O título deste texto explica bastante do que será discutido nessas poucas linhas. Arbitragem, um problema crônico do esporte brasileiro, é tema de frequentes debates. Para alguns, que vivem de polêmicas e notícias, isso é algo positivo. Para o ambiente e o mercado esportivo, no entanto, é péssimo. A falta de credibilidade e confiança nos resultados de uma competição desvaloriza o produto, afasta patrocinadores e impacta negativamente todos aqueles que estão relacionados a ele.
A credibilidade da arbitragem brasileira tem um viés de queda, segundo pesquisa da realizada em parceria entre Quaest, CNN e Itatiaia. Nessa pesquisa, 65% dos torcedores avaliaram a arbitragem brasileira de forma regular ou negativa[1], com um crescimento de 6% nas avaliações negativas. E o total de casos de erros de arbitragem cresce a cada dia.
Muitos defendem que, para resolver esse problema é preciso profissionalizar a arbitragem no país. Esse argumento, no entanto, ignora a realidade do mercado. Os árbitros já são profissionais. Um árbitro FIFA recebeu R$ 6.900,00 por partida da série A em 2024, enquanto um árbitro CBF recebeu R$ 5.000,00. Os árbitros FIFA que apitam 2 partidas por semana receberiam, então, uma média de R$ 62.100,00 por mês. É possível dizer que os árbitros desse nível, que são os que definem a imagem da arbitragem como um todo em razão da visibilidade das partidas que apitam, dedicam-se exclusivamente ou majoritariamente à arbitragem, tendo nela sua principal fonte de renda.
Se pegarmos a definição trazida pela Lei Geral do Esporte, em seu artigo 72, parágrafo único, “considera-se atleta profissional o praticante de esporte de alto nível que se dedica à atividade esportiva de forma remunerada e permanente e que tem nessa atividade sua principal fonte de renda por meio do trabalho, independentemente da forma como recebe sua remuneração”. Observamos bem que não há qualquer requisito de vinculação trabalhista para que seja o atleta considerado profissional, assim como na maioria das profissões hoje existentes. Profissionais autônomos também são profissionais, e se não dizemos que um engenheiro precisa ser profissional para que melhore, pois reconhecemos seu profissionalismo, por que aplicamos esse discurso para a arbitragem?
A desculpa que se utiliza, e em minha visão incorreta, é a de que os árbitros precisam ter uma relação formal de trabalho e uma garantia de emprego, independentemente de seu desempenho, para que possam melhorar. E isso traz consigo uma série de problemas. O primeiro deles, e talvez o de mais difícil visualização, é que o monopólio da exploração esportiva será ainda mais fortalecido. Se todos os árbitros forem vinculados a uma única entidade, por exemplo, a uma confederação esportiva, isso impedirá o surgimento de novas ligas ou estruturas que venham a competir com a organização estabelecida, pois não haverá árbitros disponíveis no mercado. Outro possível problema, esse mais perceptível, é a acomodação que os profissionais podem passar a ter. Com remunerações fixas e constantes, desaparece o incentivo à melhoria e à performance.
Mas o maior problema é que esse tipo de medida não trará consigo qualquer benefício, qualquer possibilidade de resolução daquilo que incomoda não apenas aos torcedores, mas a todos os envolvidos com o esporte: os erros da arbitragem. Se em uma época muito distante os erros de arbitragem tinham repercussões apenas dentro do campo de jogo, hoje seu impacto é incalculavelmente maior.
O que no final do século XIX era apenas uma atividade de lazer se tornou o 9º maior mercado do mundo[2], movimentando bilhões de dólares. Um erro de arbitragem por representar a classificação ou não para uma fase seguinte da competição, milhares de camisas vendidas por um fornecedor de material esportivo, milhões de visualizações para um patrocinador e, mais recentemente, a distorção em muitas apostas esportivas, com pessoas deixando de receber prêmios que deveriam e outras recebendo quando não deveriam. Esse é apenas um pequeno esboço da complexidade atual do mercado esportivo.
Então, o que fazer para reduzir os erros de arbitragem e, consequentemente, os prejuízos por eles causados?
No universo esportivo, pouco se pesquisa e escreve sobre como reduzir erros, então precisamos nos socorrer daquilo que é pensado para reduzir os erros de outros profissionais. Na área médica, por exemplo, que lida constantemente com situações de extrema pressão, há pesquisas que apontam para a responsabilização por erros como uma forma de incentivo à evolução constante e a redução de sua frequência[3]. Mais do que culpar, é preciso responsabilizar árbitros e comissões de arbitragem pelos prejuízos decorrentes de seus erros.
Nesse sentido, já defendi em um artigo que tal responsabilização, especialmente financeira, deve ocorrer[4]. Há previsão dentro da legislação nacional e, ainda que inexistente o dolo, o prejuízo causado deve ser reparado por aqueles que por imperícia o provocaram. A proteção extrema a pessoas e sistemas ineficientes nunca trouxe resultados efetivos para a solução do problema.
Os árbitros já são profissionais, e muito bem remunerados. O que é preciso para melhorar a qualidade da arbitragem é que os responsáveis por ela sejam, de fato, responsabilizados.
Crédito imagem: kinemero | Getty Images
Nos siga nas redes sociais: @leiemcampo
[1] https://www.cnnbrasil.com.br/esportes/futebol/pesquisa-cresce-a-avaliacao-negativa-da-arbitragem-brasileira-entre-torcedores/
[2] https://globalsportsinsights.com/
[3] Parker, J., & Davies, B. (2020). No blame no gain? From a no blame culture to a responsibility culture in medicine. Journal of Applied Philosophy, 37(4), 646-660.
[4] Morrone, V.L.L. (2024) A responsabilidade civil pelos erros de fato. Coleção OAB SP, Volume 15 – Direito Desportivo.