Notícia fidedigna e de qualidade registra que a jogadora de vôlei do Fluminense, Priscila Heldes, disputa uma partida da superliga com uma gestação de quase seis (6) meses contra o Sesi Bauru. Mesmo sob as orientações estruturais médicas e psicológicas da sua entidade empregadora,[1] resta o questionamento sobre a saúde, segurança, medicina e higiene no trabalho, matéria de direito humano fundamental, indisponível pelas partes contratuais.
Este não é um acontencimento inédito no vôlei brasileiro, há décadas a falecida e ex-jogadora, Isabel Salgado, em entrevista para uma famosa jornalista do Brasil, revela que nas últimas três (3) gravidez das quatro que teve, atuou gestante em competições com a “barriga proeminente” sem precisar exatamente com quantos meses estava.[2]
A respeito do tema, não se cogita exposição de “mensageiro do caos”, tampouco representante do “estorvo à indústria do esporte”, mas tão somente realizar algumas observações críticas na dimensão trabalhista desportiva.
No caso atual da jogadora Priscila Heldes, parece que o empregador desportivo disponibilizou toda a sua estrutura médica e psíquica, como deve ser, para que a jogadora exercesse a sua principal obrigação contratual laboral, qual seja, a participação em partida oficial.
Nessa esteira, a depender do tempo e tipo de gestação, mediante autorização médica, com a evolução dos meios tecnológicos hodiernos, pensa-se que cada vez mais as atletas gestantes possam praticar a sua atividade profissional, tornando-se especificamente, em estágios iniciais de gestação, algo mais próximo com o que se visualiza na realidade prática de várias outras espécies laborais.
No entanto, recorde-se, o trabalho esportivo não está completamente alijado das normas de proteção laboral, embora a aplicação da legislação geral do trabalho não se adeque totalmente à realidade do labor desportivo (art. 28, § 4o, da Lei n. 9.615/98-Lei Pelé e art. 85, caput, da Lei n. 14.597/23-Lei Geral do Esporte-LGE). Jogadoras profissionais não podem correr risco à saúde própria e a do bebê, sendo a responsabilidade primária e imediata do seu empregador.
Incontestável é, neste aspecto de gestação das atletas profissionais, que a LGE já “nasceu” por completo defasada, ao não prescrever nenhum detalhe de limites e direitos pertinentes, tais como: até que mês poderiam atuar as atletas; se estariam autorizadas em participar efetivamente de competições durante todo o período ou até que parte da gestação; quando poderia começar a licença maternidade e quanto tempo ela deveria durar; quanto tempo haveria de garantia no emprego (estabilidade provisória) para que a jogadora pudesse se recompor e retornar ao trabalho, dentre outros.
A despeito de o art. 86, § 10, da LGE dispor que até os contratos de natureza civil não podem impor qualquer tipo de condicionamento relativo à gravidez, licença maternidade ou questões de maternidade em geral, constitui-se muito vazio e genério, de pouca serventia a realmente solucionar a situação diferenciada da gestação atlética, sem contemplação das indagações expostas no parágrafo anterior, por exemplo.
Repise-se, conforme se verifica, a LGE “veio à luz” muito superada em relação a várias questões, dentre elas, essa notável falta de norma protetiva sobre a gestação das jogadoras trabalhadoras. Iure constituto, a Lei deveria prevê um tempo diferenciado de licença maternidade, os limites de participação da atleta grávida em treinos e competições, de acordo com o tempo de gravidez e as autorizações médicas, assim como o salário maternidade e garantia de trabalho desportivo diante do estado gravídico.
Atualmente, só o que há são normas federativas de sanção desportiva da FIFA aos empregadores do futebol que despedem atletas discriminatoriamente pelo estado da gravidez, o que não é o suficiente para a evolução do trabalho desportivo feminino (art. 18-Quarto do Regulamento sobre o Estatuto e Transferência de Jogadores da FIFA).[3]
Sobre Priscila Heldes, depreende-se das notícias que a estrutura do empregador desportivo, incluindo o acompanhamento médico, teria liberado a jogadora para a competição com seis meses de gravidez, poder-se-ia pensar que em um esporte sem muito contato físico com o adversário, isto seria plausível, mas restam questionamentos: se uma bolada de ataque dos adversários tivesse atingido a barriga da atleta grávida, qual seria o risco de dano irreversível? Quanto ao plano desportivo, não intimida às adversárias terem que desviar com muita proficiência a direção da bola na hora do ataque, o que não acontece em vias competitivas sem gravidez?
