Simulação voluntária para recebimento de cartão como manipulação de resultados no futebol

O crescimento das apostas esportivas no Brasil e no mundo trouxe a manipulação de resultados como um fenômeno de grande preocupação para as entidades reguladoras do esporte. Dentre as formas mais sutis e difíceis de se detectar, encontra-se a prática de forçar intencionalmente cartões, amarelo ou vermelho, em partidas oficiais.

Embora, à primeira vista, tal conduta possa parecer de menor gravidade, seu enquadramento jurídico-desportivo revela-se sério, podendo ser caracterizado como violação à integridade da competição, ensejando sanções administrativas, desportivas, civis e penais.

Ao se propor uma análise detalhada sob a ótica do ordenamento jurídico brasileiro e das normas internacionais, parte-se do conceito de manipulação de resultados e a sua respectiva tipificação.

A manipulação de resultados se configura quando há interferência intencional no desenvolvimento natural de uma competição com o objetivo de alterar ou influenciar indevidamente seu curso, normalmente para obtenção de vantagem econômica. Com a Lei nº 14.790/2023, o Brasil regulamentou o mercado de apostas esportivas, mas também passou a enfrentar os riscos associados às condutas fraudulentas no esporte.

Do ponto de vista penal, projetos de lei como o PL 3.626/2023 visam tipificar de forma autônoma o crime de fraude esportiva, prevendo reclusão de 2 a 6 anos e multa. No plano desportivo, o Código Brasileiro de Justiça Desportiva (CBJD) traz dispositivos relevantes, como o art. 243 e 243-A do CBJD. Ou seja, atuar deliberadamente, de forma prejudicial à equipe que defende, ou manipular resultado, conduta ou evento da partida, inclusive em benefício próprio ou de terceiros, podendo culminar em ambos os casos em multa e suspensão, e no segundo tipo infracional, em caso de reincidência, a eliminação do atleta ou membros da equipe que sejam jurisdicionados da Justiça Desportiva.

Portanto, forçar um cartão, mesmo sob o pretexto de “limpar” pendências para fases decisivas, se realizado com dolo e fora do contexto técnico da partida, pode ser enquadrado como ato de manipulação do evento esportivo.

No que tange aos padrões internacionais, o Código Disciplinar da FIFA, assim como demais documentos, como o FIFA Integrity Handbook, estabelecem que qualquer conduta que interfira deliberadamente em eventos do jogo (incluindo cartões, escanteios, etc.), seja por jogadores, técnicos ou terceiros, compromete a lisura da competição.

A UEFA, a CONMEBOL e outros organismos continentais igualmente tratam do tema com rigor. A prática de forçar um cartão para satisfazer apostas combinadas ou estratégias extracampo rompe o princípio da imprevisibilidade do resultado, essencial para a credibilidade do esporte.

Há diversos precedentes internacionais que reforçam o entendimento de que ações intencionais para manipular estatísticas específicas do jogo são puníveis. O caso de Daniel Sturridge, ex-jogador do Liverpool, é exemplar: foi suspenso por instruir terceiros a apostarem sobre sua transferência. Ainda que não se tenha provado dano direto à partida, o simples uso de informação privilegiada e o impacto potencial à integridade do evento foram considerados suficientes para a sanção.

No Brasil, a Operação Penalidade Máxima, conduzida pelo Ministério Público de Goiás, investigou atletas que forçavam cartões para atender objetivos previamente acordados com apostadores. Isso resultou em denúncias criminais, afastamentos, punições disciplinares e rescisões contratuais.

Como implicação à simulação voluntária de infração para receber cartão, o atleta pode incorrer no art. 243-A do CBJD, podendo ser apenado com suspensão por até 720 dias, podendo ter o seu contrato especial de trabalho desportivo rescindido por justa causa, perder apoio comercial de patrocinadores, e até ser banido do esporte em caso de reincidência. Por sua vez, o clube pode ser responsabilizado se restar comprovada a anuência ou conhecimento, nos termos do art. 191 do CBJD.

A prática dessa conduta lesa torcedores, patrocinadores, casas de apostas e a própria entidade de administração, sendo passível de ação de responsabilidade civil e até intervenções regulatórias por órgãos governamentais.

A mitigação desse tipo de conduta exige o fortalecimento dos programas de compliance esportivo, com foco em treinamento de atletas e comissões técnicas sobre integridade e conduta ética, implementação de sistemas de monitoramento de apostas e alertas de comportamento anômalo, estreitamento de cooperação entre clubes, CBF, MP, STJD, casas de apostas e FIFA e a criação de canais anônimos para denúncia e proteção ao denunciante.

A autonomia da organização esportiva (art. 217 da CF e art. 26 da Lei Geral do Esporte) deve ser usada para reforçar mecanismos internos de integridade, sem abrir mão da possibilidade de intervenção estatal quando houver ofensa a direitos indisponíveis ou risco à ordem pública.

O Brasil, ao regulamentar as apostas esportivas, também assume a responsabilidade de garantir a integridade esportiva. A atuação da Justiça Desportiva e de todos os demais integrantes que movimentam o esporte, dentro e fora de campo, nesse contexto, deve ser instrumento de preservação da ética e da transparência, garantindo que o esporte continue sendo campo de mérito, superação e justiça. O atleta que atua em sentido contrário deve ser responsabilizado, de forma pedagógica, exemplar e proporcional.

Crédito imagem: Banco de Imagens

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