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A importância da autonomia desportiva e os desafios da auto-organização das entidades esportivas

O Lei em Campo informou que a advogada-geral da União Europeia emitiu um parecer defendendo que as decisões do Tribunal Arbitral do Esporte (Court of Arbitration for SportCAS) possam ser revistas por tribunais nacionais. O posicionamento surgiu no contexto de uma disputa envolvendo a patinadora de velocidade Claudia Pechstein, que contestou uma decisão do CAS na Alemanha. Pechstein argumenta que as decisões do CAS não respeitam o direito a um julgamento justo, previsto pela legislação europeia.

Segundo advogada-geral da União Europeia, a autonomia do CAS não deve se sobrepor ao direito de acesso à justiça nacional, uma vez que a revisão judicial garantiria maior equilíbrio e proteção aos direitos fundamentais dos atletas.

Mencionado entendimento questiona a competência exclusiva do CAS em julgar disputas esportivas.

O CAS é um tribunal arbitral, e a arbitragem é baseada no princípio da autonomia da vontade das partes, ou seja anuência prévia das partes envolvidas (atletas, clubes, federações e outras entidades esportivas) os quais concordam, anteriormente, em submeter suas disputas ao CAS, renunciando da Justiça Comum.

Referido modelo segue os princípios da arbitragem internacional, nos quais as decisões são vinculantes e finais, salvo em casos de nulidade por vício formal, como descrito na Convenção de Nova York de 1958.

O caráter absoluto das decisões do CAS é fundamental para garantir a eficiência e a previsibilidade no esporte. As demandas esportivas demandam decisões céleres, especialmente em questões relacionadas a competições, para evitar atrasos que prejudiquem eventos esportivos ou cronogramas. Ademais, a irrecorribilidade assegura que as decisões sejam definitivas, evitando intermináveis disputas judiciais que poderiam comprometer a integridade das competições.

As decisões do CAS possuem força vinculante global devido ao reconhecimento de sua jurisdição por parte de organizações esportivas internacionais, como o Comitê Olímpico Internacional (COI), FIFA, UEFA e outras federações internacionais.

Citadas organizações exigem que disputas sejam resolvidas pelo CAS, incluindo em seus regulamentos cláusulas de adesão à arbitragem.

O CAS é considerado por atuar de forma independente, sem influência de governos ou federações, além de ser composto por árbitros com profundo conhecimento das normas esportivas internacionais, garantindo decisões técnicas e bem fundamentadas.

A confiança na neutralidade e especialidade do CAS reduz a necessidade de revisão de suas decisões.

Embora as decisões do CAS sejam consideradas finais, é possível contestá-las em circunstâncias excepcionais no Tribunal Federal Suíço (já que o CAS está sediado na Suíça), mas somente em casos específicos como alegação de parcialidade ou má conduta dos árbitros, desrespeito às regras de arbitragem ou ao direito de defesa, incompatibilidade da decisão com princípios fundamentais de ordem pública, tratando-se em hipóteses extremamente restritas.

O CAS promove a uniformidade na interpretação das normas esportivas globais, garantindo que as regras sejam aplicadas de maneira consistente e uniforme entre diferentes países e federações, bem como que haja um equilíbrio entre as normas locais e os regulamentos internacionais, reforçando a necessidade de decisões finais, que não sejam contestadas em diferentes jurisdições, o que poderia criar inconsistências no sistema.

O caso levanta um debate sobre a legitimidade e competência do CAS, já que sua estrutura é influenciada por organizações esportivas. A posição da advogada-geral não é vinculante, mas pode impactar o entendimento jurídico sobre a revisão de decisões arbitrais e alterar o cenário da resolução de disputas esportivas, especialmente na Europa.

Essa discussão pode influenciar futuras interpretações sobre o equilíbrio entre autonomia esportiva e o direito do acesso à justiça, provocando mudanças significativas no sistema esportivo global.

A autonomia desportiva é um dos pilares fundamentais do direito desportivo em âmbito nacional e internacional, sendo reconhecida como um mecanismo indispensável para garantir a independência e o desenvolvimento sustentável das práticas esportivas. Prevista tanto no ordenamento jurídico brasileiro quanto nas regulamentações internacionais, a autonomia desportiva assegura às entidades de administração do desporto o direito de se auto-organizarem, criando e aplicando seus próprios regulamentos, dentro dos limites estabelecidos pelas leis gerais.

Contudo, embora a autonomia seja uma garantia constitucional no Brasil, prevista no artigo 217 da Constituição Federal, ela não é absoluta. Problemas como a ingerência estatal, conflitos de interesses e a falta de transparência em processos decisórios dentro das entidades esportivas frequentemente colocam essa prerrogativa em cheque. Este artigo analisa a importância da autonomia desportiva à luz da auto-organização das entidades esportivas e discute as problemáticas associadas, especialmente no contexto da governança e do equilíbrio entre liberdade de atuação e responsabilidade pública.

