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A responsabilidade tributária da Sociedade Anônima do Futebol

Em meados de 2021 foi sancionada a Lei n° 14.193/2021, com alguns vetos relacionados ao regime especial de tributação. Os debates em matéria tributária estão cada vez mais acirrados quanto a responsabilidade da SAF, tema que será objeto do nosso estudo, com enfoque sobre os possíveis modelos de constituição em sua origem.

A SAF poderá surgir de três formas distintas: a) transformação do clube ou pessoa jurídica original em SAF; b) cisão do departamento de futebol do clube ou pessoa jurídica original com a consequente transferência do seu patrimônio relacionado à atividade futebol; c) iniciativa de pessoa natural ou jurídica ou de fundo de investimentos. Quando se trata da transformação do clube ou pessoa jurídica original e da criação da SAF do zero, não há qualquer controvérsia. O grande e polêmico debate em relação responsabilidade tributária da SAF versa sobre a cisão do departamento de futebol e a transferência do seu patrimônio relacionado à atividade futebol, que poderá ocorrer de imediato, a termo ou pode simplesmente não ocorrer.

Fato é que independente da transferência ou não do patrimônio como estádios, centros de treinamentos e demais aparelhos necessários para as atividades da SAF, percebemos que o legislador foi cirúrgico ao prevê que quando da não transmissão definitiva será necessária a elaboração de um contrato com regras no tocante a forma de utilização.

Nos últimos dias percebemos a temeridade de uma das primeiras SAFs criadas no Brasil, visto que o patrimônio permaneceu como propriedade do clube que deu origem a sua criação. Tal empecilho se deu por conta de o clube ter dado em garantia o respectivo patrimônio quando da celebração de transação tributária junto a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN). O acionista majoritário da respectiva SAF alega que a não transmissão do patrimônio causa risco elevado de paralisação de suas atividades em caso de não pagamento, uma vez que os respectivos bens são primordiais para execução de suas atividades. Com isso, os proprietários da SAF alegam falta de segurança jurídica para a continuidade dos trabalhos.

Primeiramente, quando falamos em responsabilidade tributária precisamos entender que tal matéria necessita estar definida em lei, e a SAF é regulada por lei específica com regime especial de tributação, tendo a Lei n° 6.404/76 aplicação subsidiária ou direta no que for silente a legislação especial, qual seja a Lei da SAF.

No que tange às obrigações da SAF, temos que ela não irá responder por obrigações do clube anteriores ou posteriores a data de sua constituição, com ressalva das atividades específicas do seu objeto social e pelas obrigações que lhe foram transferidas conforme disposto no §2º do Art. 2º da Lei 14.193/2021 limitando como forma de pagamento o estabelecido no Art. 10 da mesma Lei.

O artigo 10 da Lei em comento trata da responsabilidade dos clubes em pagar às obrigações constituídas anteriores e posteriores a constituição da SAF por meio das receitas próprias e por esta repassadas, sendo  20% das receitas correntes mensais auferidas pela SAF para pagamento referente ao plano de credores face as dívidas trabalhistas e cíveis. Além disso, o clube ou pessoa jurídica original deverá destinar 50% dos dividendos, dos juros ou de outra remuneração que receber na condição de acionista da SAF.

Ressalte-se que a lei se preocupou e muito com os credores do clube e da pessoa jurídica original visto que responsabiliza os administradores da SAF em caso de não repasse e o presidente do clube ou pessoa jurídica original de forma pessoal e solidária em caso de não pagamento face aos recebimentos oriundos da SAF. Trata-se de uma falácia dizer que a Lei não se preocupou com os credores, uma vez que atribui de forma expressa responsabilidade pessoal aos gestores, sem prejuízo inclusive do disposto no Art.18-B da Lei 9.615/1998.

Mas em relação ao pagamento da dívida tributária, quem será responsabilizado pelo pagamento e como deverá ser paga?

A responsabilidade pelo passivo tributário do clube ou pessoa jurídica original não é da SAF quando optarem pela constituição da SAF por cisão do departamento de futebol.

O Artigo 121 do CTN estabelece que o sujeito passivo da obrigação principal é a pessoa obrigada ao pagamento do tributo ou penalidade pecuniária.  Em seu parágrafo único, incisos I e II, faz a distinção em relação ao sujeito passivo enquanto contribuinte ou responsável tributário.

Contribuinte a SAF será no tocante ao exercício de suas atividades quando da sua constituição, na condição de responsável, como dito anteriormente, podemos extrair da leitura do inciso II que de forma expressa diz que o responsável quando sem revestir a condição de contribuinte sua obrigação decorra de disposição expressa em lei.

Ressalte-se ainda o teor do art.123 do CTN, que as convenções particulares relativas a responsabilidade pelo pagamento de tributos não podem ser opostas a Fazenda Nacional para modificar a definição legal do sujeito passivo das obrigações tributárias, logo, mesmo que a termo o clube ou pessoa jurídica original tivesse definido a SAF como responsável pelo pagamento de seus passivos tributários tal argumento não poderia ser usado como tese para se eximir de tal responsabilidade tampouco constrição de seus bens e direitos.

