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A equivocada e perigosa aplicação da Lei da Sociedade Anônima do Futebol (SAF) – Lei nº 14.193/21 – aos clubes que não cumpriram com seus requisitos

Recentemente, tivemos ciência de decisões isoladas – cada vez mais frequentes – conferindo a clubes de futebol – associações sem fins lucrativos – o benefício do concurso de credores com o suposto amparo da nova Lei n. 14.193/2021 – Lei da Sociedade Anônima do Futebol (SAF), criando perigosíssimos precedentes que permitirão, de forma oportuna, sejam ignoradas as regras da Consolidação dos Provimentos da Corregedoria-Geral da  Justiça do Trabalho de 2019 – atualmente em vigor – que versa sobre os Planos Especiais de Pagamento Trabalhista – PEPT – (art. 151 e seguintes) e a instauração do Regime Especial de Execução Forçada – REEF (art. 154 e seguintes), sendo este último aplicável nos casos em que o PEPT foi descumprido por sonegação dos valores acordados com o Tribunal para o pagamento dos credores[1].

Clubes como Vasco, Botafogo, Portuguesa e, mais recentemente, Vila Nova, foram beneficiados pela Lei 14.193/2021 e tiveram o direito reconhecido pela Justiça para instaurar o Regime Centralizado de Execuções (REC), o que gerou decisões conflitantes e guerra de liminares, prejudicando uma interminável coletividade de credores que aguardam por décadas o recebimento dos seus créditos e estavam, ainda que a duras penas, conseguindo êxito nas execuções forçadas.

A Lei n. 14.193/2021, originária do PL n. 5516/2019, foi fruto de debates com os mais diversos “atores” e interessados em sua criação, sempre de forma democrática, mas andou muito mal com relação ao sistema de pagamento dos credores e respeito às regras da sucessão trabalhista. Podemos afirmar, sem sombra de dúvidas, que a presente lei, criada a partir de um projeto de lei encomendado por defensores de clubes de futebol, foi um gol contra os credores.

O escopo do presente artigo é chamar atenção para pontos nevrálgicos e questões polêmicas que não estão sendo enfrentadas por alguns Tribunais, e tentar demonstrar, salvo melhor juízo, que ainda há muito que se aperfeiçoar no tocante a proteção dos credores, respeito aos princípios e regras do Direito do Trabalho e a falta de clareza do legislador no tocante ao real destinatário da lei.

Ainda, discorrerá acerca da equivocada aplicação da novel Lei n. 14.193/2021 para clubes que não optaram pela faculdade conferida pelo legislador de constituir a Sociedade Anônima do Futebol (SAF), não seguiram suas diretrizes e, ainda assim, foram beneficiados pelas suas disposições, sendo a principal delas o pagamento das dívidas.

A esmagadora maioria dos clubes de futebol do País são pessoas jurídicas de direito privado, do tipo Associação sem fins lucrativos, regidas pelo Código Civil Brasileiro (art. 44, I).      Às associações, de modo geral, são aplicadas as disposições do Direito da Empresa (Livro II do Código Civil Brasileiro), geralmente as disposições da Sociedades Simples, com dissolução civil prevista no mesmo ordenamento jurídico infraconstitucional. Não estão sujeitas à falência e nem a recuperação judicial, mas tão somente à insolvência civil.

Toda a interpretação e aplicação dos ditames da Lei n. 14.193.2021 (Lei da SAF) estão direta e obrigatoriamente vinculados a criação da Sociedade Anônima do Futebol por parte dos clubes interessados, nos termos do artigo 2º da citada lei. A partir da sua constituição o clube ou pessoa jurídica original serão por ela (SAF) sucedidos[2]. Portanto, não basta apenas “ser clube” – requisito subjetivo exigido pelo art. 13 da Lei do SAF – para fazer jus aos seus benefícios.

