STF, CBF e os limites da intervenção judicial

A autonomia das entidades esportivas, diversas ocasiões citadas neste espaço acadêmico e, há muito consagrada no ordenamento jurídico brasileiro e reiterada pela FIFA como cláusula pétrea de governança esportiva, volta ao centro do debate jurídico com o julgamento no STF envolvendo a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) e seu presidente Ednaldo Rodrigues. A decisão do ministro Gilmar Mendes, que suspendeu os efeitos da anulação da assembleia que o reconduziu à presidência, é o mais recente capítulo de uma disputa que tensiona os limites entre autodeterminação esportiva e controle judicial.

Conforme destacou o artigo publicado pela coluna Lei em Campo no UOL em 6 de maio de 2025, o Supremo Tribunal Federal irá julgar a validade da assembleia da CBF que alterou seu estatuto e garantiu a eleição de Ednaldo. O processo gira em torno da alegação de vício de origem no acordo que possibilitou sua eleição, inicialmente validado pelo ministro Mendes, mas agora sob contestação.

O caso levanta uma questão crucial: até que ponto o Judiciário pode interferir nas decisões internas de uma entidade desportiva sem que isso represente violação ao princípio da autonomia esportiva previsto no artigo 217 da Constituição Federal?

O art. 26, §2º da Lei Geral do Esporte (Lei 14.597/2023) reforça que o esporte de rendimento é regido por normas nacionais e internacionais. A FIFA, por sua vez, é clara em seu estatuto: não é permitida interferência estatal em federações filiadas, sob pena de sanções como suspensão ou exclusão de competições oficiais (art. 14 e 19 do Estatuto da FIFA).

A autonomia representa uma característica essencial das entidades esportivas em âmbito global, prevista na Carta Olímpica. Referido princípio estabelece limites à interferência estatal e foi reconhecido tanto pela Assembleia Geral das Nações Unidas (ONU) quanto pela Constituição Federal brasileira. Seu objetivo principal é evitar qualquer ingerência externa indevida que possa comprometer a imprevisibilidade dos resultados esportivos, a integridade das competições e o equilíbrio do ordenamento jurídico transnacional conhecido como Lex Sportiva.

A expressão Lex Sportiva refere-se ao conjunto normativo autônomo e transnacional de natureza privada, formado por entidades e organizações do esporte, seus regulamentos internos, códigos de conduta e mecanismos de resolução de disputas — incluindo os tribunais especializados que integram esse sistema. Já o esporte de alto rendimento se submete simultaneamente à regulação por normas jurídicas nacionais e internacionais, bem como às regras específicas de cada modalidade, as quais são aceitas e aplicadas pelas respectivas entidades responsáveis por sua administração e regulação.

A própria CBF, em nota oficial repercutida pela Gazeta Esportiva (06/05/2025), reiterou que qualquer intervenção judicial na sua governança pode colocar em risco a participação do Brasil em competições internacionais, caso a FIFA entenda haver quebra do princípio da independência institucional.

A decisão liminar do ministro Gilmar Mendes, portanto, não apenas restabeleceu Ednaldo Rodrigues, como também buscou evitar um cenário de instabilidade institucional com potencial sanção internacional à CBF, cenário que remonta a episódios ocorridos em países como Nigéria, Guatemala e Kuwait.

O dilema jurídico posto é delicado: por um lado, se houver indícios de fraude eleitoral, o Judiciário tem legitimidade para agir com base nos princípios constitucionais da legalidade e moralidade administrativa. Por outro, se essa intervenção comprometer o funcionamento da entidade ou ferir normas da FIFA, há risco de severas punições ao futebol brasileiro.

Casos anteriores ilustram o problema como com o que ocorreu com a seleção da Nigéria, em 2014, onde a intervenção judicial levou à suspensão da federação pela FIFA; seleção do Kuwait, em 2015, em que houve suspensão após ingerência estatal nos processos da federação; e o caso Rayo Vallecano vs. FIFA, em que a Corte Federal Suíça confirmou a validade da cláusula de arbitragem da FIFA, impedindo que cortes civis interfiram em processos desportivos.

O STF tem, portanto, nas mãos um julgamento de alto impacto. Qualquer decisão que afaste Ednaldo sem o esgotamento das instâncias internas pode ser vista como violação da autonomia e abrir margem para punições ao Brasil no cenário internacional. Por outro lado, manter a estrutura atual sem a devida análise de sua legalidade pode consolidar vícios institucionais graves.

A solução, conforme já apontado por juristas especializados, está no diálogo entre o direito constitucional e o direito desportivo, respeitando os princípios da autorregulação das entidades e o devido processo legal. O Judiciário pode — e deve — agir, mas com a cautela necessária para preservar a integridade do sistema esportivo nacional e sua inserção no contexto global.

Crédito imagem: CBF/Divulgação

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