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A paridade tributária de armas no futebol brasileiro: autonomia constitucional e o equilíbrio competitivo

Com o avançar dos debates em nosso parlamento, atualmente caminhamos para um cenário onde poderemos ter no mesmo campeonato clubes constituídos sob três formas societárias distintas, suportando carga tributária em nada equânimes.

Indaga-se: seria o regime tributário diverso capaz de causar desequilíbrio no resultado final do espetáculo do ponto de vista desportivo?

Inicialmente, insta salientar que a forma como os clubes de futebol no Brasil constitui seu modelo societário vem provocando inúmeros debates, fato é que tal escolha é revestida de total autonomia constitucional, conforme previsão expressa no artigo 217, inciso I da CF/88.

Art. 217. É dever do Estado fomentar práticas desportivas formais e não-formais, como direito de cada um, observados:

I – a autonomia das entidades desportivas dirigentes e associações, quanto a sua organização e funcionamento;

A escolha do modelo no qual o clube pretende operar suas atividades no mercado da bola sempre foi analisada levando-se em conta inúmeros fatores, porém, o ponto principal que se apresenta a décadas como decisivo na respectiva escolha sempre esteve relacionado a carga tributária suportada. Os clubes de futebol em nosso país podem constituir-se de 3 (três) formas, quais sejam: a) associação civil sem fins lucrativos; b) sociedade empresária; e c) Sociedade Anônima do Futebol (SAF).

Quando do uso no modelo associativo sem fins lucrativos os clubes gozam de inúmeros privilégios fiscais, por exemplo, são isentos de IRPJ (Imposto de Renda Pessoa Jurídica), CSLL (Contribuição Social sobre o Lucro Líquido), COFINS (Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social), possui tratamento benéfico em relação ao PIS (Programa de Integração Social), com uma alíquota de 1% tendo como base de cálculo a folha de salários (respectivamente, art. 15, §1º da Lei n° 9.532/97 e arts. 14 e 13 da Medida Provisória n° 2.158-35/2001).

Na modalidade sociedade empresária, com sistemática de apuração pelo lucro real, os clubes tem o seguinte cenário de incidência tributária: IRPJ, a uma alíquota de incidência de 15% e 10% sobre o valor excedente a R$ 20.000,00 (artigo 3º da Lei n° 9.249/1995), CSLL a uma alíquota de 9% sobre o lucro líquido apurado (art. 2º da Lei n° 7.689/88), PIS e COFINS sobre a sistemática do regime não cumulativo, respectivamente, com alíquota de incidência de 1,65% e 7,6%, tendo por base de cálculo seu faturamento mensal (art. 2° da Lei n° 10.637/2002 e art. 16 da Lei n° 10.833/2003, respectivamente).

Por sua vez, quando constituídos como Sociedade Anônima do Futebol (SAF) terão à disposição o regime de Tributação Específica do Futebol (TEF), com a seguinte sistemática de incidência tributária: nos primeiros 5 (cinco) anos, a alíquota de incidência tributária seria de 5%, tendo por base de cálculo a receita bruta, compondo a respectiva alíquota o IRPJ, CSLL, PIS e COFINS, mais as contribuições previstas nos incisos I, II e III e no §6º do artigo 22 da Lei n° 8.212/91(art. 31, §1º, incisos I a V e artigo 32 da Lei n° 14.193/21). A partir do 6º ano terá uma redução de 5% para 4%, porém, as receitas oriundas de transferências de atletas isentas nos primeiros 5 anos passarão a compor a respectiva base de cálculo (§2º do artigo 32 da Lei n° 14.193/21).

Com base nos 3 (três) escopos de incidência tributária acima descritos, podemos identificar os seguintes ônus e bônus:

a) modelo associativo: possui como bônus a menor carga de incidência tributária, como ônus, há a limitação em relação a captação de investimentos, uma vez que o investidor visa lucro e o respectivo modelo veda a distribuição de seus resultados, quando superavitário, haja vista que para manutenção dos privilégios fiscais a não lucratividade é uma de suas condições;

b) modelo sociedade empresarial: temos como bônus a menor quantidade de obrigações a cumprir quando comparado a SAF, porém, o ônus está justamente em ter a maior carga de incidência tributária quando comparado aos demais modelos;

c) A Sociedade Anônima do Futebol: tem como bônus a possibilidade de pagamento de dividendos aos investidores, que passariam a participar dos lucros da SAF. Em relação a incidência tributária ela pode ser vista como ônus se comparada ao modelo associativo e como bônus se comparado a sociedade empresarial. Fato é que as possibilidades trazidas pelo respectivo modelo acabam por deixar a incidência tributária bem mais razoável.

Sabemos que o “céu de brigadeiro” para os clubes seria experimentar as benesses da SAF, com a carga tributária do modelo associativo. No cenário atual alguns pontos precisam ser debatidos e provocados. A Lei n° 14.193/21 quando instituiu o TEF parece não ter levado em consideração questões relevantes que ainda podem ser objeto de inúmeros debates, quem sabe até fazendo com que o tão desejado “céu de brigadeiro” seja possível de ser experimentado pelos clubes de futebol no Brasil.

A previsão do artigo 150, II da CF/88, pode levantar discussão justamente em relação a paridade de armas no tocante a questão concorrencial e em relação a constitucionalidade do respectivo regime especial de tributação.

Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

II – instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos;

Este dispositivo consagra o Princípio da Igualdade Tributária, ou seja, veda tratamento distinto para contribuintes que se encontram em situação equivalente, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos.

Embora exista retórica de que os clubes de futebol não se encontram em ambiente concorrencial, visto que cada clube tem seu público próprio, tal argumento não me parece razoável, uma vez que a relação concorrencial dos clubes em vários aspectos transcende a relação clube/torcedor.

