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133 anos depois da abolição, inserir negros em postos de comando é desafio também no esporte

A luta contra o preconceito é permanente. Mas datas são sempre importantes para proteger a história e oxigenar ideias. O dia 13 de maio – da Lei Áurea, que aboliu oficialmente a escravidão no Brasil – é uma dessas. E 133 anos depois da abolição, é fácil se constatar que a inserção do negro em postos de comando segue distante, na sociedade e no comando do esporte.

São incontáveis os casos de injúria racial na vida e no esporte. Mesmo sem público nos estádios, as ofensas raciais se apresentam virtualmente. O futebol inglês boicotou as redes sociais na semana passada como forma de protesto contra esse crime. A UEFA e outras federações também apoiaram a iniciativa.

O combate ao preconceito no esporte – e na sociedade – passa também pela questão da representatividade.

Vou lembrar aqui de duas iniciativas que merecem ser analisadas sempre. Uma esportiva, na Inglaterra. Outra, corporativa, por aqui.

Na Inglaterra uma iniciativa ineficaz

A Liga Inglesa de Futebol (EFL) decidiu enfrentar o problema da falta de representatividade negra em postos de comando no futebol inglês criando uma regra.

Ela tem uma política – chamada de “Regra de Rooney” – em que os clubes devem ter no processo de seleção pelo menos um candidato negro, ou asiático, ou de etnia minoritária para uma vaga administrativa, o grupo chamado BAME. Mas existem brechas para o clube não cumprir essa regra. Por exemplo, ela não precisa ser cumprida se não houver um processo de seleção e for ouvido apenas um candidato. Além disso, não existe punição para clube que não cumprir a regra.

Depois de um projeto piloto de 18 meses, a EFL introduziu a política em 2019 – depois que os clubes votaram a favor – se tornando a única liga na Europa a ter um regulamento nesse sentido.

No futebol inglês, segundo dados da BBC de 2020, existiam apenas seis gerentes da BAME (Black, Asian and minority ethnic – negros, asiáticos e minorias étnicas) entre os 91 principais clubes do país.

A ideia sofre com o mecanismo de execução.

“Você não será responsabilizado. É como mergulhar os dedos dos pés sem nadar”, disse Troy Toowsend, dirigente da organização de combate ao racismo e busca pela inclusão Kick it Out.

A Premier League não adotou a ‘regra de Rooney’ – e, segundo a BBC, não tem planos de adotar.

A escolha da Magalu

Um processo de seleção no ano passado para um programa de trainne de uma rede varejista brasileira tem muito a ensinar ao movimento esportivo no combate ao racismo. É que ele ataca a falta de representatividade negra em postos de comando, na sociedade em geral e no esporte.

A seleção para o programa de trainee da Magazine Luiza, que só aceitou negros, provocou no final de 2020 uma grande polêmica nas redes sociais . Sim, teve gente que criticou a decisão da empresa.

E fica difícil concordar com quem caminhou para esse lado.

A iniciativa da Magalu veio depois de uma análise que chegou a um número que provocou uma grande reflexão interna. Apenas 16% dos representantes de lideranças da empresa são negros.

No comunicado, a rede diz que “para uma empresa que prega o valor das pessoas e da diversidade e que celebra todos os dias o Brasil, um país multirracial. Seria uma hipocrisia fechar os olhos e assumir que não há alguma coisa errada. É claro que há. Partindo do princípio de que não somos uma empresa racista e que acreditamos no poder da diversidade, onde está o problema?”

Isso é racismo estrutural. Aquele silencioso, que perpetua uma cultura de abandono e preconceito contra os negros, mantendo o privilégio branco escondido no discurso da “meritocracia”..

Os que criticaram a ação falam em “preconceito contra brancos”, algo que todo mundo que quiser realmente refletir sobre essa questão sabe que não existe. No Brasil, definitivamente não..

O que a rede varejista fez foi tomar uma “ação afirmativa” no combate à desigualdade, como várias empresas globais têm feito e inclusive órgãos públicos da Europa e dos Estados Unidos já fazem há vários anos.

Um problema global

A falta de representatividade dos negros em postos de comando é um problema global no esporte.

Fatma Samoura tinha uma longa história como funcionária da ONU, trabalhando em diversas funções, até ser anunciada, em 2016, como secretária-geral da Fifa. Sua chegada à entidade foi comemorada como uma mudança de paradigma, já que ela é uma das poucas pessoas negras a ocupar um cargo de tamanha relevância em escala global.

No Brasil são raros os técnicos negros entre os principais clubes, e ainda mais raro é ver dirigentes negros no comando do esporte.

Como se sabe, crimes de injúria racial têm se multiplicado pelos estádios do Brasil e do mundo.

Para especialistas, a falta de mais negros em posições de chefia na administração do futebol faz com que as ações para combater o problema sejam menos eficazes e as punições para crimes de racismo no esporte sejam mais brandas .

“Sem dúvida, a falta de negros em cargos de comando – técnico, gestor, dirigente – influencia nessa questão. Desde sempre são brancos legislando e julgando casos de racismo vivido por negros. Se vivessem na pele, seria diferente”, opina Marcel Tonini, doutor em História Social pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas.

O futebol até endureceu a política de combate ao preconceito

Em julho de 2019, a Fifa anunciou um Novo Código Disciplinar, cujo texto dá ênfase ao combate ao racismo.

Mas o futebol não tem dado o exemplo de um combate efetivo ao problema do racismo no futebol.

A história mostra que penas financeiras não têm ajudado a diminuir os crimes de injúria racial. É preciso ser mais rigoroso, e punir o clube também esportivamente.

O Grêmio ainda é o único clube que sofreu uma punição mais dura da Justiça Desportiva brasileira no caso do goleiro Aranha. O time foi eliminado da Copa do Brasil de 2014 por conta de manifestações racistas dos torcedores.

Poderia ser uma nova régua para o esporte brasileiro; não foi.

E essa impunidade passa também pela falta de representatividade. Há negros julgando injúria racial no esporte?

Neste dia 13, seria importante refletir sobre ideias como a do futebol inglês e da Magalu, tomar fôlego e avançar.

Incluir, não segregar. Abraçar, não afastar. O esporte nasce também dessa ideia de pertencimento a todos. E ele sempre foi um exemplo para a sociedade. Mas seria interessante se ele também dessa uma olhadinha para o lado, e adotando boas ideias evoluísse ainda mais no combate ao preconceito racial.

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