Pesquisar
Feche esta caixa de pesquisa.

A quebra de contrato diante da falta de lutas no One Championship

INTRODUÇÃO

O lutador de Muay Thai peso leve do ONE Championship, Dmitry Menshikov, obteve uma vitória brutal por nocaute sobre o tailandês Tengnueng na última sexta, em combate ocorrido no ONE Friday Fight 97. Uma emocionante luta de 1 round, que mostrou um confronto entre o estilo de Muay Mat com muitos socos de Menshikov e o poderoso estilo de chutes de Muay Tae exibido por Tengnueng, que culminou num nocaute violento e dramático.

Apesar de inicialmente ter enfrentado dificuldades com os chutes baixos de Tengueng, no final do round, Menshikov encontrou seu alcance, balançando Tengnueng, que não perdia desde 2018, antes de finalizá-lo com uma combinação brutal de uppercut e gancho de esquerda, deixando o tailandês inconsciente no corner no momento em que o sino tocou para indicar o fim do round.

Porém, antes da luta, por intermédio de sua equipe jurídica e de seu empresário, Menshikov já havia informado ao ONE[1] que planejava deixar o evento, após um ano de inatividade em 2024, durante o qual o ONE só lhe ofereceu uma única luta, apesar das promessas anteriores de mais oportunidades, tendo Menshikov, que ostenta um impressionante recorde de 3 a 1 no ONE, com todas as vitórias por nocaute ou nocaute técnico, expressado frustração com a falta de combates, apesar de suas performances consistentes.

A CLÁUSULA DE GARANTIA DE LUTAS

Não é a primeira vez que esse abandono de atletas por ausência de lutas ocorre no One Championship. Ainda em novembro de 2024, outro atleta de MMA questionou a falta de combates quando integrava o plantel da promoção cingapurense. Foi o caso de Reinier de Ridder, que rompeu o vínculo, exclusivo, com o evento ONE Championship e foi contratado pelo UFC.

Reinier declarou à imprensa esportiva o seguinte à época:

Isso é algo que eu sinto que tenho que fazer para outros lutadores – se você está pensando em assinar com o ONE Championship, não o faça. É simples assim. Você não deve. Não há nada lá. Não há lutas. Você está simplesmente errado se fizer isso, se assinar lá, é um erro grave.[2] (tradução nossa)

De fato, é complicada a situação de um atleta que esta diante de um contrato de exclusividade com um evento e dele depende para seu sustento. Vejamos então a cláusula no contrato do One Championship que impede o atleta de trabalhar em outros eventos:

  1. DIREITOS PROMOCIONAIS E OUTROS DIREITOS

2.1 Em consideração aos compromissos mútuos contidos neste contrato, e com efeito a partir da data especificada no item 1 do Anexo 1 (“Data de Vigência”), o Atleta concede à Empresa e suas afiliadas o direito irrevogável, exclusivo e mundial de:

a) organizar, gerenciar ou assegurar para e em nome do Atleta, e anunciar, divulgar ou de outra forma promover o Atleta em relação a ou em conexão com toda e qualquer Luta e Evento Associado do qual ele participará durante o Prazo (“Direitos Promocionais”);[3] (tradução e grifos nossos)

Ocorre que o mesmo instrumento traz previsão de obrigação da promoção oferecer no mínimo duas lutas por ano ao atleta, se não, vejamos:

8) Condições especiais

[…]

ii. A partir da Data de Vigência e até a expiração ou pré-terminação do Prazo, a Empresa oferecerá ao Atleta a participação em 2 Partidas por período consecutivo de 12 meses.[4] (tradução e grifo nossos)

O empresário de Menshikov, Andrey Busygin, enfatizou[5] que assinar um contrato de exclusividade com um atleta implica em competições regulares, o que não ocorreu nesse caso. Em declaração, Menshikov assim se pronunciou quanto ao caso:

Tive algumas lutas excelentes com a ONE, mas uma única luta por ano não é um calendário sustentável para um atleta competitivo e é uma clara violação do acordo entre o lutador e a organização quando firmamos um contrato promocional. Por esse motivo, entrarei em agência livre após a luta de 14 de fevereiro.

