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A ordem tributária e econômica no Brasil – intermediação de atletas é coisa séria

Que o nosso país sempre foi um dos maiores exportadores da matéria prima do futebol até os que não atuam no dia a dia no mercado da bola são sabedores, fato é que na maioria das vezes temos um importante personagem do mercado envolvido nas conhecidas e famosas transferências de atletas.

As respectivas transferências em algumas oportunidades geram receitas que não têm a devida atenção no tocante aos procedimentos administrativos previstos em lei, o que pode levar esta importante e relevante figura a ser responsabilizada criminalmente por práticas contrárias a ordem tributária e econômica (Lei n° 8.137/1990) e pelo crime de lavagem de capitais (Lei n° 9.613/1998).

A importância do planejamento tributário para os intermediários que atuam regularmente no mercado da bola já foi tratada nesta coluna. Agora, abordaremos sumariamente os aspectos e procedimentos administrativos a serem observados para que a atividade de intermediação na transferência de atletas seja considerada legal. O Artigo 1º da Lei n° 8.137/1990 tipifica quais condutas configuram crimes contra a ordem tributária:

Art. 1° Constitui crime contra a ordem tributária suprimir ou reduzir tributo, ou contribuição social e qualquer acessório, mediante as seguintes condutas:

I – omitir informação, ou prestar declaração falsa às autoridades fazendárias;

II – fraudar a fiscalização tributária, inserindo elementos inexatos, ou omitindo operação de qualquer natureza, em documento ou livro exigido pela lei fiscal;

III – falsificar ou alterar nota fiscal, fatura, duplicata, nota de venda, ou qualquer outro documento relativo à operação tributável;

IV – elaborar, distribuir, fornecer, emitir ou utilizar documento que saiba ou deva saber falso ou inexato;

V – negar ou deixar de fornecer, quando obrigatório, nota fiscal ou documento equivalente, relativa a venda de mercadoria ou prestação de serviço, efetivamente realizada, ou fornecê-la em desacordo com a legislação.

Pena – reclusão de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa.

Parágrafo único. A falta de atendimento da exigência da autoridade, no prazo de 10 (dez) dias, que poderá ser convertido em horas em razão da maior ou menor complexidade da matéria ou da dificuldade quanto ao atendimento da exigência, caracteriza a infração prevista no inciso V.

O foco do presente contributo acadêmico, como dito anteriormente, é trazer a real necessidade de atenção para procedimentos administrativos nas operações financeiras sob pena de responsabilização penal, portanto, será dada maior atenção ao inciso V do art. 1°, uma vez que este dispositivo estipula que deixar de fornecer documentos relativos à prestação de serviços efetivamente realizados ou fornecer em desacordo com a legislação poderá configurar crime contra a ordem tributária, com pena de reclusão de dois a cinco anos e multa.

A importância de se ter um advogado tributarista na mesa de negociações é de extrema necessidade, fato este a muito tempo já percebido no meio empresarial, mas ainda relegado no futebol brasileiro, o que tem resultado em inúmeras autuações e sanções em matéria fiscal.

Vale ressaltar que a responsabilização penal do intermediário por crimes contra ordem tributária e econômica independe se o faz como pessoa física ou como pessoa jurídica, uma vez que o artigo 11 da Lei n° 8.137/90 estipula que “Art. 11. Quem, de qualquer modo, inclusive por meio de pessoa jurídica, concorre para os crimes definidos nesta lei, incide nas penas a estes cominadas, na medida de sua culpabilidade”.

A Lei n° 9.613/1998, em seu artigo 9° caput e inciso I, estipula que as pessoas físicas ou jurídicas em suas atividades de captação, intermediação e aplicação de recursos financeiros de terceiros, em moeda nacional ou estrangeira que tenham, em caráter permanente ou eventual, como atividade principal ou acessória, cumulativamente ou não em sua prática, estão sujeitas a mecanismos de controle fiscal com vistas ao combate da ocultação de bens e valores, cumulados com outras obrigações expressas nos artigos 10 (Da Identificação dos Clientes e Manutenção de Registros) e 11 (Da Comunicação de Operações Financeiras) do mesmo diploma legal.

