A IFAB (International Football Association Board[1]) é o órgão responsável por regulamentar as regras do futebol. Foi fundada em 1883 após um encontro entre membros das Associações Nacionais da Inglaterra, Escócia, País de Gales e Irlanda para definir as regras que seriam aplicadas quando as respectivas seleções se enfrentassem. A IFAB foi inicialmente idealizada como um fórum permanente de regulamentação do futebol. A FIFA, por sua vez, que foi criada em 1904, adotou como padrão as regras da IFAB, que só admitiu a entidade máxima do futebol no ano de 1913, diante do crescimento no futebol na Europa e no mundo.
A IFAB se reúne periodicamente 2 vezes por ano, mais especificamente na Assembleia (ou Reunião) Geral Ordinária, onde são discutidas mudanças e atualizações nas regras do futebol, e no Encontro Anual de Negócios, destinado a resoluções internas de funcionamento. Em suas deliberações, a FIFA conta com 4 “cadeiras”, ao passo que os países britânicos mantêm a mesma representatividade com 1 cadeira cada, sendo que eventual aprovação dependerá da aprovação de 6 representantes. Os países britânicos, fruto da tradição e por terem criado o esporte, na prática, preservam o controle das votações, pois qualquer atualização nas regras fica condicionada a aprovação de, ao menos, 2 de seus representantes.
Eis que, na última semana, após a realização da 139a Reunião Geral Ordinária, ocorrida em Belfast, na Irlanda do Norte, a IFAB anunciou algumas emendas nas regras do jogo. A principal deles seria a atualização da regra 12.2 (tiro livre indireto). Na sistemática atual, se o goleiro segurar a bola por mais de 6 segundos sem fazer a reposição imediata, é mercado um livre indireto dentro da grande área. O mecanismo foi criado anos atrás como forma de coibir a cera (time wasting), já que os goleiros não tinham um intervalo de tempo máximo para fazer a reposição de bola, além de que ainda podiam segurar a bola com mãos após um recuo. A referida mudança, sem dúvida alguma revolucionou e deu novo dinamismo ao esporte, não só no aspecto relativo à cera (que era o objetivo inicial), mas porque passou a requerer novas habilidades dos goleiros, que então passariam a demandar habilidades para jogar com os pés, fazer rápida reposição de bola e a atuar quase como um jogador de linha na construção do jogo, buscando impor superioridade numérica no plano tático.
Ocorre que, com o passar do tempo, verificou-se que o referido tempo máximo de reposição passou a ser desrespeitado, o que foi acentuado pelo fato de a arbitragem ter deixado de realizar o necessário controle. Para efeito ilustrativo, na última semana o portal inglês The Times fez alusão a uma pesquisa realizada na temporada passada da Premier League constatando que alguns goleiros chegam a reter a bola por até 20 segundos como uma estratégia de retardar o jogo[2].
Após alguns testes realizados com sucesso (em competições sub-21 da Premier League e em Malta) e, registrados raros episódios registrados de violação, foi decidido, por unanimidade, que os arqueiros agora terão, no máximo, 8 segundos para segurar a bola com as mãos. Em caso de infração, será concedido um escanteio para a equipe adversária, sendo que os árbitros farão uma sinalização visual para alertar sobre os 5 segundos finais do tempo. A regra entra em aplicação no Super Mundial de Clubes, em junho deste ano, e a partir de julho nas demais competições.
A questão que fica é: será a referida atualização bem-sucedida? Ainda é prematuro realizar qualquer tipo de previsão mais concreta, até porque qualquer lei, por mais pensada e testada que seja, só é efetivamente “batizada” quando colocada em prática efetiva. Será preciso aguardar, ao menos, uma temporada completa de efetiva aplicação para realizar um balanço mais seguro. De qualquer forma, é salutar que a entidade responsável pelas regras do jogo esteja atenta à necessidade de contribuir, sob o ponto de vista das normativas, para dar mais dinamismo ao jogo e aumentar o tempo útil das partidas.
Ainda assim, recebemos a nova normativa com certo ceticismo. A nova regra foi muito propagandeada e comemorada como sendo uma mudança necessária para por fim à cera. Não seria mais lógico e simples cobrar da arbitragem a efetiva aplicação da normativa anterior, que aparentemente não continha imperfeição alguma, e focar atenção em outras questões, como a cera nos tiros de meta? O que garantirá que a nova regra (esta sim!) será colocada aplicada? Por qual razão verificou-se que os goleiros são corresponsáveis pelo time wasting e instituiu-se uma regra que, na verdade, lhes confere ainda mais tempo para reposição de bola? Aliado a isto, por que reduzir a punição pela infração à regra, que sai de um tiro livre indireto quase na linha da pequena área para um escanteio, que na prática representa um xG (expected goal) quase nulo? Não ficarão os arqueiros, em verdade, mais relaxados que antes? Nossa impressão é a de que a batalha contra o time wasting só será vencida com regras duras, exigentes e que sejam aplicadas com o devido rigor, de modo que os jogadores sintam que precisam se adaptar a elas, mas falhamos miseravelmente nesta missão porque há uma inversão de lógica. Os atletas é que são duros e as entidades ficam alterando as regras para se adaptar à realidade, sempre preocupadas em não “estragar” o jogo. Não deveria ser o contrário?
A ver. Esperamos que o tempo mostre que nossa desconfiança era injustificada e que a mudança operou para além do mero simbolismo.
Crédito imagem: EFE/EPA/TIM KEETON
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[1] Para acesso ao site oficial da IFAB: https://www.theifab.com/. Acesso em 05/03/2025.
[2]https://www.thetimes.com/article/793e9f2e-8a33-4cfc-84f7-d3e146aaaa0d?shareToken=3aa75aaab810a8776211f966a9460727. Acesso em 05/03/2025.