De todo modo, na falta de norma específica que seja eficiente quanto à gravidez no trabalho desportivo, consoante já se defendeu em outras oportunidades, pela situação requerer proteção social fundamental (direito humano fundamental de segunda dimensão), aplica-se diretamente a legislação geral do trabalho sobre o estado gravídico às atletas trabalhadoras.[4]
Portanto, em aplicação direta, as jogadoras empregadas detêm da melhor forma possível o direito à licença maternidade com o respectivo salário, através do resguardo do art. 7o, XVIII, da CF/88, reproduzido nos arts. 391 a 392 da CLT.[5]
Reitera-se, desde o momento da confirmação da gravidez até cinco meses após o parto, às jogadoras também é devida a estabilidade (ou garantia de emprego) provisória em decorrência da maternidade, por aplicação direta do art. 10, II, b), da ADCT/CF/88, art. 391-A da CLT e Súmula n. 244, III, do Colendo Tribunal Superior do Trabalho (C.TST), pois a Lei Pelé e a LGE são omissas. Entretanto, mesmo que existisse previsão contrária ao texto da Constituição, a norma infraconstitucional não pode contrariar a norma constitucional, sob pena de ser juridicamente inválida e possivelmente removida ou ignorada da ordem jurídica por decisão do Excelso Supremo Tribunal Federal (E.STF).[6]
Por demais, acredita-se que possa um dia existir norma mais nítida quanto à possibilidade de as jogadoras grávidas trabalharem nos treinamentos/competições a depender do tipo de esporte e o tempo de gravidez, com acompanhamento médico e toda a estrutura do seu empregador.
Ressalve-se, no momento atual da ordem jurídica brasileira, a jogadora grávida pode se recusar a realizar treinamentos e a participar em competições que ponham em risco a sua gravidez, apoiada pelo art. 7o, XX, XXII, XXVIII, da CF/88 e as demais normas laborais vigentes sobre higiene, saúde e segurança no trabalho (CLT e NRs do Ministério do Trabalho e Emprego).
At last but not least, em casos como o da jogadora Priscila Heldes, é bom que os empregadores desportivos diminuam bastante o risco que correm ao apoiar as atletas que desejam continuar atuando em competições e treinos, pois nada impede que sejam processados ao acontecer um desastre, resultante em perda da gravidez, mesmo com o consentimento da jogadora, pois continuam responsáveis diante das normas jurídicas descritas ao longo deste texto, sendo excetivas as chances de exclusão da responsabilidade.
Crédito imagem: MAILSON SANTANA/FLUMINENSE FC
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[1] FREIXO, André. Grávida de seis meses, Priscila Heldes, do Fluminense, joga pela superliga e abre debate sobre maternidade no esporte. Disponível em: <https://rtiesporte.com.br/gravida-de-seis-meses-priscila-heldes-do-fluminense-joga-pela-superliga-e-abre-debate-sobre-maternidade-no-esporte/>. Acesso em: 25 abr. 2025.
[2] GENTIL, Fernanda. Ao lado da filha Carol, Isabel lembra como foi jogar vôlei durante a gravidez. Mamãe Gentil. Disponível em: <https://ge.globo.com/eu-atleta/mamae-gentil/guia/ao-lado-da-filha-carol-isabel-lembra-como-foi-jogar-volei-durante-gravidez.html>. Acesso em: 25 abr. 2025.
[3] FIFA. Regulations on the status and transfer of players. Disponível em: <https://digitalhub.fifa.com/m/620d0240c40944ed/original/Regulations-on-the-Status-and-Transfer-of-Players-October-2022-edition.pdf>. Acesso em: 27 abr. 2025.
[4] RAMOS, Rafael Teixeira. Jogadoras profissionais e o direito à maternidade. Disponível em: <https://leiemcampo.com.br/jogadoras-profissionais-e-o-direito-a-maternidade/>. Acesso em: 27 abr. 2025., e RAMOS, Rafael Teixeira. Jogadoras profissionais e a estabilidade provisória pelo estado gravídico. Disponível em: <https://leiemcampo.com.br/jogadoras-profissionais-e-a-estabilidade-provisoria-pelo-estado-gravidico/>. Acesso em: 27 abr. 2025.
[5] Entendimento já defendido em RAMOS, Rafael Teixeira. Direito do trabalho desportivo: escritos práticos e teóricos atuais. Leme-SP: Mizuno, 2024, p. 40.
[6] Posicionamento firmado já firmado em Id. Ibid., 2024, p. 40-41.