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A importância da FIFA em tempos de Covid-19

O mundo continua parado. Vivemos a pior crise do século, com consequências ainda desconhecidas. Pessoas morrem aos milhares e em alguns lugares já não é possível enterrar os corpos. O cenário, que até 6 meses atrás só era visto em filmes de ficção, ainda assusta muita gente. Mas, pouco a pouco, as pessoas começam a perder o senso de urgência e tomar menos cuidados do que deveriam.

Personagens importantes nesse momento, as entidades esportivas, com destaque para a FIFA, discutem a volta das atividades. E a mensagem que essa discussão passa em nada contribui para o controle do fluxo de pessoas. Sim, é importante discutir como serão retomadas as competições, elaborar protocolos, garantir a sobrevivência dos clubes e os salários de todos os envolvidos. Mas tudo isso precisa ser feito com muito cuidado.

No ambiente internacional, a FIFA tem um papel fundamental e talvez seja uma das entidades que melhor exerce seu soft power[1] desde a Segunda Guerra Mundial. Esse poder é observado de diversas formas, inclusive no comportamento de massas. E a própria FIFA sabe a dimensão de seu poder, tanto que em diversas ocasiões deixou claro seu papel. Um exemplo bastante próximo da situação atual foi o papel que exerceu durante a crise do Ebola, em 2014, quando criou a campanha Together, we can beat Ebola[2].

Esse poder é o que garante à FIFA uma influência que muitas vezes é maior que a da própria ONU. A FIFA fala diretamente com o povo, fala a língua do povo, e tem poder de mobilizar massas que organismos técnicos internacionais não tem. Por isso é fundamental nessa luta, e precisa usar muito bem seu poder para passar a mensagem certa.

Nesse momento, no entanto, a mensagem da FIFA tem sido ambígua. Ao mesmo tempo que decidiu cancelar todos os jogos internacionais programados para junho, a entidade não se posicionou oficialmente sobre a questão. Mais crítico que isso, já circulam diversas informações de que estudam formas de retomar as competições, com medidas como a autorização excepcional de um número maior de substituições, o que dá a sensação de que, para a entidade, a situação já está controlada.

Essa sensação de controle, no entanto, não encontra reflexo na realidade. Em diversos países o pico da crise ainda está distante, e mesmo naqueles que já sofreram muito com a doença, como a Itália, um relaxamento das medidas de contenção pode representar uma segunda onda de doentes.

Para o negócio futebol, o retorno é fundamental. No entanto, a entidade precisa pensar em todos os impactos que esse retorno pode ter. E o impacto de voltar à competição vai além do campo em si. A mensagem que a volta do futebol pode passar é a de que as coisas já estão bem e que as rotinas podem voltar. E essa volta à rotina pode ser ainda mais perigosa para o negócio futebol.

E uma redução precipitada das medidas de isolamento podem ter um efeito ainda pior para as finanças dos clubes. Não só porque seria necessário interromper novamente o calendário, mas também porque os danos econômicos provocados pela crise são diretamente refletidos nas receitas dos clubes. Verbas de patrocínio, consumo dos torcedores, licenciamento de marca e muitas outras receitas certamente serão afetadas, e sua redução será ainda maior que a retração da economia geral.

Sendo assim, é muito importante que as entidades esportivas, em especial a FIFA, caso decidam retomar os campeonatos em ambientes controlados, desenvolvam um plano de comunicação abrangente e que deixem claro que o cenário ainda é complicado e que as medidas de controle não podem ser relaxadas.

O esporte precisa voltar, mas não pode voltar antes da hora.

[1] Termo criado por Joseph Nye e utilizado pela primeira vez em seu livro Bound to Lead: The Changing Nature of American Power, de 1990. Segundo o autor “O conceito básico de poder é a habilidade de influenciar outros a fazer o que você quer. Há três maneiras de se fazer isto: uma delas é ameaçá-los com galhos; a segunda é comprá-los com cenouras; e a terceira é atrai-los ou cooperar com ele para que queiram o mesmo que você. Se você conseguir atraí-los a querer o que você quer, te custarão muito menos cenouras e galhos”. Ou seja, soft power é a capacidade que um ente internacional tem de influenciar o outro sem o uso de força ou dinheiro, algo semelhante à proposta de poder invisível de Bourdieu, em O Poder Simbólico, de 1989.

[2] https://www.fifa.com/videos/11-players-11-messages-1-goal-together-we-can-beat-ebola-2475848

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