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A janela internacional de transferências e a segurança jurídica dos contratos de trabalho dos atletas de futebol

Por Matheus Raymundo

A última “janela”, nome popularmente conhecido do período em que os clubes podem contratar jogadores que atuam em outros países, reservou momentos históricos para o futebol mundial, como a ida do craque argentino Lionel Messi para o multimilionário Paris Saint-Germain-FRA, mesmo tendo sido criado nas categorias de base e com uma carreira totalmente dedicada ao FC Barcelona-ESP. A volta do português Cristiano Ronaldo, após 12 anos, para o Manchester United-ING, saindo da Juventus-ITA, também agitou os noticiários, assim como várias transferências de forte apelo junto aos torcedores das grandes equipes europeias.

No Brasil, vivemos situação semelhante, respeitada a proporção da qualidade técnica dos envolvidos. O Corinthians foi até o Arsenal-ING e fechou o retorno de Willian, meia-atacante oriundo da base alvinegra, que ainda tinha dois anos de contrato para cumprir junto aos ingleses. Além dele, Guiliano, Renato Augusto e Róger Guedes também chegaram ao Timão nesta janela, em situações distintas com seus clubes de origem. O Atlético-MG trouxe o atacante Diego Costa, que estava sem contrato com o Atlético de Madrid-ESP, sua última equipe. O argentino Calleri voltou ao São Paulo Futebol Clube e Dudu à Sociedade Esportiva Palmeiras, onde são muito queridos pelos torcedores, para citar alguns exemplos.

Visando equilibrar a balança financeira, muitos clubes precisaram negociar jogadores. A título de ilustração, na última janela, o Red Bull Bragantino vendeu Claudinho, eleito craque e revelação do Campeonato Brasileiro de 2020, para o Zenit-RUS. O Corinthians, por sua vez, ajustou a transferência de Matheus Vital para o Panathinaikos-GRE. Gerson, volante que atuava no Flamengo, foi para o Olympique de Marselha-FRA. O Grêmio negociou Matheus Henrique e Ruan com o Sassuolo-ITA.

Para que os clubes não sejam surpreendidos, a qualquer momento da temporada, com propostas de equipes de outros países por seus atletas de futebol e não tenham prejuízos técnicos, durante as competições, as transferências internacionais ocorrem dentro de um período determinado. Assim sendo, garante-se a estabilidade do pactuado e o respeito à segurança jurídica dos contratos, que não ficam submetidos a investidas de outras agremiações interessadas no trabalho daquele atleta que, por sua vez, saberá os direitos e deveres que possui junto ao seu empregador, até o termo final do ajuste.

Em 2021, por conta da pandemia de covid-19, foi estabelecido pela Confederação Brasileira de Futebol (CBF) que os dois períodos em que seriam possíveis as transferências internacionais ocorreriam entre 1º de março e 23 de maio e de 1º a 31 de agosto, devido ao fato da temporada 2020 ter ultrapassado o período regular para seu encerramento. Normalmente, a primeira janela “abre” de janeiro a abril e a segunda acontece em julho.

A Constituição Federal de 1988 traz, em seu artigo 5º, XXXVI, a proteção aos direitos adquiridos, aos atos jurídicos perfeitos e às coisas julgadas. Numa interpretação do dispositivo à luz do Direito Contratual, as relações não devem ser abaladas por tentativas de mudanças provocadas deliberadamente por elementos externos e o cumprimento do pactuado deve ser garantido (pacta sunt servanda):

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

(…)

XXXVI – a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada;

Di Pietro discorre sobre a temática:

O princípio da segurança jurídica apresenta o aspecto objetivo, da estabilidade das relações jurídicas, e o aspecto subjetivo, da proteção à confiança ou confiança legítima, este último originário do direito alemão, importado para a União Europeia e, mais recentemente, para o direito brasileiro.

O Regulamento Nacional de Registro e Transferência de Atletas de Futebol (RNRTAF), em seu artigo 26, zela pela estabilidade dos contratos entre clubes e jogadores:

Art. 26 – O atleta sob contrato especial de trabalho desportivo somente estará livre para se transferir a outro clube ao término do prazo contratual ou mediante mútuo acordo devidamente formalizado com seu empregador.

Ainda neste sentido, mas especificamente sobre as transferências internacionais, o RNRTAF prevê, em seu artigo 47, que elas só ocorrerão nos períodos determinados pela Confederação Brasileira de Futebol, que são as conhecidas “janelas”:

Art. 47 – O pedido de transferência internacional de atleta de futebol de campo só pode ser feito em um dos 2 (dois) períodos anuais de registro definidos pela CBF.

Desta forma, observamos que os lapsos temporais estabelecidos pelas federações nacionais para a ocorrência de transferências de atletas de futebol profissional entre clubes de países diferentes visa resguardar seus interesses jurídicos, protegendo o contrato de uma resolução intempestiva; econômicos, pois as agremiações podem preparar-se para receberem ofertas e proporem negociações que sejam vantajosas para todos; e técnicos, devido ao fato de não haver o risco da perda repentina de jogadores importantes num momento-chave da temporada e provocar um desmanche no elenco.

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Matheus Raymundo é advogado e jornalista, pós-graduado em Jornalismo Esportivo e aluno da pós-graduação em Direito Desportivo do CERS/Lei em Campo. Atua como comentarista na TV Cultura do Pará e trabalhou no DAZN Brasil, como repórter e comentarista. Também é Analista de Desempenho no Futebol Profissional, graduado pela CBF Academy e Gestor Técnico no Futebol, pela Universidade do Futebol.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. Disponível em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 02 set. 2021.

CONFEDERAÇÃO BRASILEIRA DE FUTEBOL (CBF). Regulamento Nacional de Registro e Transferência de Atletas de Futebol. CBF, 2021. Disponível em: <https://conteudo.cbf.com.br/cdn/202103/20210302105543_15.pdf> Acesso em: 02 set. 2021.

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. O STJ e o princípio da segurança jurídica. Migalhas, 2019. Disponível em:<https://www.migalhas.com.br/depeso/302189/o-stj-e-o-principio-da-seguranca-juridica> Acesso em: 02 set. 2021.

Quando abrem e fecham as janelas de transferências para jogadores vindos do exterior. GZH Esportes, 2021. Disponível em: <https://gauchazh.clicrbs.com.br/esportes/noticia/2021/07/quando-abrem-e-fecham-as-janelas-de-transferencias-para-jogadores-vindos-do-exterior-ckr2losj8009n0193eh5ms5cr.html>. Acesso em: 02 set. 2021.

TOTH, Henrique. Willian chega a SP e é recebido com sirene no Corinthians: “Estou motivado para jogar”. GE.Globo, 2021. Disponível em: <https://ge.globo.com/futebol/times/corinthians/noticia/willian-desembarca-em-sp-para-se-apresentar-ao-corinthians-estou-motivado-para-jogar.ghtml>. Acesso em 02 set. 2021.

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