“Casa da mãe Joana” é uma expressão utilizada para denominar um lugar bagunçado, desordenado e completamente sem regras. Tem sua origem na atuação da Rainha Joana de Nápoles, a qual, quando esteve em Avignon, ficou famosa por regulamentar os bordéis da cidade, além de proteger as pessoas que viviam da atividade.
Nosso governo resolveu também proteger a Copa América, trazendo para cá uma competição que foi recusada pela Argentina em virtude da explosão de casos de Covid no país portenho.
Parece até que não estamos vivendo o mesmo problema por aqui. O segundo país com maior número de mortes por Covid no planeta resolveu abrir as suas fronteiras para o campeonato, como se nada estivesse acontecendo.
Por falar em abrir portas, uma das regras instituídas por Joana foi a de que todo bordel deveria ter uma porta por onde as pessoas entrariam. Assim, cada prostíbulo ficou conhecido como o “paço da mãe (a dona da cidade) Joana”, dando a noção de ser uma casa que está aberta para qualquer um entrar.
Mesmo em plena pandemia, qualquer um também entra e sai do Brasil como bem entende. Portos, aeroportos e nossas fronteiras terrestres estão escancarados e destituídos de qualquer controle sanitário. Por isso, os times da Copa América serão apenas mais alguns a entrar na nossa casa.
A rainha Joana foi uma pessoa injustiçada por sua atitude, uma vez que era melhor regulamentar a prostituição do que deixá-la à deriva. Regra também é algo que não falta no Brasil. O problema é que não temos uma Joana para pôr ordem na casa.
Veja-se, por oportuno, que dispomos da Lei nº13.179/20, a qual prevê várias medidas para enfrentamento da pandemia. Referido diploma normativo confere ao Poder Público inúmeras prerrogativas para impor barreiras sanitárias, a fim de impedir a entrada e circulação do vírus, mas qual o governante que cumpriu essas normas à risca?
Por outro lado, a lei não impõe obrigações ao gestor na condução do controle da pandemia. Antes, porém, lhe dá prerrogativas na adoção de medidas, o que, em última análise, significa que ficamos sempre nas mãos da boa capacidade dos governantes, o que nos faz lembrar da afirmativa de Henry David Thoreau, de que nenhuma lei jamais tornou os homens mais justos.
Por isso é necessário insistir na ideia de que os princípios jurídicos vinculam as pessoas tanto quanto as regras, de modo a que se exija certos comportamentos dos governantes, ainda que tais obrigações não estejam traduzidas em alguma norma específica.
Nesse sentido, é possível extrair-se da Constituição princípios que devem pautar a atuação dos gestores, como, por exemplo, o dever de proteção da saúde da população, extraído dos arts.23, inciso I e 196, caput.
Entretanto, antes que questionemos a realização da Copa América no Brasil, é preciso que estejamos vacinados contra a cepa da hipocrisia.
Com efeito, estão sendo realizados dentro de nossa própria casa, competições como as Eliminatórias para Copa, a Copa Sul-americana, a Taça Libertadores e principalmente o Campeonato Brasileiro com as 4 divisões em pleno vapor, onde se conta quase uma centena de times movimentando-se neste país de dimensões continentais.
Não há dúvida de que estes campeonatos também contribuem para a disseminação do vírus, sendo preciso então que tenhamos coerência nas críticas às demais competições e não apenas colocar a Copa América como o bode expiatório causador de todos os males para a nossa população.
Mas coerência é algo que nos falta. Veja-se, por exemplo, as manifestações contra Bolsonaro no último fim de semana, onde se cobrou do governante uma postura correta no combate a pandemia. Ocorre que as manifestações contrariaram os próprios princípios que as motivaram, promovendo as maiores aglomerações que o país já viu desde o inicio da disseminação descontrolada do vírus.
Por incrível quanto possa parecer o único coerente nessa estória é o nosso presidente. Para esse sujeito, nunca deveríamos usar máscara, tomar vacina ou deixar de nos aglomerar. Afinal, para ele isso não passa de uma gripezinha. Manteve, portanto, coerência com seu discurso ao abrir as portas da nossa casa para trazer a competição pra cá.
Como parece que não tem mais jeito, é melhor fazermos as honras da casa e receber bem nossos hermanos sul-americanos, como é de nossa tradição.
Então, sejam bem-vindos à República Federativa do Brasil !!!
Ou melhor, à verdadeira casa da mãe Joana.
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