos fiscais, onde não pagam impostos. Ou seja, a simples regulamentação do mercado tende a reduzir o volume de publicidade naturalmente.
Quanto ao conteúdo enganoso, a regulamentação já prevê proibições, sendo fundamental o trabalho de fiscalização e a punição de infratores. Da mesma forma, a publicidade direcionada a menores já é vedada, exigindo-se um acompanhamento constante e a aplicação de sanções em caso de descumprimento.
A falta de uma fiscalização mais rigorosa no mercado brasileiro, que se iniciou apenas em janeiro de 2025, decorre da falta de pessoal e de investimentos por parte do Governo Federal em tecnologia. Esse é um problema central que precisa ser endereçado com urgência, e o primeiro passo é verificar se os recursos arrecadados com a atividade de apostas estão sendo efetivamente destinados à Secretaria Prêmios e Apostas (SPA) do Ministério da Fazenda e demais entes reguladores para o fortalecimento da sua capacidade de supervisão.
Em resumo, o caminho para um mercado de apostas saudável e responsável passa por uma regulamentação equilibrada e por uma fiscalização eficaz, e não pela eliminação de uma ferramenta essencial para a comunicação e para a própria existência dos operadores legais.
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