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A rescisão indireta do contrato de trabalho do atleta, pelo incorreto uso da MP 936/2020

Por Higor Maffei Bellini

Passados quatro meses da entrada em vigor da Medida Provisória 936/2020, em 1º de abril de 2020, que foi convertida em lei, quando da publicação da Lei 14.020, de 6 de julho de 2020, que introduziu e instituiu o Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda, e possibilitou aos clubes brasileiros, de todos os esportes, realizar acordos visando a redução proporcional de jornada de trabalho, de salários e a suspensão de contratos dos atletas, bem como dos demais empregados. Começam a surgir os primeiros casos, na justiça do trabalho, de atletas buscando a rescisão indireta do contrato de trabalho, em razão da forma como foi efetuada esta redução salarial.

Muitos clubes no Brasil, sempre lembrando que o esporte no Brasil, não se resume ao futebol, das series “A” e “B” do campeonato brasileiro masculino, sem se atentar para os requisitos legais trazidos pela Medida Provisória, para efetuar a redução dos salários, que eram a celebração de um acordo escrito nesse sentido, seja com cada um dos atletas, seja com o sindicato dos atletas de seus estados. Simplesmente impuseram a redução dos vencimentos salariais aos atletas, sem explicar por quais motivos seria adotado determinado percentual de redução salarial, já que não deixaram claro qual seria a redução da jornada de trabalho.

É na própria redação naquela época da Medida Provisória, que não foi pensada em atletas, que tem um contrato de trabalho especial, por prazo determinado, mas, sim em empregados que tenham contrato por prazo indeterminado, que está determinada necessidade da celebração de um acordo, para a redução salarial, mais precisamente nos artigos art. 7°, 11 e 12. Sendo que estes requisitos se encontram repetidos no texto da lei 14.020/2020, com a mesma numeração. Sem a celebração deste acordo seja em âmbito individual com o atleta segundo o artigo 7º ou coletivo como o estabelecido no 11 a redução salarial se tornou ilegal.

Caso a entidade empregadora não tenha qualquer desses documentos, acordo individual ou coletivo de trabalho específico para este fim, fato que invalida a redução salarial perpetrada deverá ser reconhecido a mora salarial. Uma vez que, o clube já que está com atraso no pagamento dos salários, já que não os pagou de forma integral, como o estabelecido no art. 31 da Lei Pelé, inclusive quanto em relação ao período de tempo mínimo, para a configuração da justa causa que é de 3 meses consecutivos de atraso, fazendo com que seja possível a rescisão indireta do contrato de trabalho do atleta.

E mesmo que o acordo, tenha sido efetuado por escrito, se foi imposto de forma unilateral, pelo empregador, ainda, assim poderá ser discutido e anulado em um processo perante a justiça do trabalho, por ser uma mudança contratual prejudicial ao empregado, o que é proibido segundo o artigo 468 da CLT. Podendo ainda ser levantado pelo atleta, o direito a irredutibilidade salarial, consignado pela Constituição Federal, em seu artigo 7º VI, já que não se tratou de um acordo, mas, de uma imposição sob pena do atleta ou ser desligado ou deixar de ser escalado para as partidas, configurando assim a coação, posto que depois da sua vida, para o empregado nada .é mais importante que a manutenção do seu emprego

Lembrando que o acordo coletivo, para validar a redução dos salários dos atletas, deveria ter sido celebrado, diretamente com os sindicatos dos atletas da localidade em que se encontra o empregador, não servindo para efeitos de conferir a validade, a redução um acordo coletivo de trabalho celebrado com os empregados do sindicatos dos empregados do clube, em sentido amplo.

Isto porque os atletas são uma categoria diferenciada de empregados. A existência de um sindicato para a categoria diferenciada, está estabelecida na CLT em seu artigo 511 § 3º. E este sindicato da categoria diferenciada detém todas as prerrogativas do sindicato da categoria preponderante, segundo o estabelecido no artigo 513 da norma consolidada. Ou seja celebrar ou se recusar a celebrar o acordo coletivo, para a redução salarial.