Aos que entendem que a SAF é responsável pelos tributos do clube ou pessoa jurídica original fundamentam seu posicionamento nos artigos 132 e 133 do CTN. Vejamos.

O Art 132 caput estabelece que a pessoa jurídica original de direito privado que resultar de fusão, transformação ou incorporação de outra ou em outra será responsável pelos tributos devidos até a data pelas pessoas jurídicas de direito privado fusionadas, transformadas ou incorporadas.

A forma de constituição da SAF posta do art. 2º, II da Lei n° 14.193/2021, não se enquadra no conceito de fusão, transformação e nem de incorporação. Ainda que os argumentos trazidos sejam aplicados por analogia, o parágrafo único do próprio Art.132 do CTN declara que a regra tratada no caput se aplica aos caos de extinção de pessoa jurídica de direito privado, quando a exploração da respectiva atividade seja continuada por qualquer sócio remanescente, ou seu espólio sob a mesma ou outra razão social ou sob firma individual, ou seja, não caberia de pronto tal analogia porque o clube ou pessoa jurídica original não sofrerão extinção quando da cisão do departamento de futebol, pelo contrário, serão estes acionistas da SAF com percentual a depender da negociação.

No tocante ao Artigo 133 do CTN, vislumbra-se que a pessoa jurídica de direito privado que adquirir de outra por qualquer título, fundo de comércio ou estabelecimento comercial, industrial ou profissional e continuar na respectiva exploração sob a mesma ou outra razão social ou sob firma ou nome individual responderá pelos tributos relativos ao fundo, estabelecimento adquirido devidos até a data do ato.

A princípio não há que se falar em aquisição de fundo de comércio nem estabelecimento comercial, industrial ou profissional muito menos em continuidade da respectiva exploração sob a mesma ou outra razão social após aquisição, como dito anteriormente não ocorre aquisição, mas a cisão do departemento de futebol do clube ou pessoa jurídica.

Ainda para refutar qualquer argumento que visa responsabilizar a SAF pelo passivo tributário do clube ou pessoa jurídica original, se faz necessário esclarecer mais uma vez que o Sistema Tributário Nacional é regido pelo Principio da Legalidade expresso em nossa Constituição Federal, precisamente no Art. 5º, inciso II estabelecendo que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”. Assim percebe-se que para estabelecer obrigações em matéria tributária precisamos que seja feito através de Lei, que a depender da matéria devemos ainda ressaltar que seja através de Lei Complementar, como dispõe o Art.146 da CF/88.

Atribuir à SAF a responsabilidade tributária não vejo como sendo o melhor caminho, haja vista a falta de argumentos plausíveis para tanto. Uma solução possível nos casos em que o clube ou pessoa jurídica original tenha transacionado com a PGFN seria voltar à mesa de negociações para que se possa estabelecer novas regras e condições de pagamento, inclusive, existe tal previsão no termo de celebração da Transação Tributária

Poderia o clube ou pessoa jurídica original repassar à SAF o patrimônio dado em garantia quando da celebração da Transação Tributária? Sim, desde que se tenha aprovação em Assembleia Geral (Art.2º, §3º, I da Lei 14.193/2021) e a anuência do Credor (Lei n° 14.193/2021, art. 3º, parágrafo único, inciso I).

No meu sentir, não há que se falar em responsabilidade da SAF em relação ao passivo tributário do clube ou pessoa jurídica original, lembrando que estes deverão pagar seus compromissos com suas receitas próprias além das advindas da SAF. O tema é recente e espinhoso, por isso, necessita ser enfrentado de forma fundamentada com a melhor doutrina e jurisprudência mais recente.

Aos debates !!!

Crédito imagem: Agência Brasil

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REFERÊNCIAS

BRASIL. Lei n° 6.404, de 15 de dezembro de 1976. Dispõe sobre as Sociedades por Ações. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l6404consol.htm. Acesso em: 25 de mar. de 2022.

BRASIL. Lei 5.172, de 25 de outubro de 1966. Dispõe sobre o Sistema Tributário Nacional e institui normas gerais de direito tributário aplicáveis à União, Estados e Municípios. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l5172compilado.htm. Acesso em: 25 de mar. de 2022.

BRASIL. Lei n° 9.615, de 24 de março de 1998. Institui normas gerais sobre desporto e dá outras providências. Disponível em:  http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9615compilada.htm. Acesso em: 25 de mar. De 2022.

BRASIL. Lei nº 14.193, de 6 de agosto de 2021. Institui a Sociedade Anônima do Futebol e dispõe sobre normas de constituição, governança, controle e transparência, meios de financiamento da atividade futebolística, tratamento dos passivos das entidades de práticas desportivas e regime tributário específico; e altera as Leis nºs 9.615, de 24 de março de 1998, e 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil). Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2019-2022/2021/Lei/L14193.htm. Acesso em: 25 de mar. de 2022.

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