Imperioso ressaltar que a atual constituição associativa das agremiações esportivas não permite aos credores o acesso aos balanços, balancetes, acervo patrimonial declarado e demais informações financeiras e societárias, ou mesmo estatutárias, o que é possível em outros tipos empresariais, inclusive mediante laudos realizados por empresas de auditoria externa, para fins de correta aferição e análise de proposta de pagamento. Inclusive, esse foi um ponto muito discutido na época do PL 5516/2019, razão pela qual a nova lei criou a figura da sociedade anônima do futebol exatamente para permitir medidas de controle, governança, transparência, dentre outras, que a esmagadora maioria das associações sem fins lucrativos nunca priorizou, impossibilitando os credores de terem meios de acessar informações contábeis com clareza e exatidão.

Destarte, a aplicação de quaisquer dispositivos previstos na Lei n. 14.193/2021 a clubes de futebol que não tenham optado por constituir sua SAF possui o condão de desvirtuar por completo a legislação em comento, abrindo imensa margem à ocorrência de fraude contra credores e fraude à execução, o que deve ser repudiado pelos Tribunais do Trabalho.

Se trata de matéria inédita na seara trabalhista, sendo imperiosa a análise perfunctória não somente de todos os artigos da Lei n. 14.193/2021, mas também do Relatório Legislativo e demais fundamentos discutidos ao longo do Projeto de Lei n. 5516/2019 onde consta a exposição de motivos da criação do novel lei em comento.

O próprio título da Lei n. 14.193/2021 define o seu regramento:

“Institui a Sociedade Anônima do Futebol e dispõe sobre normas de constituição, governança, controle e transparência, meios de financiamento da atividade futebolística, tratamento dos passivos das entidades de práticas desportivas e regime tributário específico; e altera as Leis nºs 9.615, de 24 de março de 1998, e 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil)”

O Relatório Legislativo do Projeto de Lei nº 5516/2019 assim consignou:

“O principal objeto do PL é A CRIAÇÃO DE UM NOVO TIPO SOCIETÁRIO, EXCLUSIVAMENTE PARA O FUTEBOL, para que, com regras específicas de objeto social, constituição, capitalização, governança e MECANISMOS DE SANEAMENTO, possa aprimorar o ecossistema do futebol brasileiro.”

(…)

Somos igualmente favoráveis às previsões quanto ao estabelecimento de normas específicas de constituição societária, de modo a facultar a utilização desde a transformação do tipo societário até a constituição pela iniciativa de pessoa, natural ou jurídica, ou até mesmo de fundo de investimento. Aqui, contudo, fazemos a ressalva da exclusão das entidades de administração. Entendemos que o objeto desta Lei deverá ser exclusivo aos clubes de futebol.

Registramos que facultar tratamento especial aos clubes de futebol constituídos sob a forma de associações civis para que se transformem em sociedades empresárias, com regime de governança mais robusto, transparente e estímulo para financiamento privado, critérios de responsabilização melhor definidos e contrapartidas de políticas em prol do desenvolvimento educacional e social pelo esporte é medida compatível com art. 217 da Constituição, uma vez, que preserva a autonomia desportiva e seu processo de deliberação institucional.” – destacamos.

O real intuito da criação da Lei da Sociedade Anônima do Futebol foi permitir que os clubes pudessem auferir investimentos de terceiros, tal como fartamente noticiado na mídia esportiva, sem que ficassem inviabilizados com a obrigação de quitar suas altíssimas dívidas de uma só vez ou mesmo com a constrição dos valores investidos, o que obviamente afastaria qualquer interesse no negócio. O argumento era que a lei deveria ser “atrativa” para os investidores.

Como contrapartida, criou mecanismos para vincular o pagamento das dívidas ao clube ou pessoa jurídica sucedidos (original), através de repasses de percentuais que a eles seriam destinados pela SAF, ficando esta última desobrigada do pagamento imediato de suas dívidas, conforme disposto no artigo 9º da Lei n. 14.193/2021[3]. Pertinente citarmos que a blindagem da sucessora de responder imediata e ilimitadamente pelas obrigações do clube sucedido (original) incorre em fraude ao disposto no artigo 448-A da CLT.[4]

Nesse sentido esclarece o citado relatório:

“Especificamente quanto aos critérios de responsabilização, o PL nº 5.516, de 2019, determina: a) que a SAF, em regra, não responde pelas obrigações do Clube ou Pessoa Jurídica Original que a constituiu, anteriores ou posteriores à data de sua constituição, exceto as ressalvas por lei; b) prevê que administradores da SAF respondam pessoalmente pela ausência de informações relativas à estrutura societária, além de aplicação subsidiária da Lei das Sociedade Anônimas. Entretanto, quanto à não sucessão de obrigações prevista no caput do art. 3º, entendemos que não pode abarcar as decorrentes de relação de trabalho e de acidente de trabalho. A criação da SAF implica, de fato, em uma reestruturação jurídica do Clube, inclusive, com mudança na titularidade. A não sucessão dessas obrigações viola disposição expressa do art. 448 do Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943 (Consolidação das Leis do Trabalho – CLT). Desse modo, propomos ajustes para inclusão das obrigações trabalhistas e de acidente de trabalho no rol de sucessão.

Ademais, visando viabilizar o adimplemento das obrigações propomos balizas mínimas para o regime centralizado de execuções. A inclusão de um regime centralizado de execuções busca permitir ao Clube ou à Pessoa Jurídica Original efetuar o pagamento do seu passivo. A inspiração se deu no âmbito do Plano Especial de Pagamento Trabalhista (PEPT), largamente utilizado por tribunais espalhados no País,  em que a parte executada requer, ao Presidente do Tribunal, a análise, segundo critérios de oportunidade e conveniência, da concessão do PEPT a  fim de evitar penhoras ou ordens de bloqueio de valores decorrentes do  cumprimento de decisões judiciais trabalhistas, prejudicando, por consequência, o soerguimento da sua atividade econômica, bem como o adimplemento de obrigações de credores de natureza diversas.

Em síntese, o Regime Centralizado de Execuções é facultativo e prevê: a) abrangência para créditos trabalhistas e cíveis; b) prazo para pagamento com hipótese de extensão; c) apresentação de documentos obrigatórios para o deferimento; d) critérios de ordenação de pagamento; e) possibilidade de conversão de dívida em participação acionária da SAF a ser constituída, sendo esta incluída por sugestão apresentada via nota técnica de diversos sindicatos de atletas profissionais no país; f) mecanismos de deságio; entre outros temas.”  

No tocante ao extenso prazo de pagamento das dívidas, sempre priorizando o incentivo aos investimentos, em detrimento da celeridade e princípio constitucional da razoável duração do processo, o Relatório Legislativo, esclareceu que:

“Portanto, o exíguo prazo de três anos para pagamento dos credores é motivo de desinteresse de investidores, que, diante da complexidade do perfil das dívidas dos clubes, como regra necessitam de prazo maior para sua restruturação.

Além do mais, não podemos desconsiderar que a maior parte, talvez em quantidade, mas não em volume, refere-se a clubes ditos de menor investimento, “pequenos”, que empregam, na sua imensa maioria atletas com salários até 3 (três) mil reais e pouca atratividade e capacidade de aumento de suas receitas.

A proposta, embora possa dirigir-se a clubes de menor investimento, tornará absolutamente não atrativo para o investidor o investimento em clubes ditos “pequenos” segregando-os dos demais e reduzindo as suas oportunidades de mercado, desconsiderando, assim, o tratamento de suas dívidas, que busca esse projeto de Lei de forma democrática.

Vale observar que o Flamengo, clube de maior torcida do Brasil, e maior capacidade por isso em gerar receitas, levou 6 (seis) anos, cumprindo religiosamente o seu parcelamento perante a justiça do trabalho, para liquidar as suas dívidas trabalhistas. É preciso considerar que a imensa maioria dos clubes no brasil não possuem as mesmas oportunidades e a capacidade de geração de receitas do Flamengo. Por isso, optou-se pelo prazo de 6 (seis) anos, podendo ser prorrogado por mais 4 (quatro), para liquidação das dívidas dos clubes em geral, com os aceleradores dos arts. 19 a 22 do substitutivo proposto, ALÉM DOS INSTRUMENTOS DE MERCADO PRÓPRIOS DE UMA SOCIEDADE ANÔNIMA COMO “DEBÊNTURES-FUT”, FUNDOS DE INVESTIMENTOS, DENTRE OUTROS. Esses instrumentos possibilitarão o pagamento, senão no prazo de 10 (dez) anos, até mesmo antes, com a possibilidade assim de a Sociedade Anônima do Futebol trocar o seu credor e alongar a dívida, o que não socorre hoje aos clubes. Esses instrumentos próprios deste substitutivo não contou o Flamengo no exemplo real dado o que torna viável com esse projeto o pagamento das dívidas do Clube.