Acho estranho que todas as minhas vitórias tenham sido por nocaute ou nocaute técnico, mas o ONE optou por remarcar os lutadores que eu nocauteei em vez de mim. Talvez eles fossem mais baratos, não sei. É difícil saber tudo o que está acontecendo no ONE – nossas tentativas ao longo de 2024 de entrar em contato com os matchmakers foram recebidas com um silêncio ensurdecedor.

Vários lutadores saíram recentemente por estarem frustrados, como Sage Northcutt e Reinier de Ridder, e acho que essa é a melhor solução para mim também. De qualquer forma, meu contrato tem apenas alguns meses restantes. A essa altura, provavelmente é mais fácil para todos nós seguirmos caminhos separados.[6] (tradução nossa)

Menshikov é o mais recente lutador a expressar seu descontentamento com a situação atual do ONE.

Analisemos, então, a situação, diante da quebra de contrato apontada pelo atleta e o foro escolhido, Cingapura.

A QUEBRA DE CONTRATO POR PARTE DO ONE

A doutrina da common law adotada em Cingapura é substancialmente a mesma da Inglaterra.[7] Destarte, a semelhança, no que se refere à formação dos contratos no Brasil e na Inglaterra, pelo fato de que ambos os sistemas adotam a sistemática da proposta (offer) seguida de aceitação (acceptance) para a conclusão de um contrato[8], nos permite analisar o instituto da quebra de contrato por meio da legislação brasileira.

In casu, o atleta alega que, embora exclusivo do evento, deixou de ser chamado ao menos duas vezes por ano para lutar, citando disposição contratual a prever tal obrigação por parte da promoção.

O não cumprimento da obrigação na forma, modo e tempo estabelecidos pela lei, ou pelo contrato, pode, conforme o caso, apresentar-se sob a forma de simples atraso (mora) ou de inadimplemento parcial ou total.[9]

A obrigação violada pode ser legal ou contratual. A distinção se baseia na origem do dever jurídico e tem alcance prático no direito pátrio. Assim é que, no campo contratual, há um dever determinado aceito pelas partes e a quebra do contrato implica, por si só, a culpa presumida em virtude do inadimplemento (culpa in contrahendo), enquanto em relação à responsabilidade legal cabe ao autor provar não apenas o dano e a sua causa, mas ainda a culpa do réu, salvo nos casos em que a própria lei presume juris tantum (até prova em contrário) ou juris et de jure (não admitindo prova em contrário) a ocorrência de culpa.[10]

Destarte, incorreu em quebra de contrato o evento por não tem cumprido com a obrigação legal de dar lutas ao atleta, uma vez que é público o fato dele não ter se ativado em combates conforme a previsão contratual, tendo o mesmo anuído com a sua parte no acordo ao não se dispor a lutar em outras promoções.

Ainda, de acordo com a lei inglesa, uma violação de contrato não dá automaticamente à parte não violadora o direito de rescindir o contrato.[11] Uma violação repudiatória[12], no entanto, é uma violação de contrato que permite que a parte não violadora trate o contrato como tendo chegado ao fim, como fez Menshikov. As partes também têm o direito de declarar explicitamente que a violação de um termo resulta em rescisão, mesmo que esse direito não esteja previsto na lei comum.[13]

Cabe à parte que não violou o contrato decidir se aceitará a violação e tratará o contrato como rescindido ou se afirmará o contrato e exigirá o cumprimento contínuo. Embora o direito de rescindir um contrato não esteja geralmente sujeito a um dever de boa-fé, os tribunais indicaram recentemente que pode ser discutível, em certos casos, que um direito de rescisão esteja sujeito a esse limite implícito. Em Bates v. Post Office Ltd (No. 3), foi considerado que um contrato comercial de serviços que regia um relacionamento semelhante a um emprego estava sujeito a um dever geral implícito de boa-fé, que afetava o exercício de todos os direitos de rescisão.[14] Considerando que o trabalho de um lutador tem indícios de relação de emprego[15], o mesmo entendimento poderia ser aplicado no caso ora em discussão.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A situação de Menshikov destaca as frustrações mais amplas entre os lutadores com relação à programação de lutas e às práticas de comunicação do ONE Championship, que se repetem nas experiências de outros atletas que já abandonaram o evento, como Sage Northcutt e Reinier de Ridder.

