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A manipulação nossa de jogos de cada dia…

A coluna de hoje não traz novidades, não inventa a roda, nem tira coelho de cartola! Constata-se que precisaremos ainda investir muito na proteção à integridade dos jogos, para termos a certeza de que os campeonatos não padecem vícios ocultos que os maculem.

A preocupação é crescente e se verifica em escala global. Não se trata de problema de centros desportivos periféricos, não mesmo! É uma realidade na Europa, tanto quanto na Ásia ou na América. E o pior: se espraia por todas as modalidades!!

Recentemente, veiculou-se notícia de que uma partida entre duplas de tênis, no festejado torneio de Roland Garros[1], teria sido objeto de manipulação; d’outro giro, cá nas Américas, precisamente, no interior de São Paulo, na Série A 3 do Campeonato Paulista, o Tribunal de Justiça Desportiva do Futebol suspendeu preventivamente três clubes por suposto envolvimento em manipulação de jogos[2].

Estes são exemplos mais atuais, contudo, se fosse aqui declinar os casos que frequentam os tribunais desportivos ou ordinários seriam inúmeros!

Algo precisa ser feito, com urgência, sobretudo pelo Sistema Desportivo, sob pena de ver-se, cada vez maior a intromissão do Estado na autonomia das entidades desportivas. E, muitos dirão, certamente, com razão.

O tema, como dito, é antigo, useiro e vezeiro, no jargão mais popular, em nossa realidade. Em seu livro “Jogo Roubado”, o jornalista Brett Forrest relata com detalhes a sua saga para descortinar um esquema internacional de manipulação de jogos que nasceu em Cingapura e Kuala Lampur, centrando a sua atenção na figura de Wilson Perumal. O crescimento deste negócio escuso foi tamanho que chamou a atenção da FIFA, além das autoridades policiais da Europa.

Então, qual é a alternativa que nos resta?

Pensar num combate sistêmico e que ocorra em todos os níveis da pirâmide desportiva, não somente se tenha como iniciativa dos órgãos de governo do esporte, como as Federações Internacionais ou Nacionais.

É preciso levar o discurso para além do papel, fazer chegar aos atletas, clubes e entidades de administração regional de modalidades. Ampliar o controle por meio da instituição das comissões de ética e/ou integridade, instituir, cultivar e aplicar políticas de boa governança, exigir que quaisquer entidades que integram o sistema desportivo adotem a instituição de programa de compliance.

Veja-se, por exemplo, o caso do futebol brasileiro. Temos um hiato entre a organização da CBF e da imensa maioria das Federações Estaduais e clubes. Se quisermos deter, efetivamente, o avanço e contágio das manipulações de jogos será preciso criar um ambiente seguro e distante das incertezas que hoje nos assaltam.

Note-se que o caso que citei acima, ocorrido no âmbito do futebol paulista, é merecedor de reflexões mais profundas e nos inspira um elevado temor. A FPF investe na sua estruturação e permite que os seus filiados possam evoluir, dentro e fora dos gramados, portanto, a detecção de um caso nos seus domínios, me atemoriza. Deveras.

Digo isso, pois, se ali, onde existe uma preocupação antiga com a manipulação de jogos, através de contratação da SportRadar[3]; da criação da Comissão de Ética e do Comitê de Integridade[4]; da instituição de Ouvidoria[5] com profissionais gabaritados; da implementação de programas de compliance[6]; ocorrem fatos desse jaez, o que dizer de uma federação que nada fez ou faz a respeito disso?

Algumas medidas podem reforçar o controle, como a admissão de sistemas licenciamento pelas Federações Estaduais para as suas competições; a criação de departamento de compliance e exigência para os clubes também os criem; o monitoramento de jogos por empresas especializadas.

Tais medidas se impõe como forma não apenas de garantir a higidez do resultado esportivo, mas para informar aos torcedores e ao mercado que não se tolerará burlas à ética e disciplina esportivas! E mais, que o Esporte pode se gerir sem intromissões e atuar em conjunto – não de forma submissa – ao Estado na investigação, combate e erradicação da manipulação de jogos.

Tais ações urgem, em especial porque tramita no âmbito do governo federal a construção de instrumento legal que autorizará a exploração das apostas esportivas. O jogador somente optará por investir seu dinheiro em ambiente que tenha certeza da licitude dos jogos, as empresas (casas de aposta) somente aportarão valores ao mercado esportivo se tiverem a certeza de que obterão lucros com campeonatos disputados e livres da mácula da manipulação – que, inclusive, lhes trazem prejuízos aos cofres.

A luta pela ética e integridade no esporte dependerá do maior reforço estrutural fora do campo, quadra ou pista! As facilidades vendidas aos atletas, do mais famoso ao mais desconhecido, são comuns e diárias. Vejo que a única forma de conseguir equilibrar a balança e termos competições eivadas de mácula, seja através da qualificação e preparação de clubes e federações esportivas. Trazer ferramentas de boa prática de gestão, adotar modelos de controles mais efetivos, cultivar uma Justiça Desportiva mais preparada e qualificada são exemplos de medidas que podem ser úteis e garantir um resultado esportivo mais justo.

É preciso sufocar a manipulação nossa de cada dia, sendo enérgicos por meio de ações concretas, não apenas buscando punir os efeitos delas, e sim atingir as suas causas: as nossas próprias mazelas.

……….

[1] “Jogo de Roland Garros é investigado por suspeita de manipulação”. Disponível em: < https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/ansa/2020/10/06/jogo-de-roland-garros-e-investigado-por-suspeita-de-manipulacao.htm> Acessado 13 out 2020.

[2] “FPF suspende três clubes e oito jogadores em caso de suposta de manipulação de jogos na terceira divisão”. Disponível em: < https://globoesporte.globo.com/sp/tem-esporte/futebol/paulista-serie-a3/noticia/fpf-suspende-tres-clubes-e-oito-jogadores-em-caso-de-suposta-manipulacao-na-terceira-divisao.ghtml> Acessado em 13 out 2020.

[3] Esta é a empresa mais destacada no mundo no combate à manipulação de jogos, que firmou contrato com a FPF em 2016. Disponível em: < https://www.sportradar.com/news-archive/federacao-paulista-de-futebol-brings-sportradars-fraud-detection-system-to-south-america/> Acessado em 13 out 2020.

[4] Disponível em: < https://futebolpaulista.com.br/A-Federacao/Comissoes.aspx> Acessado em 13 out 2020.

[5] Disponível em: < https://futebolpaulista.com.br/Competicoes/Ouvidoria.aspx> Acessado em 13 out 2020.

[6] “Federação Paulista de Futebol anuncia Departamento de Governança e Compliance”. Disponível em: < https://futebolpaulista.com.br/Noticias/Detalhe.aspx?Noticia=2264>. Acessado em 13 out 2020.

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