Cumpre observar, ainda, que subsistindo passivo ao final de 10 (dez) anos, a Sociedade Anônima passará a responder subsidiariamente pelo passivo, o que, diante dos instrumentos que possuem, possivelmente não ocorrerá.”

Nesse particular, a novel legislação permite que, após ultrapassados 10 anos, a sucessora SAF responda apenas de forma subsidiária, e não solidária, como determina a regra da sucessão trabalhista do art. 448-A da CLT, o que é ilegal e prejudicial aos credores.

Os benefícios elencados na Lei n. 14.193/2021, desde a época da discussão no âmbito do PL n. 5516/2019, estão diretamente vinculados a transformação do clube ou pessoa jurídica original em SAF, até mesmo porque esta última será a garantidora dos credores caso o clube não consiga pagar as dívidas no extenso período de 10 anos, o que colide inclusive com o princípio constitucional da razoável duração do processo.

Para finalizar a questão da vinculação entre clube sucedido (original) e SAF no pagamento das dívidas, o disposto no Parecer de Plenário da Comissão Especial ao Projeto de Lei Nº 5516/2019, do Deputado Fred Costa versa que:

“Os arts. 9º a 12 estipulam as obrigações da SAF. Especificamente, o art. 9º prevê que a SAF não responde pelas dívidas, posteriores ou futuras, do clube que a constituiu, exceto quanto às atividades específicas do seu objeto social. O art. 10 estipula que o clube é responsável pelo pagamento das obrigações anteriores à constituição da SAF, por meio de receitas próprias ou de receitas que lhes sejam transferidas pela SAF, desde que essas últimas sejam constituídas exclusivamente por destinação de 20% das receitas correntes mensais auferidas pela SAF, conforme plano aprovado pelos credores, ou por destinação de 50% dos dividendos, dos juros sobre o capital próprio ou de outra remuneração recebida na condição de acionista. Pelos repasses previstos no art. 10, os administradores da SAF respondem pessoal e solidariamente, assim como o presidente do clube responde pessoal e solidariamente pelo pagamento aos credores dos valores que forem transferidos ao clube pela SAF.”

Pela leitura dos dispositivos supra, não há como fracionar a forma de pagamento prevista na Lei n. 14.193/2021. Os motivos acima expostos quando da discussão do PL n. 5516.2019 com diversas entidades e interessados não podem ser ignorados.

Para demonstrar o alcance da norma jurídica, devemos precisar a quais fatos se refere. Para tanto, por vezes, precisaremos identificar os fenômenos contidos nos significados de algumas palavras ou expressões. O termo “original” não foi inserido à toa em inúmeros trechos da legislação, devendo ser entendido o real motivo, sendo princípio basilar de hermenêutica jurídica, aquele que a lei não contém palavras inúteis: verba cum effectu sunt accipienda. Ou seja, as palavras devem ser compreendidas como tendo alguma eficácia. Não se presumem, na lei, palavras inúteis.[5]

Deve, portanto, o intérprete distinguir as obrigações de cada parte formada nesse novo modelo de relação entre sucessora (SAF) e sucedido (clube ou pessoa jurídica original). Apesar da sucessão trabalhista/empresarial, os clubes ou pessoas jurídicas originais (sucedidos) não deixarão de existir, havendo na Lei n. 14.193/2021 expressa vinculação empresarial, sendo descabida qualquer análise separada das obrigações de cada uma das partes. Certamente, o tema da sucessão trabalhista e/ou formação de grupo econômico será discutido em todos os Regionais.

