Na última semana, faltando cerca de 2 meses para o início do Campeonato Brasileiro, a CBF anunciou mudanças e uma completa reestruturação de sua comissão de arbitragem. Após ter comandado a referida comissão por quase 3 anos, Wilson Seneme foi desligado, de modo que o comando da arbitragem brasileira agora ficará cargo de um colegiado plural formado por especialistas nacionais e internacionais. Comporão a nova comissão um colegiado de sete pessoas, coordenado por Rodrigo Martins Cintra, contando com Luiz Flávio Oliveira, Marcelo Van Gasse, Fabrício Villarinho, Luiz Carlos Câmara Bezerra, Eveliny Almeida e Emerson Filipo Coelho. Também haverá um comitê de consultores composto pelo argentino Nestor Pitana, pelo italiano Nicola Rizzoli e pelo brasileiro Sandro Meira Ricci, o qual será responsável por avaliar semanalmente a atuação dos profissionais e a montagem do quadro nacional de árbitros.
A decisão pela reformulação teria partido de desgastes internos e das constantes polêmicas envolvendo a atuação da arbitragem brasileira, constantemente envolvida em discussões em torno de decisões disciplinares, falta de critérios uniformes em marcações e atuação do VAR. O Presidente da CBF, Ednaldo Rodrigues, anunciou, ainda, a criação de um ranking de árbitros, para que os juízes em melhor momento possam ser escolhidos quando da montagem das escalas dos jogos mais importantes em competições organizadas pela CBF (com divulgação e atualização periódica da classificação dos árbitros e feedback das performances), e da Escola Nacional de Arbitragem, com o intuito de qualificar e padronizar a atuação dos profissionais do apito. O dirigente também indicou esforços para, em até 24 meses, encaminhar ao Congresso Nacional uma minuta de projeto no sentido da regulamentação da profissionalização da arbitragem. A entidade promete, ainda, retomar a prática de análises que mostram os erros e acertos da arbitragem ao longo do Campeonato Brasileiro e da Copa do Brasil.
É inegável que tudo que for feito no intuito de qualificar a atuação dos profissionais de arbitragem e de garantir maior transparência nas decisões é sempre muito bem-vindo. O fato de a comissão e o comitê serem colegiados também pode favorecer uma atuação menos centralizadora e refletir concepções de atuação mais plurais. Não obstante, embora ainda seja cedo para um posicionamento mais definitivo, a postura deve ser de cautela e até de desconfiança em relação às mudanças anunciadas. Explica-se.
Como já viemos defendendo em colunas anteriores, o maior problema da arbitragem brasileira não é dos profissionais em si, mas de cultura. A arbitragem nacional é culturalmente intervencionista. Esta é a raiz das incongruências nas marcações dentro de campo e da falta de critérios uniformes em várias decisões. Trata-se de algo que já faz parte da cultura vigente entre os profissionais da área: o árbitro não apenas aplica a regra, mas precisa essencialmente administrar o jogo. Os novos árbitros são ensinados a atuar desta forma e replicam este padrão de atuação. Quem nunca notou que no início dos jogos a violência é mais tolerada na parte disciplinar, menos cartões são aplicados, alguns árbitros marcam mais “faltinhas”, tudo para evitar estragar os jogos e perder o controle da partida? Tudo abertamente admitido por eles e pelos ex-árbitros que se tornaram comentaristas de arbitragem (em nenhum outro esporte ou lugar do mundo essa figura exótica existe!). Com garantir uniformidade nos critérios durante as partidas se esta é a premissa de atuação dos árbitros? Daí que, não à toa, historicamente, mudar os árbitros, renovar os quadros e o comando da arbitragem nunca produziu os efeitos desejados. Saem as pessoas e a cultura permanece, por mais sérias e bem-intencionadas que elas sejam.
Não há dúvidas que um dos caminhos necessários de reforma de arbitragem brasileira seria transferir o comando para pessoas oriundas de outras culturas de prática do apito. O fato de a CBF trazer renomados ex-árbitros estrangeiros para compor o comitê de consultores poderia refletir um sopro de esperança, mas, pelas informações até então divulgadas, tais profissionais terão uma atuação mais distante de supervisão, sem cuidar mais diretamente do dia-a-dia da arbitragem, que ficará a cargo da comissão colegiada “nacional”.
Com os mesmos profissionais de “sempre” cuidando do apito, as pressões serão as mesmas e a reação também tende a ser a mesma de sempre. No início, máxima transparência. Aos poucos, os constrangimentos e a cultura de autopreservação tendem a fazer regredir o movimento que inicialmente parecia representar um avanço. Quem não se recorda das reações negativas do comando da arbitragem brasileira quando se começava a especular sobre a necessidade de divulgação dos áudios do VAR? Daí nosso ceticismo. De qualquer sorte, reconhecemos que a solução para um desafio tão complexo não é simples. Já é louvável a tentativa de mudança, ao menos. Sempre persistirá o desafio de lidar com a subjetividade na aplicação das regras do futebol, que é esporte de contato.
Diante do exposto, fica a pergunta que não quer calar: terá sido a anunciada reforma da arbitragem uma mera atitude simbólica da CBF (mais do mesmo), ou finalmente algo mais profundo, estrutural, será colocado em prática? Só o tempo dirá. Seguiremos de olho, sempre desconfiando. E que a CBF não recue da promessa de implementar a tecnologia do impedimento semiautomático no Brasileirão 2025, desde a primeira rodada.
Crédito imagem: CBF/Divulgação
Nos siga nas redes sociais: @leiemcampo