Outros clubes, ainda, alegando que o direito de imagem, pelo qual pagam ao atleta pela possibilidade de se utilizar da imagem deste atleta, possuía natureza estritamente civil e não tem repercussão no contrato de trabalho dos atletas, simplesmente, deixaram de pagar as verbas relativas ao direito de imagem, de maneira integral, sem retirar as obrigações dos atletas inerentes a este contrato no sentido de aparecem em suas mídias socias com o uniforme do clube, não utilizar produtos de concorrentes de patrocinadores das equipes. Esquecendo-se que esta mora também gera o direito a rescisão indireta do contrato de trabalho

As ações começaram a ser proposta na justiça do trabalho com base no disposto no artigo 31 da Lei Pelé, que é muito claro a elencar as razões pelas quais um atleta, pode considerar rescindido um contrato de trabalho, por culpa dos seus empregadores, clubes de quaisquer esportes, assim estabelece esse artigo:

Art. 31.  A entidade de prática desportiva empregadora que estiver com pagamento de salário ou de contrato de direito de imagem de atleta profissional em atraso, no todo ou em parte, por período igual ou superior a três meses, terá o contrato especial de trabalho desportivo daquele atleta rescindido, ficando o atleta livre para transferir-se para qualquer outra entidade de prática desportiva de mesma modalidade, nacional ou internacional, e exigir a cláusula compensatória desportiva e os haveres devidos.

§1º São entendidos como salário, para efeitos do previsto no caput, o abono de férias, o décimo terceiro salário, as gratificações, os prêmios e demais verbas inclusas no contrato de trabalho.

§2º A mora contumaz será considerada também pelo não recolhimento do FGTS e das contribuições previdenciárias.

Assim o clube que não cumpriu com o dever de celebrar o acordo para a redução dos salários dos jogadores, e pagou única e somente o percentual que desejava, dos salários dos meses de abril, maio, junho e julho, já está em uma clara e flagrante mora contumaz, autorizando desta forma ao atleta buscar a rescisão indireta do contrato de trabalho. Posto que recebeu apenas uma parte do salário do reclamante, aquela que o empregador resolveu que deveria pagar. E por período de tempo, superior a 03 (três) meses, haja vista os salários deveriam ter sido quitados tempestivamente e em sua totalidade, desde abril de 2020.

Assim em agosto de 2020, passados estes quatros meses, se os atletas buscarem a justiça do trabalho, visando a rescisão do contrato, mesmo que os clubes paguem em primeira audiência a diferença do salário, ou do direito de imagem, a mora já estará caracterizada, pela aplicação da súmula 13 do Tribunal Superior do Trabalho que é clara ao estabelecer que: “O só pagamento dos salários atrasados em audiência não ilide a mora capaz de determinar a rescisão do contrato de trabalho.”

Desta forma os clubes que não agiram como deveriam em abril de 2020, não tem neste momento, como manter os atletas, que forem a justiça do trabalho pedir a rescisão indireta do contrato de trabalho, porque a mora seja a salarial seja a relativa ao direito de imagem já está configurada.

O clube enquanto empregador é quem deve assumir os riscos do negócio, segundo a aplicação do artigo 2º da CLT, até porque é ele quem recebe os bônus das atividades. Assim é o clube quem deve buscar os recursos para o pagamento dos salários e do direito de imagem, não podendo impor ao atleta que este tenha de passar a viver com uma remuneração menor, que a contratada. Até porque o atleta empregado, não teve como impor a redução do valor que devia pagar, para os seus credores. O empregado não pode ser obrigado a inexplicavelmente e sem avisos a viver, sem a sua remuneração integral, porque não se pode presumir que este terá redução do seu custo.

E no caso dos atletas a redução dos salários se demonstra ainda, mais ilegal, porque com os contratos de trabalho esportivos, sendo por tempo prazo determinado, que na época da publicação da MP936 poderiam ser de três meses a cinco anos, uma redução como esta redução que já dura quatro meses, em um contrato de trabalho de doze meses, representa uma redução salarial durante 33.33%, ou seja um terço, no período do contrato, ou se foi um contrato de três meses celebrado em março de 2020, antes da paralização dos torneios a redução não foi apenas no salário mensal, mas, sim no valor total do contrato e não garantiu a manutenção do emprego do atleta, que pode não ter tido o seu contrato renovado, demonstrando que o objetivo da MP 936, para o esporte não atingiu os seus objetivos.