O artigo 217 da Constituição Federal consagra a autonomia das entidades desportivas ao estabelecer o direito de se auto-organizarem, dirigirem e regulamentarem suas atividades, cabendo ao Estado apenas o papel de incentivador, fiscalizador e, quando necessário, regulamentador. Esse princípio foi reforçado pela Lei Pelé (Lei nº 9.615/1998) e mais recentemente pela Lei Geral do Esporte (Lei nº 14.597/2023), que detalham os limites e as responsabilidades das organizações esportivas.

O conceito de autonomia desportiva abrange: i) auto organização: o direito das entidades de criar suas próprias regras internas, regulamentos de competição e códigos disciplinares; ii) a autonomia administrativa: liberdade para gerir recursos financeiros e definir prioridades de investimento; iii) autonomia disciplinar: autoridade para aplicar sanções e resolver conflitos internos.

Um dos desafios da autonomia desportiva reside nas possibilidadees de integência estatal, podendo ocorrer como intervenção direta ou indireta em decisões de federações e confederações esportivas, por meio de legislações específicas ou medidas judiciais, flexibilizando a autonomia desportiva. Exemplos incluem a imposição de regras externas sobre governança ou restrições ao funcionamento das entidades.

Por outro lado, um dos principais problemas enfrentados pelas entidades esportivas é a falta de transparência nos processos decisórios. Muitas organizações ainda carecem de mecanismos de governança efetiva, como auditorias regulares, publicação de balanços financeiros e participação democrática de seus membros. A ausência de boas práticas abre espaço para acusações de corrupção e má gestão, que por sua vez geram questionamentos sobre a legitimidade de sua autonomia.

Outro desafio recorrente é o conflito de interesses entre dirigentes esportivos, patrocinadores e atletas. A autonomia das entidades deve servir ao bem comum e ao desenvolvimento do esporte, mas em alguns casos, os interesses particulares de líderes ou grupos específicos acabam se sobrepondo, comprometendo a credibilidade do sistema esportivo.

Com isso, a auto-organização das entidades esportivas é essencial para o desenvolvimento sustentável do esporte, pois permite a criação de regulamentos específicos que atendem às particularidades de cada modalidade. No entanto, para que essa autonomia seja eficaz, ela deve ser exercida com responsabilidade e transparência.

A implementação de boas práticas de governança é fundamental para equilibrar autonomia e responsabilidade. Entidades que adotam códigos de ética, auditorias regulares e mecanismos de controle interno têm mais chances de assegurar sua independência sem perder a confiança de seus stakeholders.

 Além disso, as entidades esportivas precisam alinhar suas regulamentações internas às diretrizes internacionais, especialmente aquelas estabelecidas por órgãos como o Comitê Olímpico Internacional (COI) e a FIFA. Esse alinhamento fortalece a credibilidade das organizações e evita sanções em âmbito global.

Casos recentes, como os relatos de ingerência na gestão de federações esportivas e a discussão sobre o fair play financeiro, ilustram os desafios enfrentados pelas entidades brasileiras.  A falta de clareza em certos regulamentos e a resistência de alguns dirigentes à adoção de práticas modernas de governança contribuem para a perpetuação de crises no setor.

Por outro lado, a Lei Geral do Esporte representa um avanço ao propor um arcabouço jurídico que equilibra autonomia com responsabilidade. O texto legal reforça a necessidade de transparência financeira e responsabilização dos gestores, ao mesmo tempo em que respeita o direito das entidades de definirem suas próprias regras.

A autonomia desportiva é um princípio indispensável para o fortalecimento do esporte no Brasil. Contudo, ela deve ser exercida de forma responsável e ética, com base em princípios de governança e transparência. A auto-organização é uma ferramenta poderosa para atender às necessidades específicas de cada modalidade, mas sua eficácia depende do compromisso das entidades em respeitar os limites legais e adotar boas práticas.

O equilíbrio entre autonomia e responsabilidade é a chave para construir um sistema esportivo mais justo, transparente e sustentável. A aplicação prática desse equilíbrio requer uma constante revisão das normas, alinhamento com os padrões internacionais e fortalecimento do diálogo entre as entidades esportivas, o poder público e os demais atores do esporte.

A irreversibilidade das decisões do CAS cria precedentes, estabelecendo diretrizes claras para futuras disputas, e tutela a integridade esportiva, impedindo que disputas prolongadas comprometam o funcionamento do esporte, preservando a competitividade e a credibilidade das competições.

A finalidade e a irrecorribilidade das decisões do CAS são essenciais para manter a eficiência, uniformidade e estabilidade no esporte global. O respeito a essas características garante um ambiente esportivo funcional, onde disputas são resolvidas de maneira célere e justa, sem prejudicar a integridade das competições ou comprometer a credibilidade das entidades esportivas. Embora existam mecanismos excepcionais para contestar decisões, eles são limitados e visam preservar a autoridade do tribunal enquanto protegem direitos fundamentais das partes envolvidas.

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