Art. 9o. Sujeitam-se às obrigações referidas nos arts. 10 e 11 as pessoas físicas e jurídicas que tenham, em caráter permanente ou eventual, como atividade principal ou acessória, cumulativamente ou não:

I – a captação, intermediação e aplicação de recursos financeiros de terceiros, em moeda nacional ou estrangeira;

Por seu turno, no parágrafo único, inciso XIV, alínea “f” do art. 9°, verifica-se de forma taxativa que estão sujeitas as respectivas obrigações as pessoas físicas ou jurídicas que prestem serviços de consultoria, assessoria, contadoria, auditoria, aconselhamento ou assistência, de qualquer natureza, quando se tratar de alienação ou aquisição de direitos sobre contratos relacionados a atividades desportivas ou artísticas profissionais.

Art. 9. […]:

Parágrafo único. Sujeitam-se às mesmas obrigações:

XIV – as pessoas físicas ou jurídicas que prestem, mesmo que eventualmente, serviços de assessoria, consultoria, contadoria, auditoria, aconselhamento ou assistência, de qualquer natureza, em operações:

f) de alienação ou aquisição de direitos sobre contratos relacionados a atividades desportivas ou artísticas profissionais; 

Ressalta-se ainda a responsabilidade do intermediário conforme o disposto no parágrafo único, inciso XV, do mesmo artigo, onde deixa claro que os intermediários que atuam nas transferências de atletas, seja como pessoas físicas ou jurídicas, quando se tratar de promoção, intermediação, comercialização, agenciamento ou negociação de direitos de transferência de atletas, artistas ou feiras, exposições ou eventos similares.

XV – pessoas físicas ou jurídicas que atuem na promoção, intermediação, comercialização, agenciamento ou negociação de direitos de transferência de atletas, artistas ou feiras, exposições ou eventos similares; 

O artigo 10 da Lei n° 9.613/1998 trata da necessidade de identificação dos clientes e da manutenção dos registros dos profissionais. Quanto a isso, merece destaque e iremos comentar apenas os incisos I, II e IV, senão vejamos:

Art. 10. As pessoas referidas no art. 9º:

I – identificarão seus clientes e manterão cadastro atualizado, nos termos de instruções emanadas das autoridades competentes;

II – manterão registro de toda transação em moeda nacional ou estrangeira, títulos e valores mobiliários, títulos de crédito, metais, ou qualquer ativo passível de ser convertido em dinheiro, que ultrapassar limite fixado pela autoridade competente e nos termos de instruções por esta expedidas;

IV – deverão cadastrar-se e manter seu cadastro atualizado no órgão regulador ou fiscalizador e, na falta deste, no Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), na forma e condições por eles estabelecidas; [grifos nossos].

O inciso I, trata da necessidade de identificação dos clientes e da manutenção de cadastro atualizado nos termos de instruções emanadas das autoridades competentes, o que se busca é um controle fiscal mais efetivo – portanto, uma fiscalização mais efetiva dos ativos tributários – buscando identificar as pessoas – físicas ou jurídicas – envolvidas nas operações. Isso demonstra a imprescindibilidade de se ter na mesa de negociações um profissional que tenha conhecimento da pauta fiscal seja ela jurídica ou administrativa.

O inciso II, por sua vez, cuida da necessidade de registro das transações independentemente da nacionalidade da moeda operada e qualquer ativo passível de conversão em dinheiro que ultrapasse o limite fixado, a exemplo dos Fan Tokens (são ativos digitais criadas ou hospedados no ambiente de blockchains de outras criptomoedas, como as redes Ethereum e Solana). Essa é uma das tarefas do profissional que trabalha com a matéria fiscal em seu dia a dia, estar atento aos ditames jurídicos que envolvem qualquer transação comercial nos dias atuais e suas principais e mais recentes novidades.

O limite de que trata o inciso II é atualmente regulado pela Resolução nº 30 de 2018 do Conselho de Controle de Atividades Financeiras – COAF, que em sua Seção IV, trata das comunicações ao COAF. Em seu Artigo 5º, inciso I, este dispositivo regula a respectiva matéria estabelecendo um valor de pífio, se comparada as cifras operadas nas transferências de atletas, de R$ 30.000,00.

