SAFs, transparência e gestão financeira: um alerta diante dos primeiros sinais de colapso

A implementação da Sociedade Anônima do Futebol (SAF), prevista na Lei nº 14.193/2021, trouxe ao cenário esportivo nacional a expectativa de reorganização econômica e profissionalização da gestão nos clubes brasileiros. A promessa era de estabilidade financeira, racionalidade administrativa e respeito aos princípios da governança corporativa.

No entanto, as dificuldades enfrentadas por algumas SAFs nos primeiros anos de operação revelam fragilidades estruturais relevantes. Recentes declarações públicas de dirigentes de uma dessas organizações indicam inadimplemento salarial, atrasos no cumprimento de obrigações com atletas e comissões técnicas, além de insucesso na captação de recursos esperados via mercado. Tudo isso em um contexto de elevação da taxa de juros e imprevistos operacionais relevantes.

O desafio da governança na transição de modelo

É necessário reconhecer que a migração para o modelo SAF não é, por si só, garantia de solvência ou eficiência. Trata-se de uma nova formatação jurídica que, para produzir os efeitos esperados, demanda:

  • Planejamento financeiro de médio e longo prazo (art. 10 da Lei 14.193/21);
  • Gestão responsável do passivo anterior, conforme previsto no Regime Centralizado de Execuções (arts. 14 a 16);
  • Cumprimento das obrigações legais da Lei das S.A. (Lei 6.404/76) quanto à prestação de contas, transparência e publicidade;
  • Adoção de estruturas de governança corporativa, com comitês de auditoria, códigos de conduta e política de riscos bem definidos.

Sem isso, a SAF corre o risco de apenas substituir o modelo associativo por uma estrutura empresarial com os mesmos vícios de opacidade, personalismo e improviso gerencial.

Captação frustrada, juros elevados e ausência de accountability

O cenário descrito indica que, embora tenha havido arrecadações relevantes em exercícios anteriores, o nível de endividamento permanece elevado e as medidas de contenção e reorganização ainda não se mostraram eficazes. Soma-se a isso a frustração de expectativas de captação no mercado, que, embora amplamente divulgadas em ciclos anteriores, não se concretizaram, comprometendo o fluxo de caixa e a credibilidade da nova estrutura.

Ademais, constata-se que, em certos casos, a liderança executiva não possui formação técnica especializada em finanças, o que compromete a qualidade das decisões estratégicas em momentos críticos.

A ausência de participação e controle social

Outro ponto de alerta é a redução da participação dos associados e torcedores nos processos decisórios. Ao contrário do modelo associativo, em que há previsões estatutárias para assembleias gerais, eleições e mecanismos de fiscalização interna, muitas SAFs foram estruturadas de forma centralizada, com pouca ou nenhuma participação social.

Esse desenho institucional, embora juridicamente viável, fragiliza o controle social sobre as decisões empresariais e dificulta a responsabilização por eventuais descumprimentos contratuais, orçamentários ou estratégicos.

Considerações finais

O modelo SAF pode representar um marco na modernização da gestão esportiva brasileira. No entanto, quando implementado sem controle, governança efetiva e accountability, converte-se apenas em uma mudança de fachada.

Os casos que começam a apresentar desequilíbrio entre expectativa e realidade financeira precisam ser analisados com seriedade, especialmente à luz da função social do clube esportivo, mesmo sob regime empresarial.

É necessário reafirmar que transparência, profissionalismo e participação não são acessórios opcionais da SAF: são pressupostos de sua viabilidade.

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