No último dia 14 de maio, a Justiça do Trabalho de Blumenau proferiu uma decisão drástica: proibiu o Clube Atlético Metropolitano de Santa Catarina de registrar atletas e disputar competições organizadas pela Federação Catarinense de Futebol (FCF) e pela Confederação Brasileira de Futebol (CBF), até que salde uma dívida trabalhista inferior a R$ 800 mil, acumulada há quase uma década.
A decisão, embora bem-intencionada e juridicamente fundamentada no art. 139, IV do CPC (medidas coercitivas atípicas para garantir a efetividade da execução), abre um precedente perigosíssimo para a autonomia do esporte brasileiro e para o princípio da continuidade empresarial. A Justiça, que deveria arbitrar o jogo, resolveu vestir a camisa de um dos times — e interferir diretamente no resultado.
A autonomia esportiva e a Constituição esquecida
O art. 217, I, da Constituição Federal é claro: às entidades desportivas é assegurada autonomia quanto à sua organização e funcionamento. Isso inclui, por evidente, a organização de campeonatos, o registro de atletas e a aplicação de normas técnicas.
O Supremo Tribunal Federal, ao julgar o Tema 777 da repercussão geral, fixou que a intervenção judicial nesses domínios só se justifica em hipóteses excepcionais: ilegalidade manifesta, discriminação ou ofensa a direitos fundamentais. Nada disso se verifica no caso do Metropolitano.
A decisão da 2ª Vara do Trabalho, ao determinar a exclusão do clube de competições esportivas e a proibição de registros de atletas, interfere diretamente no núcleo da atividade esportiva — e, portanto, na autonomia garantida constitucionalmente.
O princípio da continuidade da empresa e a lógica invertida da execução
Outro princípio pisoteado com entusiasmo é o da continuidade da atividade econômica, previsto no art. 170 da Constituição. O Metropolitano pode não ser uma multinacional, mas gera empregos diretos e indiretos, desenvolve atletas, movimenta a economia local e exerce função social importantíssima. A decisão judicial, ao impedi-lo de competir, retira justamente o oxigênio que ele precisaria para pagar suas dívidas.
Executar uma empresa paralisando sua fonte de receita é como cobrar uma dívida de alguém impedindo-o de trabalhar. A medida, longe de resolver a inadimplência, apenas aprofunda a falência moral e financeira do devedor.
O tiro pode sair pela culatra
Na ânsia de fazer justiça a atletas e funcionários que esperam há anos por seus créditos, a decisão pode, na prática, gerar o oposto: a inviabilização total da entidade, a dissolução do elenco, o cancelamento de contratos e a extinção da dívida por ausência de quem a pague. Em outras palavras, um final trágico para todos — inclusive para os credores.
Mais que isso: a medida abre espaço para que qualquer débito trabalhista não pago — mesmo com nova gestão e sem dolo — seja suficiente para excluir clubes de competições, gerando um efeito dominó que pode atingir dezenas de entidades, especialmente nas divisões de acesso.
Justiça sim, intervenção não
Ninguém aqui está defendendo o calote. A dívida existe, deve ser cobrada, executada e, se necessário, garantida por meios coercitivos. Mas há limites — e o limite é a preservação da função social do clube e do próprio sistema esportivo.
É possível penhorar cotas de TV, patrocínios, premiações, contratos de atletas. É possível, inclusive, buscar a desconsideração da personalidade jurídica se houver fraude. Mas a paralisação das atividades desportivas é medida de força bruta, desproporcional e contraproducente.
Conclusão: o campo tem regras
A Justiça pode e deve agir no esporte quando há desvio de finalidade, condutas antijurídicas e violação de direitos. Mas não pode esquecer que o jogo tem regras, e que o Judiciário também é limitado pelo texto constitucional.
Se a cada dívida não paga o juiz puder tirar o time de campo, então não precisaremos mais de campeonatos — bastará consultar o andamento processual no PJe.
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