Art. 5º As operações e propostas de operações listadas a seguir devem ser comunicadas ao COAF, independentemente de análise ou de qualquer outra consideração:

I – qualquer operação que envolva o pagamento ou recebimento em espécie de valor igual ou superior a R$ 30.000,00 (trinta mil reais) ou equivalente em outra moeda;

O inciso III, trata da necessidade de o Intermediário ter seu cadastro devidamente regular e atualizado, e na falta deste a necessidade de regular cadastro junto ao COAF. Neste sentido, entendo que no caso dos intermediários que atual no mercado da bola, o órgão competente em solo brasileiro para manter seu respectivo cadastro regular e atualizado seria a Confederação Brasileira de Futebol – CBF.

Ainda referente a necessidade de comunicação das operações, temos os Artigos 11 e 11-A da Lei n° 9.613/1998, estipulando lapso temporal para determinadas operações assim como a necessidade de comunicação prévia em saques internacionais em espécie, conforme regulado pelo Banco Central do Brasil.

Art. 11. As pessoas referidas no art. 9º:

I – dispensarão especial atenção às operações que, nos termos de instruções emanadas das autoridades competentes, possam constituir-se em sérios indícios dos crimes previstos nesta Lei, ou com eles relacionar-se;

II – deverão comunicar ao Coaf, abstendo-se de dar ciência de tal ato a qualquer pessoa, inclusive àquela à qual se refira a informação, no prazo de 24 (vinte e quatro) horas, a proposta ou realização:

a) de todas as transações referidas no inciso II do art. 10, acompanhadas da identificação de que trata o inciso I do mencionado artigo; e 

b) das operações referidas no inciso I;

III – deverão comunicar ao órgão regulador ou fiscalizador da sua atividade ou, na sua falta, ao Coaf, na periodicidade, forma e condições por eles estabelecidas, a não ocorrência de propostas, transações ou operações passíveis de serem comunicadas nos termos do inciso II.

§ 1º As autoridades competentes, nas instruções referidas no inciso I deste artigo, elaborarão relação de operações que, por suas características, no que se refere às partes envolvidas, valores, forma de realização, instrumentos utilizados, ou pela falta de fundamento econômico ou legal, possam configurar a hipótese nele prevista.

§ 2º As comunicações de boa-fé, feitas na forma prevista neste artigo, não acarretarão responsabilidade civil ou administrativa.

§ 3o O Coaf disponibilizará as comunicações recebidas com base no inciso II do caput aos respectivos órgãos responsáveis pela regulação ou fiscalização das pessoas a que se refere o art. 9o.

Art. 11-A.  As transferências internacionais e os saques em espécie deverão ser previamente comunicados à instituição financeira, nos termos, limites, prazos e condições fixados pelo Banco Central do Brasil.

A necessidade de atenção mínima diante das pautas abordadas neste artigo, ainda que brevemente,  me parece clara, ao não se observar os regramentos legais poderia sim levar o intermediário a ser responsabilizado penal e civilmente, tendo ainda que ressarcir o erário por danos causados a Administração Pública além do que poderá perder seu registro para o exercício da atividade de intermediação de forma regular, conforme dispõe o artigo 12 da Lei n° 9.613 de 1998.

Precisamos estar atentos, intermediação é coisa séria!

Nos siga nas redes sociais: @leiemcampo


REFERÊNCIAS

BRASIL. Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990. Define crimes contra a ordem tributária, econômica e contra as relações de consumo, e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8137.htm. Acesso em: 24 de fev. de 2022.

BRASIL. Lei nº 9.613, de 3 de março de 1998. Dispõe sobre os crimes de “lavagem” ou ocultação de bens, direitos e valores; a prevenção da utilização do sistema financeiro para os ilícitos previstos nesta Lei; cria o Conselho de Controle de Atividades Financeiras – COAF, e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9613.htm. Acesso em: 24 de fev. de 2022.

BRASIL. Banco Central do Brasil – BCB. Conselho de Controle de Atividades Financeiras – COAF. Resolução nº 30, 04 de abril de 2018. Dispõe sobre os procedimentos a serem observados pelas pessoas físicas ou jurídicas que atuem na promoção, intermediação, comercialização, agenciamento ou negociação de direitos de transferência de atletas ou artistas. Disponível em: https://www.legisweb.com.br/legislacao/?id=359862. Acesso em: 24 de fev. de 2022.

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