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A governança e os processos eleitorais das entidades de administração e prática esportiva no Brasil

A Lei nº 9.615/98, ao regular o esporte brasileiro, estabeleceu princípios e regras que regem a prática esportiva, ressaltando, para esse texto, a gestão das entidades esportivas.

O artigo 18-A foi incluído na Lei Pelé por meio da Lei nº 12.868/2013 e estabelece diretrizes importantes para a eleição dos dirigentes das entidades de administração e prática esportiva, como confederações, federações e clubes.

Entre as diversas disposições da Lei Pelé, o artigo 18-A se destaca por abarcar aspectos sobre a governança das entidades esportivas que integram o Sistema Nacional do Desporto, tanto as de administração quanto as de prática esportiva.

Aplica-se as requisições do Art. 18-A da Lei Pelé as entidades de prática esportiva, como os clubes de futebol e de outros esportes,  quando fazem uso de recursos públicos ou se beneficiam de patrocínios estatais.

A inclusão do art. 18-A na Lei Pelé, cujo teor foi mantido no art. 36 da Lei º 14.597/23, objetiva a adoção de boas práticas de governança, a busca pela transparência, a participação democrática e a responsabilidade dos dirigentes no cenário esportivo nacional.

A transparência é fundamental para a legitimidade dos processos eleitorais das entidades esportivas. O artigo 18-A exige que os procedimentos eleitorais sejam divulgados publicamente, possibilitando o acompanhamento e a fiscalização dos envolvidos. As entidades precisam garantir que o calendário eleitoral seja de amplo conhecimento dos eleitores, as regras do pleito estejam claras e acessíveis a todos, a divulgação dos candidatos e suas propostas seja feita de forma adequada, a prática de publicar as regras eleitorais e garantir que sejam seguidas rigidamente tem contribuído para um aumento da confiança na governança esportiva, embora ainda existam desafios para garantir que a transparência seja plenamente implementada.

O art. 18-A da Lei Pelé e o art. 36 da LGE alcançam pontos cruciais que se aplicam diretamente às entidades que recebem recursos públicos, sejam eles diretamente do governo ou indiretamente por meio de patrocínios estatais.

De pronto, destaca-se que as citadas imposições legais estabelecem que os mandatos dos dirigentes das entidades desportivas não podem ser superiores a quatro anos, sendo permitida uma única recondução. Essa limitação visa impedir a perpetuação de lideranças e garantir uma renovação periódica na gestão esportiva.

Da mesma forma, as eleições para dirigentes devem ocorrer de forma transparente e aberta à participação dos associados ou eleitores da entidade, observando os princípios democráticos. A norma exige que o processo eleitoral seja publicamente divulgado com antecedência, incluindo as regras eleitorais, os candidatos e o calendário eleitoral.

Ainda, uma das grandes inovações do artigo 18-A é a exigência de que atletas tenham participação ativa no processo eleitoral. O artigo estabelece que pelo menos 25% dos votos nas eleições das entidades esportivas devem ser reservados para representantes dos atletas. Essa medida visa dar voz aos principais envolvidos na prática esportiva, garantindo que suas demandas sejam ouvidas e respeitadas nas gestões das entidades, influenciando diretamente as políticas e as gestões esportivas. A representação dos atletas tem se apresentado cada vez mais organizada, com o surgimento de associações de atletas que atuam de forma independente para garantir que os interesses dos esportistas sejam defendidos, cumprindo o objetivo de promover a democratização das entidades esportivas.

Regido dentro dos parâmetros do princípio constitucional da autonomia desportiva, pode-se afirmar que as condições impostas no citado texto legal impactam os processos eleitorais das entidades esportivas.

Ao se analisar como o artigo 18-A, inciso I, da Lei Pelé e o art. 36, inciso IV, da LGE são aplicados no contexto jurídico e esportivo, importa apresentar os impactos concreto na gestão esportiva e no funcionamento dos processos eleitorais das entidades esportivas no Brasil.

As entidades de administração esportiva são responsáveis por organizar, regulamentar e fiscalizar o esporte em nível regional e nacional . O art. 18-A da Lei Pelé é especialmente relevante para essas entidades, visto que muitas recebem recursos públicos e são beneficiadas com isenções fiscais, o que torna a transparência e a responsabilidade na gestão fundamentais.