Urge esclarecer que, apesar das demandas por parte de muitos clubes para serem beneficiados com o novo sistema de pagamento de dívidas – Regime de Centralização das Execuções (RCE) – mediante a formação de concurso de credores, se faz necessária a leitura do citado artigo 10 para melhor compreensão da forma como os pagamentos serão realizados:

“Art. 10. O clube ou pessoa jurídica original é responsável pelo pagamento das obrigações anteriores à constituição da Sociedade Anônima do Futebol, por meio de receitas próprias e das seguintes receitas QUE LHE SERÃO TRANSFERIDAS PELA SOCIEDADE ANÔNIMA DO FUTEBOL, quando constituída exclusivamente:

I – por destinação de 20% (vinte por cento) das receitas correntes mensais auferidas pela Sociedade Anônima do Futebol, conforme plano aprovado pelos credores, nos termos do inciso I do caput do art. 13 desta Lei;

II – por destinação de 50% (cinquenta por cento) dos dividendos, dos juros sobre o capital próprio ou de outra remuneração recebida desta, na condição de acionista.”

A lei é clara e expressa no sentido de que o Regime de Centralização das Execuções somente poderá ser implementado com o auxílio da figura garantidora e solidária da SAF, ou caso essa última figure na condição de acionista do clube original. Tanto é que o artigo 11 expressamente responsabiliza os gestores da SAF pelos repasses financeiros ao clube original no concurso de credores previsto no artigo 10 que vem sendo pretendido por alguns clubes que nunca constituíram a sua SAF. Vejamos:

“Art. 11. Sem prejuízo das disposições relativas à responsabilidade dos dirigentes previstas no art. 18-B da Lei nº 9.615, de 24 de março de 1998, os administradores da Sociedade Anônima do Futebol respondem pessoal e solidariamente pelas obrigações relativas aos repasses financeiros definidos no art. 10 desta Lei, assim como respondem, pessoal e solidariamente, o presidente do clube ou os sócios administradores da pessoa jurídica original pelo pagamento aos credores dos valores que forem transferidos pela Sociedade Anônima do Futebol, conforme estabelecido nesta Lei.”

Se na prática sempre foi complicado os clubes devedores pagarem suas dívidas, imaginem sem a contribuição da SAF, figura obrigatória nos planos de pagamento. Por mais este fundamento e pelos termos da própria lei, não há como deferir o regime acima a clubes que não tenham optado pela alteração societária facultada pela Lei n. 14.193/2021.

Não pode o legislador analisar de forma isolada os artigos que melhor aproveitam alguns clubes requerentes, mas sim a lei em todo o seu teor e escopo.

O artigo 13 encontra-se isolado na Seção V – Do Modo de Quitação das Obrigações – e versa única e exclusivamente sobre os meios alternativos facultados pela lei para o clube pagar suas dívidas, nada mais do que isso, o que vem causando interpretações equivocadas em alguns Magistrados e criando perigosos precedentes no sentido de aplicação ampla a irrestrita da Lei n. 14.193/2021 a qualquer agremiação esportiva.

“Art. 13. O clube ou pessoa jurídica original poderá efetuar o pagamento das obrigações diretamente aos seus credores, ou a seu exclusivo critério:

I – pelo concurso de credores, por intermédio do Regime Centralizado de Execuções previsto nesta Lei; ou

II – por meio de recuperação judicial ou extrajudicial, nos termos da Lei nº 11.101, de 9 de fevereiro de 2005.”

O simples fato de o legislador não fazer menção a Sociedade Anônima do Futebol – SAF, mas apenas ao “clube ou pessoa jurídica original”, em hipótese alguma comprova que tais entidades – isoladamente – fazem jus ao Regime Centralizado de Execuções, pois o referido dispositivo legal não versa sobre regras de pagamento previstas no artigo 10 que expressamente exigem a presença da SAF como devedora solidária e garantidora do clube original (inciso I) ou na condição de acionista (inciso II).

A Seção IV – Das Obrigações da Sociedade Anônima do Futebol – engloba todos os parâmetros de pagamento exaustivamente narrados, do artigo 9º ao artigo 12, se fazendo pertinente, novamente, demonstrar que todos eles vinculam as obrigações do clube ou pessoa jurídica original com a Sociedade Anônima do Futebol (SAF):

“Art. 9º A Sociedade Anônima do Futebol não responde pelas obrigações do clube ou pessoa jurídica original que a constituiu, anteriores ou posteriores à data de sua constituição, exceto quanto às atividades específicas do seu objeto social, e responde pelas obrigações que lhe forem transferidas conforme disposto no § 2º do art. 2º desta Lei, cujo pagamento aos credores se limitará à forma estabelecida no art. 10 desta Lei.”

