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A história brasileira nos mostra que divisões no futebol resultaram em intervenção do Estado

Houve um anúncio nesta semana que clubes de futebol buscarão seu direito legítimo de organizar uma liga independente. Tanto o ordenamento jurídico estatal – Lei Pelé – como as normas da Lex Sportiva – o sistema transnacional do esporte – garantem realmente o direito de agremiações em buscar organizações alternativas às estruturas tradicionais.

Contudo, também se escuta aos quatro cantos os que propalam a ideia de um desfecho por ruptura para esse episódio. Talvez desconheçam ou teimam em não querer se lembrar das lições que a história do esporte nacional nos traz acerca de episódios parecidos.

Voltemos 88 anos atrás. Em plena consolidação da Revolução de 1930, dois dirigentes esportivos do Rio de Janeiro duelavam pelo controle da estrutura nacional do futebol. De um lado Rivadávia Meyer, que liderava botafoguenses ávidos em manter o caráter “amadorístico” do esporte. De outro, Arnaldo Guinle, liderança tricolor que, das Laranjeiras, usava o poderio do império familiar para se impor também no reinado da bola, propugnando pelo profissionalismo dos atletas.

Tanto fizeram que, em 1933, conseguiram dividir a Confederação Brasileira de Desportos – CBD em duas estruturas. O lado que buscava a ruptura criou a Federação Brasileira de Football – FBF, que defendia o profissionalismo e conseguiu se impor na representação de clubes cariocas e paulistas, mesmo que contra a vontade da CBD.

Somente em 1937, uma saída negociada por Vasco da Gama e América do Rio selou um armistício que, porém, resultou na efetiva perda do controle dos campeonatos nacionais por parte da CBD, vinculando-os à FBF. Restou à outrora poderosa confederação tão somente a gestão dos assuntos ligados à Seleção. Na prática não houve pacificação.

A cisão dos anos 1930 foi tão grave que levou não só ao fiasco da Seleção Canarinho na Copa do Mundo Fifa de 1934 como resultou em nosso país se ver com duas delegações “oficiais” nos Jogos Olímpicos de 1936. Isso porque os grupos de Meyer e Guinle conseguiram o feito de também dividirem o Movimento Olímpico brasileiro, com o COB e a CBD disputando a representação nacional, até mesmo em modalidades idênticas.

O que os dois não esperavam é que os vexames resultantes da cisão esportiva vinham sendo acompanhados com preocupação por integrantes do Governo Vargas. Militares de alta patente chegaram a pedir para eles o controle da organização esportiva nacional. O Estado Novo, entretanto, resolveu simplesmente encerrar a disputa por decreto. Assim, Getúlio baixou o Decreto-lei nº 3.199, de 1941, e, de uma canetada só, extinguiu a FBF e acoplou a CBD à estrutura do Ministério da Educação e da Saúde – MES. Isso porque a entidade passou a dever obediência hierárquica ao novo Conselho Nacional de Desportos, o poderosíssimo CND, órgão também criado pela mesma norma e vinculado àquela pasta ministerial, então dirigida por Gustavo Capanema.

Consolidando o poder sobre o esporte brasileiro, o Estado Novo concentrou nas mãos de um dos mais destacados líderes gaúchos do getulismo, Luís Aranha, o controle tanto da CBD como do CND. Na verdade, o CND, ou seja, o MES, ou seja, Poder Executivo Federal, passou a ser a organização de cúpula do esporte brasileiro, submetendo toda a estrutura outrora autônoma aos ditames do Governo Federal.

O resultado dessa aventura clubística de dirigentes de Botafogo e Fluminense foi a concentração nas mãos do Estado brasileiro por mais de 50 anos do poder sobre todo o setor. A autonomia esportiva, assim, passou a ser tutelada pelos governos de turno, ou seja, não existiu desde o início dos anos 1940 até a primeira metade dos anos 1990.

Passando agora ao segundo evento, voltemos 33 anos na história. E já adianto que não havia botafoguense ou tricolor dos anos 30/40 que imaginasse que justo já em 1988 o mesmo CND, que passou a se vincular ao Ministério da Educação e Cultura – MEC, viria a decidir o Campeão Brasileiro de Futebol de 1987.

Conto a história: a entidade nacional, já transformada em CBF, se via mais uma vez fragilizada por uma disputa entre dirigentes e que resultava em uma profunda divisão em seu seio. Dominada por duas correntes que disputaram juntas as eleições de 1986 e que se desentenderam após a vitória no pleito (chapa Octávio Pinto Guimarães e Nabi Abi Chedid), a CBF não só perdeu o poder sobre o Campeonato Brasileiro como permitiu a criação de uma liga independente, denominada por Clube dos 13. Quando tentou reagir e almejou dominar o campeonato, já rebatizado por Copa União, viu o Flamengo se rebelar e não aceitar o título do Sport de Recife. O clube carioca levou a demanda ao CND, ou seja, a uma estrutura ainda vinculada ao Governo Federal. Em 1988, o órgão decidiu ter sido o rubro-negro do Rio de Janeiro, e não a equipe pernambucana, o time vitorioso no torneio, cassando o resultado esportivo chancelado pela própria CBF.

Repetiu-se mais de 40 anos após a intervenção de Vargas sobre o esporte nacional, em pleno período de redemocratização – Governo Sarney, a perda da autonomia esportiva em nome de uma solução estatal para problemas internos do futebol.

Voltemos ao presente.

Passados mais de 30 anos dessa última intervenção mais efetiva no esporte brasileiro e em uma situação em que eventualmente posições extremadas pusessem em risco a unidade institucional do sistema nacional do futebol, haveria possibilidade de repetição da história?

Trago essa reflexão para lembrar que vivemos “tempos estranhos” em nosso país.

Qualquer iniciativa que porventura avance para o esgarçamento da já frágil tecitura institucional do futebol brasileiro teria que ter em conta as lições que a história brasileira nos ensina.

A postura de diálogo que leve a uma boa concertação política para a solução das divergências, a vontade de mudar o que está errado nessas estruturas e o devido apego à necessidade de manutenção da autonomia esportiva podem ser antídotos à sempre presente sanha intervencionista.

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