A limitação de mandatos de até quatro anos com uma única recondução foi uma medida para impedir que dirigentes se perpetuem no poder, prática comum no passado, especialmente em confederações e federações. A alternância de poder se insere neste contexto como ferramenta de boa governança, incentivando a renovação de ideias e abre espaço para novos gestores e promovendo mudanças que podem beneficiar a governança das entidades esportivas.

O art. 18-A da Lei Pelé representa um marco para a democratização do esporte. No entanto, a aplicação da regra tem suscitado um desafiador debate no setor.

Atualmente, as discussões acerca da aplicabilidade do art. 18-A, inciso I, da Lei Pelé se debruçam sobre o processo eleitoral do Comitê Olímpico Brasileiro. No geral, o impasse reside aos dirigentes em comando à época da entrada em vigor do art. 18-A, inciso I, da Lei Pelé e no ato jurídico perfeito com o qual os estatutos destas entidades podem ser legalmente reconhecidos.

Com isso, questiona-se se o citado dispositivo legal se aplica apenas aos mandatos iniciados após a entrada de sua vigência, ou passou a ser reconhecida e eficaz para os mandatários atuantes durante a entrada da lei em vigor, em 16 de março de 2014?

Em resposta ao Diretor de Projetos da então Secretaria Especial do Esporte, a Consultoria-Geral da União emitiu o Parecer 00155/2020/CONJUR-MC/CGU/AGU, manifestando que os períodos de mandato do presidente ou dirigente máximo eleito antes da entrada do art. 18-A da Lei Pelé que sejam superior a 4 anos, seriam mantidos e respeitados, mas que a recondução deverá se limitar a uma única, no prazo de 4 anos.

Outro desdobramento dos debates sobre o tema é que o parecer da CGU (emitido quando não aprovado pelo presidente da república – art. 40, parágrafo 1, da Lei Complementar 73/1993, ou quando inexiste determinação legal específica) não são necessariamente vinculativos, representando uma opinião jurídica com a finalidade de orientar e aconselhar a administração pública em questões legais.  Ou seja, não obstante ser um parecer muito técnico e respaldado com muita credibilidade, não possuem força de lei.

Por uma via, a positivação do teor do parecer depende de alteração no texto legal.  Por ora, o Parecer nº 00155/2020 da Consultoria-Geral da União manifesta a permissão do exercício do mandato em vigor pleitear uma recondução após a entrada da nova regra, desde que as eleições anteriores tenham ocorrido sem a limitação de mandato. O parecer sustenta que não haveria retroatividade na aplicação da norma.

Contudo, há acepção no sentido oposto, interpretado com fundamento no ato jurídico perfeito dos estatutos sociais vigentes à época. Por meio da hermenêutica jurídica, e com base no art. 6 da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro e no art.  5, inciso XXXVI da Constituição Federal, conclui-se, sob outra ótica, que o dispositivo legal então em vigor não pode prejudicar o ato jurídico perfeito, que pode ser entendido como as previsões estatutárias da organização esportiva.

Constata-se que a aplicação das regras de governança relativas à concenração de poder nos clubes tem sido um desafio, na contramão da imposição legal que limita os mandatos, buscando promover maior abertura para novos gestores assumirem posições de comando e trazerem novas visões para a administração dos clubes.

Muito embora o artigo 18-A tenha trazido avanços significativos em termos de democracia e transparência no esporte brasileiro, sua aplicação ainda enfrenta o cenário de insegurança jurídica, resistência de entidades esportivas, e dificuldades na fiscalização do cumprimento do artigo 18-A. Esta última, não obstante exista, ainda se apresenta como limitada e precisa ser aprimorada, especialmente em relação à participação de atletas e à transparência nos processos eleitorais.

Ainda assim, o artigo 18-A continua sendo um instrumento valioso para democratizar o esporte no Brasil, assegurando maior participação e responsabilidade nos processos eleitorais das entidades esportivas. Vale reforçar que apesar de fundamental, a aplicação do texto legal em questão precisa ser interpretado de maneira coerente com uma gestão ética e profissional, dentro dos pilares de governança.

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