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A “bolha” do futebol brasileiro

Nos últimos tempos, especialmente neste início de temporada, têm saltado aos olhos o volume de negócios e o valor vultoso das transações ocorridas no futebol brasileiro. Não há dúvidas que o fenômeno, em grande parte, pode ser explicado pelo incremento paulatino das verbas relativas aos direitos televisivos, dos recursos das bets aplicados nos clubes via patrocínios (quase todos os clubes da série A são patrocinados por operadores de apostas) e do aumento do número de clubes que se transformaram em SAF´s. Neste último caso, vários clubes passaram a receber investimentos externos que escapam das suas tradicionais receitas, o que por si só, aumenta o dinheiro circulante nas mãos das agremiações e faz com, agora em um ambiente esportivo mais duro e competitivo, várias entidades ampliem seu endividamento na tentativa de “acompanhar” os demais. Em uma espécie de efeito manada, partem para o all in.

Já era de se esperar que o referido quadro, seguindo a máxima econômica da oferta e da demanda, resultasse numa bolha econômica, ou seja, em um processo inflacionário do mercado, identificado quando um ativo é negociado por um preço acima do seu valor real. Trata-se de uma visão distorcida no momento da precificação que gera expectativas equivocadas a respeito de possíveis ganhos futuros. No caso do futebol, a questão é agravada por conta do ambiente político de certos clubes, o qual faz com que os dirigentes partam para investimentos arriscados movidos unicamente pela paixão ou por projetos pessoais de poder. A irracionalidade prepondera. Daí que, assim como nos mercados de ações, de crédito ou imobiliário, a economia do esporte também pode ser objeto da formação de uma bolha econômica. O problema é que toda bolha tende a “estourar” em algum momento, especialmente quando o mercado se dá conta dos equívocos cometidos, o que resulta, inexoravelmente, em queda abrupta dos preços e elevados prejuízos. A euforia e o boom transformam-se em depressão, como ensinam os economistas.

No caso do futebol brasileiro, o alto valor das transações não é uma completa novidade, mas o que ocorre neste momento é algo virtualmente inédito entre nós. Nunca fomos um mercado tão atrativo para atletas e treinadores estrangeiros, não apenas da América do Sul como antes. Vários clubes brasileiros hoje oferecem propostas financeiras vantajosas a treinadores europeus empregados, que rescindem seus contratos atraídos pelas ofertas. Atletas que atuam em ligas de primeiro nível, como a Premier League, também são envolvidos em transações diretas, o que era inimaginável até pouco tempo. E para nosso espanto, neste início de 2025 verificamos que muitas contratações estão sendo negociadas em euros ou em dólar mesmo no caso de transações nacionais (!!), como se essas fossem as moedas correntes em nosso país.

Aqui reside uma importante questão. Nossos clubes, pela tradição exportadora formadora de talentos, pelo baixo poderio econômico e pela desvalorização da moeda nacional, sempre se beneficiaram da negociação de direitos econômicos de atletas formados nas categorias de base. Como as transações de “saída”, em grande parte, são feitas em euros (ou em dólar), os clubes sempre multiplicavam o valor por conta da conversão em reais e passavam a dispor de belos recursos para saldar dívidas e reinvestir em seus elencos. Ocorre que, com muito mais dinheiro circulando nesse momento, os clubes começam a cair na cilada de também negociar em euros nas transações nacionais. As negociações internas, como em um passe de mágica, começam a ser travadas também em moeda estrangeira. E com o agravante da bolha, do mercado inflacionado, que faz com que os direitos econômicos de atletas nacionais, nem sempre da “primeira prateleira” e com salários na casa dos milhões de reais (muitos acima dos 30 anos, sem potencial de renegociação futura), também custem muitos milhões de euros. Toda a lógica do clube exportador que se beneficia do câmbio desvalorizado cai por terra. A continuar nesta toada, as negociações de saída, que antes era “irrecusáveis”, nem sempre farão sentido, pois os clubes, ao renovar os elencos também em euros, poderão acabar gerando (ainda mais) dívidas e gastando mais do que arrecadaram nas transações, caindo em verdadeira armadilha.

É preciso refletir com seriedade o momento do futebol nacional antes que a bolha estoure. Negociações de altíssimo valor envolvem elevado risco. Somente os clubes mais saudáveis do ponto de vista financeiro têm condições de absorver tais riscos, mas o que ocorre em muitas situações é precisamente o contrário. São exatamente os mais endividados, no afã de diminuir o gap para os concorrentes, que caem na velha cilada.

Daí que nunca foi tão urgente a introdução, entre nós, de um sistema de licenciamento, aquilo que conhecemos como fair play financeiro. Já passou da hora de as ligas nacionais se unificarem e pensarem para além da negociação de direitos televisivos. Aquilo que, em primeiro momento pode aparentar como um remédio amargo, ao final servirá para resguardar todo o ecossistema, preservar o mérito competitivo e premiar os responsáveis, como deve ser.

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