Logo, o Princípio da Igualdade Tributária precisa ser homenageado, as isenções tributárias experimentadas pelos clubes atualmente constituídos no modelo associativo têm amparo em sua relevante função social. Vale ressaltar que não será desvantajoso para a sociedade o clube se transformar em empresa, uma vez que o cunho social dos clubes é intrínseco a sua atividade, sem contar que a Lei n° 14.193/2021 obriga os clubes enquanto Sociedade Anônima de instituir o Programa de Desenvolvimento Educacional e Social – PDE (art. 28 da Lei 14.193/2021).

Assim, tributar os clubes da mesma maneira que outras sociedades anônimas contraria a legislação própria que rege os clubes de futebol enquanto Sociedades Anônimas do Futebol (SAF), uma vez que foi criado um modelo societário específico para o futebol, inclusive, a Lei n° 6.404/1976 tem aplicabilidade subsidiária (art. 1º da Lei n° 14.193/2021) sendo avocada somente na falta de previsão expressa na Lei n° 14.193/2021.

A razão de surgir da SAF não foi para aumento de receita tributária para os cofres públicos, mas para uso de melhores práticas de gestão, maior possibilidade de investimentos, tratamento eficaz dos passivos que se arrastam a décadas, governança corporativa etc. O debate, portanto, reside ou deveria residir sobre como tornar os clubes mais viáveis e mais atrativos. Partindo da premissa que a intenção não é tributar, visto que os clubes não deixarão de contribuir de forma relevante do ponto de vista social, então, por qual motivo os clubes não poderiam ser submetidos ao regime legal da SAF com a carga tributária dos clubes associativos homenageando o Princípio da Igualdade Tributária?

Logo, se o argumento for que os clubes não atuam em um ambiente concorrencial entre si, indaga-se: os clubes enquanto Sociedades Anônimas do Futebol encontram-se em ambiente concorrencial com as demais Sociedades Anônimas, sendo que cada uma responde a diplomas legais diversos?

O presente artigo sequer adentrará no bojo constitucional do artigo 146 da Carta Magna para que não percamos o foco em relação a isonomia tributária, haja vista que o respectivo comando constitucional trata de matéria reservada a Lei complementar, que será objeto de outro estudo.

Será mesmo que a facultatividade de adesão ao modelo societário trazido pela Lei n° 14.193/21 teria o condão de sanar a possível inconstitucionalidade acima citada? Se provocada a discussão, poderiam os dispositivos que versam sobre o regime de Tributação Específica do Futebol (TEF) ser declarados inconstitucionais?

Embora eu seja totalmente favorável a Sociedade Anônima do Futebol assim como a aplicação de um Regime Especial de Tributação, entendo que o debate precisará ser enfrentado. Todavia, seja agradando ou desagradando a gregos e troianos, o debate sobre a (in)constitucionalidade do regime tributário não pode ser renunciado.

É notório que o Estado não cumpre com eficiência uma de suas principais funções, qual seja, a redução da desigualdade social, o que os clubes de futebol independentemente do modelo societário continuarão cumprindo com excelência seu compromisso social de enfrentamento dessa dura realidade ainda presente em nosso país, demonstrando assim a importância dos benefícios fiscais experimentados pela indústria da bola.

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REFERÊNCIAS

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Presidência da República, 2021. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em 11 de nov. de 2021.

BRASIL. Lei n° 7.689, de 15 de dezembro de 1988. Institui contribuição social sobre o lucro das pessoas jurídicas e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L7689.htm. Acesso em: 11 de nov. de 2021.

BRASIL. Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991. Dispõe sobre a organização da Seguridade Social, institui Plano de Custeio, e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8212cons.htm. Acesso. Acesso em: 11 de nov. de 2021.

BRASIL. Lei nº 9.249, de 26 de dezembro de 1995. Altera a legislação do imposto de renda das pessoas jurídicas, bem como da contribuição social sobre o lucro líquido, e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9249.htm. Acesso em 11 de nov. de 2021.

BRASIL. Lei nº 9.532, de 10 de dezembro de 1997. Altera a legislação tributária federal e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9532.htm. Acesso em 11 de nov. de 2021.

BRASIL. Lei n° 10.833, de 29 de dezembro de 2003. Altera a Legislação Tributária Federal e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/l10.833.htm. Acesso em 11 de nov. de 2021.

BRASIL. Lei no 10.637, de 30 de dezembro de 2002. Dispõe sobre a não-cumulatividade na cobrança da contribuição para os Programas de Integração Social (PIS) e de Formação do Patrimônio do Servidor Público (Pasep), nos casos que especifica; sobre o pagamento e o parcelamento de débitos tributários federais, a compensação de créditos fiscais, a declaração de inaptidão de inscrição de pessoas jurídicas, a legislação aduaneira, e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10637.htm. Acesso em 11 de nov. de 2021.

BRASIL. Medida provisória no 2.158-35, de 24 de agosto de 2001. Altera a legislação das Contribuições para a Seguridade Social – COFINS, para os Programas de Integração Social e de Formação do Patrimônio do Servidor Público – PIS/PASEP e do Imposto sobre a Renda, e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/mpv/2158-35.htm. Acesso em 11 de nov. de 2021.

BRASIL. Lei nº 14.193, de 6 de agosto de 2021. Institui a Sociedade Anônima do Futebol e dispõe sobre normas de constituição, governança, controle e transparência, meios de financiamento da atividade futebolística, tratamento dos passivos das entidades de práticas desportivas e regime tributário específico; e altera as Leis nºs 9.615, de 24 de março de 1998, e 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil). Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2019-2022/2021/Lei/L14193.htm. Acesso em: 11 de nov. de 2021.

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