Não é de hoje que a disputa do poder na CBF vem movimentando os bastidores do futebol nacional. Foram tantas as turbulências que os últimos Presidentes da entidade sequer conseguiram terminar seus mandatos.
Nos últimos tempos, foram vários os conflitos entre diferentes grupos políticos e que acabaram desaguando na judicialização do processo eleitoral da entidade. Liminares foram concedidas, outras revogadas e a insegurança jurídica resultado dos inúmeros impasses acabou interferindo e atrasando a definição do técnico da seleção brasileira e, em última análise, poderia até resultar na desfiliação da CBF pela FIFA por conta da interferência estatal nos processos internos, na autonomia e do funcionamento da cadeia associativa que governa, às vésperas do novo Mundial de Clubes e da Copa do Mundo.
O último Presidente, Ednaldo Rodrigues, que tinha acabado de ser conduzido a um novo mandato por aclamação de clubes e federações, acabou sendo destituído do cargo por (nova) decisão judicial. Com seu natural enfraquecimento político e, após a desistência por parte do ex-Presidente de sua empreitada judicial para retornar ao cargo, novas eleições foram marcadas e realizadas no último domingo. Assumiu o cargo Samir Xaud, oriundo da Federação Roraimense de Futebol (FRF), com pouca experiência diretiva no esporte, apoiado por 25 das 27 federações estaduais e por apenas 10 dos 40 clubes das séries A e B do Campeonato Brasileiro.
Como já viemos comentando em colunas anteriores, não há uma verdadeira democracia da CBF. Desde a reforma estatutária de 2017, o sistema de pesos diferenciados nas votações (as federações estaduais com peso 3, clubes da série A com peso 2 e da série B com peso 1) faz com que a definição, na prática, do processo eleitoral, fique nas mãos nas federações. Claramente, há uma cláusula de barreira que impede a pluralidade de candidaturas. Não á toa, os últimos processos eleitorais foram marcados por candidaturas únicas e votações por aclamação. As federações locais constroem sua base de apoio, lançam seu candidato sabedoras de que nenhum outro postulante conseguirá o apoio mínimo de 8 federações para se habilitar à disputa e os clubes, sem qualquer possibilidade de esboçar reação, acabam por apoiar as candidaturas únicas evitando desgastes com os futuros presidentes. A costura política é complexa.
O fato de, neste último pleito, muitos clubes terem fincado posição e deixado de aclamar o novo Presidente pode ser interpretado com um bom sinal, ao menos no sentido que mais diálogo será necessário e exigido. Por outro lado, os compromissos assumidos com as federações locais em busca de sustentação política é o principal fator que dificulta o enfrentamento de um dos maiores problemas estruturais do futebol nacional: o calendário. Sem acabar com ou reduzir drasticamente os campeonatos estaduais, os quais são, em sua esmagadora maioria, deficitários, será impossível descomprimir o aperto de datas entre maio e novembro de cada ano que obriga os clubes a escolher competições e a desprestigiar o Campeonato Brasileiro.
Em seu discurso de posse, o novo Presidente até fez uma sinalização positiva, no sentido que os estaduais serão reduzidos para 11 datas. Mas a questão é que uma redução ainda maior seria necessária (se é que esta que foi anunciada irá se confirmar). Além do mais, apenas isto não basta. É preciso garantir um calendário que garanta a sobrevivência dos clubes de menor investimento, e tal escopo só será alcançado quando a CBF dedicar tempo, atenção e recursos para criar (muitas) novas divisões para o Campeonato Brasileiro para além de série D (afinal, somos um país continental).
Os clubes, por sua vez, apesar da “grita”, ainda parecem não ter consciência do seu papel no processo de transformação do futebol nacional. Dias antes das eleições, soltaram um manifesto com cobranças à CBF, tais como mudanças no processo eleitoral (o que é salutar), profissionalização da arbitragem (os árbitros já são profissionais!), participação na elaboração dos calendários, estabelecimento de regras de fair play financeiro e compromisso com a criação da liga de clubes.
Ora bolas, a iniciativa para a criação da liga precisa partir dos clubes! A CBF só entra em cena apenas a posteriori, para efeito de chancela. Os próprios clubes estão divididos em 2 grupos (LIBRA e LFU), os quais só se preocupam com negociação de direitos televisivos e nunca conseguem construir um mínimo consenso sobre qualquer questão. Não há o que se exigir da CBF nesta esfera. Os clubes deveriam aproveitar o momento do boicote eleitoral, com maior poder de barganha, para unificar a liga e dentro dela criar parâmetros para definição de calendário, padronização de gramados e criação de um modelo de sustentabilidade financeira. No fundo, tudo indica que as agremiações sabem que não serão capazes de construir consensos pensando no coletivo. Reclamam, reclamam, mas acabam gostando de depender da CBF. Tudo fica parecendo verdadeira cortina de fumaça. Ao final, tudo acaba se acomodando com dantes.
Enfim, o que esperar daqui em diante? Só o tempo dirá. Mas arriscamos ser legítimo supor que a tendência é a de que mudanças estruturais e profundas não se avizinham. Enquanto os processos internos das instituições não forem aperfeiçoados e permanecerem viciados, a esperança com a troca de bastão tende a se esvair rapidamente.
Crédito imagem: CBF/Divulgação
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