Se você acompanha esta coluna, acredito que irá se lembrar de quando abordamos por aqui o curioso caso de Timofey Mozgov.
O contexto daquela história era o substancial aumento do teto salarial da NBA após a celebração de um novo contrato de direitos de transmissão com os parceiros de mídia Turner e ESPN, o qual renderia à liga cerca de US$ 24 bilhões pelos nove anos seguintes.
Foi por conta desse contrato que, antes do início da temporada 2016-17, todas as franquias passaram a ter muito dinheiro para gastar. Aliás, conforme o Collective Bargaining Agreement (CBA), acordo coletivo de trabalho firmado entre a NBA e a associação de jogadores (NBPA), esse dinheiro extra teria, necessariamente, que ser investido nos elencos.
A principal consequência disso foi a possibilidade de contratação de Kevin Durant pelo Golden State Warriors, uma equipe que vinha de finais consecutivas e que acabara de obter o recorde de 73 vitórias em temporada regular, quebrando a marca anterior, de 72 triunfos em 82 partidas, pertencente ao Chicago Bulls de Michael Jordan na temporada 1995-96.
O portentoso contrato que levou a bonança às franquias e atletas da NBA estará encerrado após a temporada 2024-25. As estimativas dão conta de que o próximo acordo a ser celebrado pelos direitos de transmissão da principal liga de basquete do mundo deverá ser fechado na casa dos US$ 75 bilhões.
Segundo uma recente matéria do The Athletic, Adam Silver, o comissário da NBA, não teve vergonha de demonstrar, em um evento da liga no ano passado, grande otimismo em relação aos valores que serão obtidos com a nova negociação dos direitos de transmissão.
Ao comentar o assédio que a NBA espera receber dos grupos de comunicação, Silver teria dito: “Eu me sinto como a garota mais bonita do baile. As pessoas querem a nossa programação e não poderiam estar mais interessadas nela.”
Na mesma matéria, o jornalista Mike Vorkunov revela que a NBA ainda não iniciou as negociações oficiais. A partir de 9 de março de 2024, a Disney, controladora da ESPN, e a Warner Bros. Discovery, dona da Turner Sports (do canal TNT), terão 45 dias de exclusividade para negociar com a liga. Caso um acordo não seja fechado com as atuais parceiras, a concorrência passa a ser livre.
Embora seja natural e inevitável o desejo da Disney e da Warner Bros. Discovery de manterem o contrato com a NBA, o segmento de televisão a cabo enfrenta tempos difíceis nos Estados Unidos, especialmente por conta da implosão dos canais regionais detidos pelo Diamond Sports Group.
A dinâmica do mercado mudou e a NBA, sabiamente, colocou-se em uma posição de flexibilidade para lidar com a nova realidade dos direitos de mídia, sobretudo em razão dos disruptivos modelos de negócio possibilitados pelas plataformas de streaming.
Especula-se que tanto a Amazon quanto a Apple, que aumentaram sua presença nas transmissões esportivas nos últimos tempos, tenham interesse em “fisgar” a “garota mais bonita do baile”.
Para a Amazon, que já transmite jogos da NFL nas noites de quinta-feira e jogos dos Yankees na MLB, ter a NBA seria uma jogada especial. Já a Apple TV+, que conquistou os direitos de transmissão da MLS e que transmite o Friday Night Baseball, veicular o basquete seria uma maneira de ganhar relevância nessa disputa. Considerando que a Disney e a Warner Bros. Discovery também possuem plataformas de streaming, a batalha será acirrada.
Outro ingrediente é que a NBA tem a intenção de estar na televisão aberta com maior frequência nos próximos anos, em detrimento da televisão a cabo. A ideia é tornar o produto mais acessível a telespectadores de todos os perfis. Isso poderia abalar as relações com a Warner Bros. Discovery, que não possui um canal na televisão aberta, ao contrário da Disney, dona da ABC.
A mesma matéria do The Athletic cita outras falas de Adam Silver sobre o tema: “Quando entrei na liga nos anos 90, havia muito mais exposição de transmissão local. Agora o que estamos vendo é que muitos desses canais dos mercados locais das nossas franquias estão voltando à mesa e expressando interesse em voltar a transmitir os jogos. Essa é uma ótima notícia, porque, obviamente, teremos amplo alcance nesses mercados se estivermos na televisão aberta.”
Acredita-se, no mais, que o novo CBA detalhe como serão repartidas as receitas oriundas dos produtos de mídia que envolvam a transmissão dos jogos em mercados locais.
De fato, como os direitos de transmissão para mercados mais expressivos, caso de Nova Iorque, Los Angeles e Chicago, por exemplo, tendem a ser negociados por valores cinco a seis vezes maiores do que os valores obtidos nos mercados de menor expressão, como Minnesota, San Antonio e Oklahoma, é necessário endereçar possíveis disparidades de arrecadação para a manutenção do equilíbrio competitivo.
A NBA considera, ainda, oferecer um serviço de streaming local para todo o país, sendo essa uma das razões da recente contratação de aproximadamente 100 profissionais para cuidar somente do aplicativo e dos demais ativos digitais da liga.
O atual contrato de direitos de transmissão da NBA representa cerca de 30% do chamado Basketball Related Income (BRI), que, para fins didáticos, pode ser entendido como o PIB da liga. O que se imagina é que, com a aguardada concorrência pela “garota mais bonita do baile”, esse percentual deva subir.
Os hábitos de consumo dos fãs de esporte estão mudando em incrível velocidade. A vantagem da NBA em relação a outras ligas, inclusive no momento de negociar os direitos de transmissão, talvez seja a habilidade para explorar initerruptamente, com o arrojo semelhante ao que se vê dentro das quadras, a imagem e o frisson causado por jogadores que são, além de atletas, grandes personalidades, cuja influência vai além do jogo e perpassa o universo da moda, da música, dos games e do lifestyle.
Crédito imagem: Thearon W. Henderson/Getty Images
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