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A importância da punição das pequenas infrações

Na última semana muito se comentou sobre a denúncia oferecida pela Procuradoria do STJD da CBF contra o atacante flamenguista Gabriel, o Gabigol. De maneira brilhante, a questão foi abordada aqui (inserir link da matéria) no Lei em Campo pelo professor Martinho Neves Miranda. Para Martinho, a atitude do atleta, ainda que eventualmente tenha apresentado algum desvio, seria tão insignificante que sequer mereceria ser apreciada pelo STJD.

Sob uma outra perspectiva teórica, no entanto, podemos entender que não apenas a atitude deveria ser analisada pelo tribunal como sua punição seria indispensável. Gabriel, ou Gabigol como dizia o cartaz, ao marcar um gol contra o Vasco o atacante foi até a torcida, pegou o cartaz e utilizou em sua comemoração. Não ofendeu ninguém, não atacou ninguém e não provocou qualquer tumulto. Então, por que deveria ser punido?

Todas as competições organizadas pela CBF são orientadas por um conjunto de normas, gerais e específicas. São essas normas que tornam os eventos previsíveis e gerenciáveis, indispensáveis para que o melhor produto seja entregue ao público. Uma dessas normas, o Regulamento Geral de Competições (RGC) diz, em seu artigo 98, que “Todas as ações promocionais que envolvam o campo de jogo e seu entorno, como a utilização de faixas, cartazes, apresentações e manifestações em geral, somente poderão ser realizadas com autorização expressa da DCO, mediante solicitação enviada em até 2 (dois) dias úteis antes da partida” (destaques nossos).

O RGC da CBF, como exposto acima, determina o procedimento a ser adotado em caso de realização de ações promocionais no campo de jogo. Mas, ao comemorar o gol, estaria o atleta realizando uma ação promocional? Que marca ele estava promovendo com o uso do cartaz? Esta é uma das discussões mais importantes do caso, com reflexos que vão muito além dele.

Hoje o futebol é mais que uma paixão, é um negócio. Marcas são expostas a todo momento, mesmo que o consumidor não perceba. Foi para proteger as marcas que cartões começaram a ser aplicados àqueles atletas que tiravam a camisa na hora de comemorar um gol. O grande momento da partida, aquele em que a câmera foca no atleta e, consequentemente, no uniforme que ele veste, é exatamente o momento em que o patrocinador aparece com maior destaque. Quando os atletas tiravam a camisa para comemorar os gols, esse destaque era perdido, e quem investia no futebol via seu investimento ter um retorno menor que o esperado.

Como o mercado não é uma instituição de caridade, ao observar a redução de seu retorno, os patrocinadores valorizavam menos os investimentos, destinando um volume menor de verbas para patrocínios esportivos. E sem um crescimento da receita, não há como desenvolver a modalidade. Com a criação a regra e a maior proteção às marcas patrocinadoras, o valor agregado ao patrocínio esportivo também cresceu.

Mas o que tem a ver a proteção às marcas com a comemoração do “Gabigol”? O futebol de hoje é um mercado muito maior do que a venda de ingressos e transmissão de televisão. Cada clube, cada atleta hoje é uma marca. Os licenciamentos são cada vez mais comuns (como de fato deveriam), e os atletas contam com uma grande estrutura que lhes garante a proteção à marca e à imagem.

Como a imagem acima deixa evidente, Gabigol é hoje uma marca. E ao exibir um cartaz valorizando sua própria marca o atleta está infringindo a disposição do RGC. Mas seria essa infração suficientemente relevante para justificar uma denúncia?

É aí que emerge o debate teórico. Em contraposição à ideia dos romanos de que o juiz não deve cuidar de coisas pequenas (De minimis non curat praetor) temos a teoria das janelas quebradas, apresentada pelo cientista político de Harvard James Q. Wilson, e pelo criminologista de Rutgers George Kelling. Para eles, traços de descontrole social, como a existência de janelas quebradas (que deram nome à teoria) representam um sinal de fraco controle social. Essa fragilidade de controle dá aos indivíduos a sensação de que infrações cometidas não serão checadas.

Quando infrações pequenas são toleradas, essas atitudes deixam de ser consideradas infrações, sendo absorvidas pelo cotidiano social. Desta forma, infrações ligeiramente mais graves que aquelas passam a ser as menos graves, e começam a ser toleradas. De maneira contínua, esse processo leva à aceitação de atitudes que, em um primeiro momento, não seriam toleradas. Por isso, mesmo as infrações mais simples devem ser reprimidas, não pela natureza da infração, mas pela valorização da ordem social.

Nesse sentido, a ação de Gabriel, titular da marca Gabigol, foi corretamente denunciada pela Procuradoria do STJD e, ainda que não tenha sido objeto de punição na Comissão Disciplinar, deixou evidente que o tribunal está atento a esse tipo de atitude e buscará fazer cumprir as regras que regulam a modalidade.

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