Finalmente, mas não menos importante, a fim de demonstrar a vinculação entre pessoas, sempre obedecendo as regras de pagamento do clube ou pessoa jurídica original em conjunto com a SAF previstas no artigo 10, o artigo 20 da Lei n. 14.193/2021 prevê expressamente que:

“Art. 20. Ao credor, titular do crédito, é facultada a conversão, no todo ou em parte, da dívida do clube ou pessoa jurídica original em ações da Sociedade Anônima do Futebol ou em títulos por ela emitidos, desde que previsto em seu estatuto.”

Nesse caso a referida lei criou alternativas de recebimento das dívidas vinculadas à SAF, demonstrando a impossibilidade de aplicação das regras da Lei n. 14.193/2021 em sua integralidade aos casos em que inexiste uma das figuras principais obrigadas ao pagamento, qual seja, a própria SAF.

Não há, portanto, como aceitar a tese de que as regras da nova Lei da SAF se aplicam indiscriminadamente a todos os clubes devedores, sem exceção, sob pena de se desvirtuar o seu escopo e premiar contumazes infratores que muitas vezes agiram de má fé com os credores e com o próprio Tribunal quando foram beneficiados por diversos e sucessivos planos especiais de execução de suas dívidas. Ao escrever este artigo imagino uma partida de futebol com o time dos credores sendo goleado pelos adversários (isso mesmo, plural!), sem elenco e forças para virar esse jogo cuja organização, desde a sua origem, nunca lhes foi favorável.

Que essas colocações possam contribuir para reflexões mais profundas e, principalmente, técnicas, de todos os envolvidos, inclusive o legislador, pois nunca é tarde para que uma lei recente e inédita possa ser aprimorada e reparadas as injustiças perpetradas contra os menos favorecidos.

Nos siga nas redes sociais: @leiemcampo

[1] § 1º O Regime Especial de Execução Forçada (REEF) poderá originar-se:

I – do insucesso do Plano Especial de Pagamento Trabalhista (PEPT);

[2] “Art. 2º A Sociedade Anônima do Futebol pode ser constituída:

I – pela transformação do clube ou pessoa jurídica original em Sociedade Anônima do Futebol;

II – pela cisão do departamento de futebol do clube ou pessoa jurídica original e transferência do seu patrimônio relacionado à atividade futebol;

III – pela iniciativa de pessoa natural ou jurídica ou de fundo de investimento.”– destacamos.

[3] “Art. 9º A Sociedade Anônima do Futebol não responde pelas obrigações do clube ou pessoa jurídica original que a constituiu, anteriores ou posteriores à data de sua constituição, exceto quanto às atividades específicas do seu objeto social, e responde pelas obrigações que lhe forem transferidas conforme disposto no § 2º do art. 2º desta Lei, cujo pagamento aos credores se limitará à forma estabelecida no art. 10 desta Lei. Parágrafo único. Com relação à dívida trabalhista, integram o rol dos credores mencionados no caput deste artigo os atletas, membros da comissão técnica e funcionários cuja atividade principal seja vinculada diretamente ao departamento de futebol.” – destacamos.

[4] “Art. 448-A. Caracterizada a sucessão empresarial ou de empregadores prevista nos arts. 10 e 448 desta Consolidação, as obrigações trabalhistas, inclusive as contraídas à época em que os empregados trabalhavam para a empresa sucedida, são de responsabilidade do sucessor. (Incluído pela Lei nº 13.467, de 2017)

Parágrafo único. A empresa sucedida responderá solidariamente com a sucessora quando ficar comprovada fraude na transferência. (Incluído pela Lei nº 13.467, de 2017)”- destacamos.

[5] Carlos Maximiliano, Hermenêutica e Aplicação do Direito, 8a. ed., Freitas Bastos, 1965, p. 262.

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