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A repressão da conduta violenta do torcedor, com ou sem jogo!

Por Carla Patussi

Aparentemente esporte e violência são assuntos totalmente dissociados, e até antagônicos. Na atualidade, nem sempre. O que muitos não sabem é que o Brasil é o país que mais mata por causa de futebol de todo o planeta.

Em face disso, a Lei 10.671 de 15 de maio de 2003, denominada Estatuto do Torcedor, foi editada com o objetivo de regulamentar a relação entre torcedores e entidades promotoras de eventos esportivos com o enfoque na proteção e defesa dos direitos do torcedor.

Apesar de a população brasileira ser reconhecidamente apaixonada por esportes, o teor da referida legislação é ainda muito desconhecido pelo público. Ciente da importância principalmente do futebol na cultura nacional, o Estatuto do Torcedor se propõe a assegurar o direito do cidadão de ter acesso ao esporte em condições de segurança, acessibilidade e higiene, para que os momentos de torcida, vibração e comemoração não se tornem uma amarga lembrança.

No entanto, nem só de direitos se compõe a norma.

A realidade no que tange à segurança pública nos estádios e ginásios infelizmente é deficiente e por si só não conseguiu coibir a violência de alguns entusiastas. Em razão disso, o Estatuto do Torcedor previu normas rígidas de punição aos infratores.

Desvirtuando o objetivo precípuo das torcidas organizadas e do acompanhamento pessoal dos torcedores nas competições, alguns expectadores extravasam a paixão pelo time em atos de discriminação, hostilidade e violência nas arenas.

A necessidade se de manter um ambiente amistoso e seguro para acompanhamento das práticas desportivas, levou o Poder Legislativo a trazer no Estatuto do Torcedor uma das poucas exceções à regra[1] que estabelece que o cumprimento de pena restritiva de direito, quando substitutiva, se dará na mesma duração da pena privativa de liberdade estabelecida na sentença penal condenatória que a deu lugar.

Isso porque estabelece[2] para quem promover tumulto, praticar ou incitar a violência, ou invadir local restrito aos competidores em eventos esportivos a pena de prisão (de reclusão) que varia de 1 a 2 anos, cumulada com multa. Mas, em seguida, o § 2º do mesmo artigo, prevê que na sentença penal condenatória, o juiz deverá converter a pena de prisão em pena impeditiva de comparecimento às proximidades do estádio, bem como a qualquer local em que se realize evento esportivo, pelo prazo de 3 meses a 3 anos, desde que preenchidos alguns requisitos[3] previstos na legislação.

Dessa forma, para proteger o direito de muitos torcedores, o legislador estabeleceu a possibilidade de cumprimento de uma pena mais longa (de até 3 anos), mesmo que mais branda que a prisão (com pena máxima de 2 anos), para o infrator que exceder à conduta desportiva, tumultuando, incitando ou agindo com violência nos locais dos eventos desportivos.

Tal entendimento leva também em conta a realidade de que o Brasil tem hoje a terceira maior população carcerária do mundo, com 812.564 presos, segundo o Banco de Monitoramento de Prisões, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) em julho de 2019, quando esse número era de 602.217 presos em agosto de 2018, atrás apenas dos Estados Unidos e da China.

No viés das penalidades às torcidas organizadas, o pensamento é o mesmo. O Projeto de Lei 12/2017 aprovado hoje pelo Senado Federal, ao aguardo de sanção presidencial, prevê um aumento de 3 para até 5 anos da impossibilidade de comparecimento aos eventos esportivos para a torcida organizada que, em evento esportivo, promover tumulto, praticar ou incitar a violência ou invadir local restrito aos competidores, árbitros, fiscais, dirigentes, organizadores ou jornalistas; ou seja, quase o dobro da penalidade máxima atual.

Somando-se a isso, o mesmo Projeto amplia a abrangência da norma, prevendo a mesma penalidade de até 5 anos para os atos praticados pelas torcidas organizadas em invasão de treinos, confronto com torcedores e ilícitos praticados contra profissionais em seus períodos de folga, bem como a outras condutas praticadas por torcidas organizadas em razão de evento esportivo, ainda que em datas e locais distintos das partidas. Com isso o Projeto visa abarcar situações antes não previstas que não ocorrem nas datas/locais dos eventos esportivos, mas em razão deles ou nos seus bastidores, protegendo atletas e torcedores dos excessos das torcidas organizadas.

Nesses termos, pode ser observado o objetivo do legislador em severamente coibir a violência sem afetar o sistema prisional, já em muito sobrecarregado e, ainda assim, oferecer aos torcedores e competidores um ambiente seguro e amistoso, fomentando a prática desportiva, instrumento de saúde, socialização, cultura e entretenimento, direitos fundamentais constitucionalmente previstos.

O orgulho de exibir a camiseta em qualquer hora e lugar, bem como o prazer de ir a um estádio com os amigos, a família e os filhos menores acompanhar o tão defendido time do coração em paz e despreocupado, fica cada dia mais próximo.

[1] Art. 55. As penas restritivas de direitos referidas nos incisos III, IV, V e VI do art. 43 terão a mesma duração da pena privativa de liberdade substituída, ressalvado o disposto no § 4o do art. 46. (Redação dada pela Lei nº 9.714, de 1998)

[2] Crime previsto no artigo 41-B e §2º, da Lei 10.671/03.

[3] De acordo com a gravidade da conduta, na hipótese de o agente ser primário, ter bons antecedentes e não ter sido punido anteriormente pela prática de condutas previstas neste artigo.

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Carla Patussi é advogada e especialista em processo e direito do trabalho e civil.

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