A depender do esporte, dos momentos dos campeonatos, ou ainda do momento da carreira do atleta, este poderá fazer a apresentação da Reclamação Trabalhista com o pedido de rescisão do contrato, por justa causa do empregador, não porque precise de uma liminar, neste momento para trocar de empregador, mas, porque deseja receber todos os direitos trabalhistas garantidos a quem é demitido, ou tem a rescisão indireta do contrato de trabalho deferia. Assim equivoca-se quem defende que toda ação de rescisão indireta de contrato de trabalho, precisa vir com pedido de liminar.

Estes direitos trabalhistas da rescisão antecipada por justa causa do empregador, não existem quando o contrato do atleta acaba pelo simples decurso do tempo. Como por exemplo destes direito que nascem pela justa causa do clube empregador temos: o pagamento da multa de 40% sobre o FGTS, o pagamento de aviso, prévio e ainda o pagamento da cláusula compensatória desportiva nas hipóteses dos incisos III a V do § 5º do art. 28 da lei Pelé, que deixa claro que, a cláusula será devida nestas hipóteses:

Art. 28.  A atividade do atleta profissional é caracterizada por remuneração pactuada em contrato especial de trabalho desportivo, firmado com entidade de prática desportiva, no qual deverá constar, obrigatoriamente:

….

§5º O vínculo desportivo do atleta com a entidade de prática desportiva contratante constitui-se com o registro do contrato especial de trabalho desportivo na entidade de administração do desporto, tendo natureza acessória ao respectivo vínculo empregatício, dissolvendo-se, para todos os efeitos legais;

III – com a rescisão decorrente do inadimplemento salarial, de responsabilidade da entidade de prática desportiva empregadora, nos termos desta Lei;

IV – com a rescisão indireta, nas demais hipóteses previstas na legislação trabalhista; e

V – com a dispensa imotivada do atleta.

Desta forma demonstramos que os atletas podem buscar a rescisão do contrato de trabalho, a partir de julho de 2020, pelas mudanças ilegais, por não atenderem aos requisitos legais na sua remuneração, pela imposição da redução sem a possibilidade ser discutido se aconteceria esta redução e o seu percentual, tendo grandes possibilidades de conseguirem a procedência do seu pedido, e caso exista o pedido de liminar, para possibilitar a sua imediata transferências para outra agremiação conseguir a liminar, que permita a transferência.

Contudo antes de encerrar é necessário lembrar aos atletas que optarem pela busca da ruptura do seu contrato de trabalho, na justiça do trabalho, devem informar na sua petição inicial que a partir do ajuizamento da ação não mais comparecerá às dependências do clube, para desempenhar as suas atividades, deixando de lhe prestar serviços, conforme está autorizado pelo §3º do art. 483 da CLT. Até porque se o contrato está sendo rompido por justa causa do empregador, e a justa causa exige a ruptura imediata do contrato, não existe razão para o atleta continuar a comparecer no clube, devendo ter em mente ainda que, se a Reclamação Trabalhista for julgada improcedente, o atleta será considerado como culpado pela rescisão antecipada do contrato de trabalho e responsável pelo pagamento da multa pela rescisão antecipada, se o clube apresentar reconvenção, juntamente com a sua defesa.

……….

Higor Maffei Bellini é advogado, mestre em Gestão Integrada Saúde e Meio Ambiente do Trabalho, SENAC/SP; Master of Laws (LL.M.) em Direito Americano, Washington University of St. Louis; mestrando em Direito Esportivo PUC/ SP, especialista em Direito do Trabalho, Uni Fmu; especialista em Direito Ambiental Cogeae PUC/SP; especialista em Educação do Ensino Superior Cogeae PUC/SP. Presidente da comissão de direito desportivo na OAB Butantã

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