Essa situação exemplifica os desafios que os atletas enfrentam para garantir oportunidades consistentes em contratos exclusivos e levanta preocupações sobre a transparência organizacional e a satisfação dos lutadores em esportes de combate.

Crédito imagem: One Championship/Divulgação

Nos siga nas redes sociais: @leiemcampo


[1] https://www.lowkickmma.com/dmitry-menshikov-serves-legal-notice-one-championship-over-contract-breach/.

[2] https://www.mmafighting.com/2024/11/10/24292508/reinier-de-ridder-warns-fighters-not-to-sign-with-one-championship-interested-khamzat-chimaev-fight.

[3] BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado de Manaus. Execução de Título Extrajudicial nº 0750699-31.2021.8.04.0001. Contrato de atleta do ONE Championship. Documento: Contrato. Manaus, AM: 9ª Vara Cível e de Acidentes de Trabalho da Comarca de Manaus, 2021. Acesso em 15 fev. 2025.

[4] Ibid.

[5] https://www.lowkickmma.com/dmitry-menshikov-serves-legal-notice-one-championship-over-contract-breach/.

[6] https://www.lowkickmma.com/dmitry-menshikov-serves-legal-notice-one-championship-over-contract-breach/.

[7] COURTNEY, Wayne. Contracts in the time of COVID-19: Common Law and statutory solutions in Singapore. In: WITZLEB, Normann. Contract Law in Changing Times. EUA: Routledge, 2023. cap. 4, p. 56-71.

[8] BARKAN, Ariel Sigal. A formação dos contratos no Brasil e na Inglaterra: semelhanças e diferenças. Orientador: Lisiane Feiten Wingert Ody. 2020. Trabalho de conclusão de graduação (Bacharelado em Direito) – Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Faculdade de Direito. Curso de Ciências Jurídicas e Sociais., RIO GRANDE DO SUL, 2020. Disponível em: http://hdl.handle.net/10183/252177. Acesso em: 16 fev. 2025.

[9] WALD, Arnoldo et alDireito das obrigações e teoria geral dos contratos. São Paulo: Thomson Reuters, 2023.

[10] Ibid.

[11] BILLINGTON, Aisling. Spotlight: breach of contract claims in United Kingdom (England & Wales). Lexology, [S. l.], p. 1, 29 nov. 2022. Disponível em: g Billington. Acesso em: 16 fev. 2025.

[12] Uma violação repudiatória é uma violação de um contrato tão grave que atinge o núcleo do contrato e priva a parte inocente de seu benefício. Ela dá à parte inocente o direito de

– rescindir o contrato aceitando a violação repudiatória e buscar indenização; ou não rescindir o contrato; e

– renunciar ao direito de rescindir, tratar o contrato como contínuo e buscar indenização; ou

– renunciar totalmente à violação e aceitar a execução do contrato (o que resultaria na perda do direito de reivindicar indenização pela parte inocente).

[13] Ibid.

[14] Ibid.

[15] Defendemos em artigo que esse tipo de contrato é passível de configuração de vínculo empregatício: COSTA, Elthon José Gusmão da; COSTA, Maria Luisa Borba da. O Contrato Desportivo do Atleta de MMA à Luz do Direito Trabalhista Brasileiro. In: FELICIANO, Guilherme Guimarães et al. Direito do Trabalho Desportivo: Panorama, Crítica e Porvir: estudos em homenagem aos ministros Pedro Paulo Teixeira Manus e Walmir Oliveira da Costa in memoriam. 1. ed. Campinas, SP: Lacier, 2024. p. 169-181.

Compartilhe

Você pode gostar

Assine nossa newsletter

Toda sexta você receberá no seu e-mail os destaques da semana e as novidades do mundo do direito esportivo.