Uma das 17 regras do futebol prevê que as decisões do árbitro e dos demais oficiais de arbitragem devem ser respeitadas[1]. O Código Disciplinar da FIFA, na mesma esteira, prevê que “as decisões tomadas pelo árbitro no campo de jogo são finais e não podem ser analisadas pelos órgãos judiciais da FIFA.”
Na semana passada, contudo, duas decisões do Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD) somaram-se aos inúmeros casos tribunais desportivos interferiram diretamente nas decisões tomadas pela arbitragem durante a partida. Uma delas ocorreu no dia 22 de janeiro, na qual os atletas Vitor Gabriel e Paulinho Santos foram punidos por infrações na partida entre São Luiz e Tubarão, pela Série D do Campeonato Brasileiro[2]. Neste caso, a despeito de a súmula ter sido clara ao relatar a prática de agressão por ambos atletas – portanto punível pelo artigo 254-A – o tribunal considerou o ocorrido como simples ato hostil.
No segundo caso, ocorrido em 28 de janeiro, o Pleno do STJD determinou o retorno do processo do atleta Bruno Henrique, do Flamengo, para julgamento na Comissão Disciplinar[3]. O processo é sustentado na alegação de que o atleta teria praticado uma jogada violenta não punida durante a partida pela equipe de arbitragem.
Ambos os casos são sustentados nas hipóteses de exceções à regra da imutabilidade das decisões da arbitragem. O Código Brasileiro de Justiça Desportiva (CBJD), excetua a regra no parágrafo único do artigo 58-B nos seguintes termos: “em caso de infrações graves que têm escapado à atenção da equipe de arbitragem, ou em caso de notório equívoco na aplicação das decisões disciplinares, os órgãos judicantes, excepcionalmente, apenar infrações ocorridas na disputa de partidas, provas ou equivalentes.”
Observa-se, portanto, que o CBJD limita bastante as hipóteses de exceção à regra, até pelas expressões utilizadas: “erro óbvio”, “infrações greves que escaparam à atenção da arbitragem” e notório equívoco”. Tais expressões deixam claro que se tratam de situações excepcionais e que a intervenção dos órgãos disciplinares deve ser mínima.
Natural que assim seja. A justiça desportiva existe para garantir a continuidade do esporte formal e da competição esportiva; uma leitura sistemática do código não nos permite esquecer deste fato. Inicia já na listagem dos princípios a serem observados na interpretação e aplicação das normas ali contidas, no artigo 2º. Os incisos XVII e XVIII referem-se, respectivamente, ao pro competitione (prevalência, continuidade e estabilidade das competições esportivas)[4] e ao fair play.
É positivo ao esporte e à competição desportiva que o árbitro deva estar imbuído de uma autoridade que não deve ser suscetível à mitigação constante.
É preciso que a regra volte a ser regra e a exceção volte a ser exceção.
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[1] https://www.theifab.com/laws/chapter/25/section/53/
[2] https://www.stjd.org.br/noticias/atletas-da-serie-d-punidos
[3] https://www.stjd.org.br/noticias/bruno-henrique-pleno-determina-retorno-do-processo-para-comissao
[4] Álvaro Melo Filho, citando Javier R. Ten, nos ensina que esse autor, em sua tese de doutorado intitulada Deporte y Derecho Administrativo Sancionador (Esporte e Direito Administrativo Sancionador – tradução livre) define o princípio do pro competitione como “um princípio informador do direito disciplinar desportivo que implica em uma exaltação da competição como bem jurídico preferencial a todos os princípios gerais do procedimento sancionador”. MELO FILHO, Álvaro. Paradigmas e Filosofia Jus-Desportiva do novo CBJD em Revista Brasileira de Direito Desportivo. Ano XVII N°30/2018. Edição Especial Homenagem ao Professor Álvaro Melo Filho. 2018. Porto Alegre: LexMagister.